Por Sérgio do Monte Lee e Pedro Tavares (*)

Neste início de 2021 e ao fazer uma retrospetiva de 2020, podemos afirmar que as redes e operadores de telecomunicações em Portugal foram resilientes e capazes de gerir o avultado crescimento de tráfego móvel e fixo decorrente da situação pandémica que vivemos. Porém, continua a existir um “elefante na sala”. O processo de atribuição de espectro do 5G está envolto em litigância, sem que nenhum dos players envolvidos pareça estar satisfeito. O cliente porque não usufrui, os operadores porque, sem espectro, não podem implementar e o regulador que, ao não ter conseguido encerrar o processo, é alvo de severas criticas.

O 5G é visto globalmente como uma das principais alavancas de recuperação económica do período pós-covid, acelerando processos de transformação digital nos mais variados setores, com benefícios significativos para as empresas e consumidores. Portugal, legitimamente, partilha a mesma expectativa e ambição. Embora historicamente o nosso país tenha estado na linha da frente da Europa no que toca à adoção de novas tecnologias nas redes de telecomunicações, relativamente ao 5G isso não ocorre. E não é por falta de vontade em experimentar a tecnologia pois, segundo o Observatório Europeu para o 5G,  Portugal terá sido dos países que mais terá testado o 5G.

Perder o comboio da frente no 5G significará naturalmente anular o poder da inovação como mola propulsora da regeneração económica do país, uma bandeira que Portugal tem promovido internacionalmente. Além disso, o país poderá sair do radar de empresas tecnológicas, que darão prioridade a investimentos noutras geografias, onde os respetivos governos, aproveitando a “boleia do 5G”, estão a criar incentivos e a alocar orçamentos relevantes dedicados à pesquisa e desenvolvimento nas áreas da ciência e tecnologia, como mecanismo de revitalização das respetivas economias nacionais.

E o que podemos esperar em 2021? Mais um operador móvel em Portugal ou a lógica da consolidação a imperar?

A ANACOM justificou as medidas que regularão o leilão de espectro do 5G como essenciais para promover o acesso à tecnologia, reforçar níveis de cobertura e contribuir para que os utilizadores beneficiem de novas opções de escolha, preço e qualidade de serviço. E, nesse sentido, considerou reservar espectro para novos operadores que pretendam concorrer ao leilão e entrar nas redes móveis de quinta geração.

Portugal conta hoje com três operadores principais, que detêm espetro. A MEO lidera com uma quota de 41,0%, seguida da Vodafone com 30,1% e da NOS com 26,2%, segundo os números referentes ao primeiro semestre de 2020, divulgados pelo regulador. Existem ainda dois MVNO, a NOWO e a Lycamobile, com uma quota de mercado residual inferior a 3%.

Não existindo um consenso sobre o número ideal de operadores para um mercado como o português, as comparações com outros países são inevitáveis. Espanha, Inglaterra ou França, mercados com população significativamente superiores, têm quatro operadores. Na Alemanha, o leilão do espectro 5G gerou, de forma similar, muita contestação. Todavia, independentemente da oposição, as regras estabelecidas animaram investidores e a 1&1 Drillisch conseguiu o espetro necessário para se tornar o quarto operador no país.

Embora a entrada de novos operadores possa agitar o mercado, verifica-se na Europa e também a nível global uma tendência de consolidação. Com a redução progressiva da rentabilidade dos operadores torna-se cada vez mais difícil investirem em novas tecnologias como o 5G. O aumento dos volumes de tráfego e a regulação de preços têm forçado o decréscimo do valor médio do preço por cada gigabit de dados, levando os operadores a ponderar a adoção de diferentes estratégias como medida de resposta, passando pela venda de ativos (torres de telecomunicações, por exemplo), reestruturações internas, redução de investimentos ou consolidação com concorrentes. Em grandes mercados como nos Estados Unidos, a fusão da T-Mobile com a Sprint, abriu as portas para o nascimento de um novo operador 5G, a DISH, voltando o mercado a contar com quatro operadores móveis. Na China, existem apenas três operadores.

A Europa, e em especial Portugal, foram pioneiros na implementação da rede móvel de segunda geração perdendo depois algum fôlego nas gerações seguintes. É o momento propício para Portugal assumir novamente uma posição de liderança através da aplicação ubíqua da tecnologia 5G. A conetividade do futuro permitirá conectar todos os elementos passíveis de sensorização, intensificando-se, a um nível extraordinário, as ligações entre pessoas e entre empresas. A Inteligência Artificial (AI), Internet das Coisas (IoT), Realidade Virtual (VR) e a Realidade Aumentada (AR) ganharão uma outra dimensão quando catapultadas pela estrutura tecnológica oferecida pelo 5G, trazendo para o presente ainda cenários futurísticos como as smart cities, carros autónomos ou sistemas de vigilância inteligentes. A tecnologia passará a estar em todo o lugar e a toda a hora. Em Portugal e em todos os países que maximizarem o uso da tecnologia, serão impactados os serviços públicos, os métodos de trabalho, as relações sociais e familiares, a produtividade profissional, a forma como exercemos a cidadania e como prevenimos doenças e nos educamos.

Se estivermos devidamente equipados, a conectividade do futuro, proporcionada pelo 5G, terá um impacto transformador para as pessoas e as empresas. Mas se nos deixarmos ultrapassar, Portugal entorpecerá o seu crescimento económico, penalizando o desenvolvimento sustentável das suas empresas e da sua população.

(*) sócios da Deloitte

Este artigo faz parte do Dossier O melhor e o pior de 2020. E as expectativas para 2021

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