A acessibilidade Web não é uma opção

Por Carla Vieira Faria (*)

Portugal foi dos primeiros países a adoptar oficialmente as recomendações do W3C para a acessibilidade à Internet. Em 1999 foi aprovada numa Resolução de Conselho de Ministros segundo a qual todos os sites do Estado deveriam garantir o acesso universal à informação.

Passados 10 anos constata-se que muito pouco foi feito neste sentido.

Nessa óptica a acessibilidade Web não é uma opção, pelo menos para o estado mas sim uma obrigação.

A criação de diversos serviços online que permitem a interacção entre o cidadão e o estado visava mais do que evitar que as pessoas se tivessem que deslocar às repartições publicas para obter documentos ou informação. Se pensarmos por exemplo num cidadão cego, chegamos facilmente à conclusão que o formato papel é completamente inacessível. Daí a vantagem do formato electrónico.

Se este facto é inquestionável, para obter os documentos e informação em formato electrónico, é fundamental que os sites e os serviços online permitam a sua consulta, requisição e emissão sejam acessíveis.

[caption]Nome da imagem[/caption] Tomemos como exemplo o Portal do Eleitor recentemente lançado pelo Ministério da Administração Interna, que foi apresentado como sendo "o sítio onde todos os cidadãos poderiam obter informação sobre todo o processo eleitoral que se avizinha".

Faltou acrescentar a esta informação que por "todos" se entende "todos os que vêm e podem utilizar o rato no seu computador". Por exemplo, grande parte da informação publicada e a própria estrutura de navegação (menus) não consegue ser alcançada usando apenas o teclado. Acontece que existe uma percentagem significativa de utilizadores que por uma razão ou outra estão impossibilitados de usar o rato e dependem do teclado para utilizar o computador.

Conferir acessibilidade a um site, de certo modo compara-se à construção de uma cave. Se o edifício ainda não estiver construído é fácil, se este já existir é um verdadeiro "bico de obra".

Ao contrário do que seria de esperar surgem cada vez mais sites com chancela estatal e que não cumprem os requisitos mínimos de acessibilidade seja na página principal, seja ao longo de todas as restantes páginas.

Existe a preocupação de utilizar ferramentas de validação da conformidade das directrizes recomendadas pelo Consorcio W3C mas esta abordagem está bem longe de ser o mesmo que garantir a acessibilidade de um site.

O simples facto destas ferramentas não indicarem qualquer tipo de problema maior na acessibilidade a um determinado site, não significa que este seja acessível. Não há nenhum teste, nas várias ferramentas existentes que verifique se as legendas atribuídas às imagens são explícitas e objectivas, se a navegação pode ser feita integralmente com o teclado ou até se existe uma música de fundo que impede que se entenda o que o sintetizador de voz (utilizado pelos leitores de ecrã, por exemplo) está a reproduzir.

É por estes motivos que a validação manual feita por PESSOAS e recorrendo à tecnologias de apoio (leitores de ecrã, software de varrimento, etc.…) é fundamental. Não fazer testes deste género e envolvendo pessoas e tecnologia de apoio poderá ser o mesmo que aceitar que alguém possa aprender a conduzir num simulador sem NUNCA se ter sentado num automóvel. Saliento que as ferramentas de validação automática são úteis mas insuficientes para conferir acessibilidade aos sites.

É inaceitável que se continuem a colocar os logótipos que indicam que o site é acessível sem que o site o seja ou que se publiquem lengalengas sobre a conformidade com as recomendações de acessibilidade, sem que se compreenda o que estas significam.

Um estudo realizado após as eleições europeias dava conta que 65% dos eleitores obteve informação sobre as várias propostas através da Internet. Um número admirável tendo em conta que mais de 10% dos eleitores não a puderam consultar uma vez que os sites das campanhas eram completamente inacessíveis. Para os próximos actos eleitorais a situações não é de todo melhor.

Na concepção dos sites de suporte às campanhas e candidatos às próximas eleições, houve um cuidado acrescido ao nível da imagem e um total desrespeito pelas recomendações de acessibilidade. É certo que não se está a falar de sites estatais, obrigados a cumprir as recomendações adoptadas mas há que convir que esta atitude não abona muito em favor de quem brevemente poderá vir a ocupar cargos públicos.

O mesmo se pode dizer em relação a sites comerciais. Cada utilizador que não consiga aceder à informação publicada representa a perda de um potencial cliente.

A actual preocupação obsessiva com o aspecto gráfico dos sites fez-nos perder grande parte do valor e funcionalidades que o HTML tem para oferecer. Perdeu-se a estrutura semântica das páginas que servia de elemento de organização de conteúdos já que poucos são os que continuam a utilizar cabeçalhos, parágrafos, etc.

A linguagem que nasceu para ajudar a organizar a informação é esquecida e subaproveitada. Se ignorarmos a formatação/estilo das páginas, como acontece com muitas tecnologias de apoio temos em muitos casos, um único bloco de texto sem quebras, títulos ou divisão de conteúdos.

A utilização correcta da estrutura semântica do HTML e o cumprimento pelas normas de acessibilidade não são incompatíveis, de forma alguma, com o aspecto gráfico atraente e cuidado. Ao contrário do que se possa pensar e muitas vezes é afirmado, a utilização do Flash para construção de sites não implica que estes sejam inacessíveis. Basta seguir as indicações da própria ADOBE, que há muito tempo trabalha em parceria com os produtores de tecnologias de apoio.

Brevemente será apresentado publicamente o Observatório para a acessibilidade, um projecto independente que conta com a colaboração directa de cidadãos comuns, com competências técnicas especializadas, com conhecimento e utilização quotidiana de diversas tecnologias de apoio e outras valências fundamentais para avaliação da acessibilidade a sites.

Numa análise preliminar feita a 1.208 sites estatais, públicos e privados (o documento completo será divulgado na altura da apresentação do Observatório) o panorama geral é muito preocupante. Certamente que não será do conhecimento geral que apenas 35% dos sites analisados cumpre as recomendações básicas (nível A da WCAG 2.0) na página principal, mais de 80% não oferece qualquer tipo de acessibilidade nas páginas interiores ou que a generalidade de formulários para interacção com a entidade também não é acessível.

Termino como comecei: "A acessibilidade não deveria ser uma opção mas antes uma obrigação".

(*)CEO da Handout
A empresa mantém também um projecto de responsabilidade social, o Ajudas, um portal sobre reabilitação e ajudas técnicas.