Por Ciro Pappalardo (*)  

Está no meio de nós, mas não se vê. Das redes Wi-Fi à comunicação móvel e às transmissões radiofónicas, as ondas rádio fazem parte do nosso dia-a-dia. Também nos chegam do Espaço e do Universo profundo, mas essas só conseguimos observar no “silêncio” rádio de regiões desérticas, na Austrália, no Chile, ou na África do Sul. São regiões remotas, mas com forte ligação a Portugal.

O nosso país é membro de dois observatórios intergovernamentais para a astronomia no rádio, e é até cofundador de um deles. A radioastronomia, cuja comunidade de profissionais no nosso país está a crescer, é uma área multidisciplinar e ótimo terreno para a formação de cientistas, engenheiros de telecomunicações, de software e hardware.

A imagem nunca antes vista também é portuguesa

Um cientista português, Hugo Messias, não esquece o dia em que foi divulgada a espantosa primeira imagem alguma vez obtida de um buraco negro, o colosso que existe no coração da galáxia Messier 87 (ou M87), com mil milhões de vezes a massa do Sol e situado a 55 milhões de anos-luz. Messias fez parte da vasta equipa internacional que a obteve e que a viu publicada nos mais importantes órgãos de notícias do mundo em 10 de abril de 2019.

Esta é uma data histórica para a ciência. Para além do poder sugestivo que uma imagem como esta pode ter do ponto de vista simbólico, ela representa também uma vitória sobre muitos desafios tecnológicos, enfrentados e superados pela equipa do consórcio mundial Event Horizon Telescope (EHT), à qual pertence o português Hugo Messias.

Na nossa perspetiva, a grande importância desta imagem é a confirmação, mais uma vez, de que há um universo surpreendente que ainda está por ser revelado nas frequências rádio, a zona do espectro da radiação eletromagnética que tem vindo a contribuir cada vez mais para o desenvolvimento da astrofísica moderna.

A radioastronomia é um ramo da Astrofísica que explora o Universo na banda ‘rádio’, ou seja, luz não visível que é emitida por regiões do Universo muito frias, como as nuvens de gás molecular onde nascem estrelas e planetas, ou então emitida por fenómenos extremos, como feixes de eletrões acelerados pelos restos mortais de estrelas massivas, como os buracos negros. Esta luz traz-nos também informação sobre as primeiras épocas da história do Universo.

As ondas rádios compreendem a vasta região das frequências eletromagnéticas menos energéticas do que a luz infravermelha. São frequências que vão desde milhões de oscilações por segundo, ou seja, milhões de Hertz, até apenas alguns Hertz, o que corresponde, em comprimentos de onda, a um intervalo entre um décimo do milímetro e milhares de quilómetros.

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A astronomia do invisível

Relativamente jovem como ciência, a radioastronomia só começou a ser desenvolvida sobretudo nos anos de 1930, quando o engenheiro norte-americano Karl Jansky, com um radiotelescópio desenhado e construído por si no jardim da sua casa, conseguiu detetar sinais extraterrestres, ou seja, não provenientes da Terra. A sua origem era um ponto do céu na constelação do Sagitário, na região central da mancha da Via Láctea.

Hoje sabemos que esse sinal é produzido por um buraco negro com quatro milhões de vezes a massa do Sol e que está no centro da nossa galáxia. Nessa altura, porém, foi a primeira vez que um cientista demonstrou conclusivamente que existem sinais rádio provenientes de fora do nosso planeta.

Na realidade, muito antes de Jansky, Nicola Tesla, engenheiro e inventor naturalizado norte-americano, mas de origem sérvia e nascido onde é hoje a Croácia, tinha já observado no seu laboratório ondas rádio emitidas por nuvens interestelares. Como Tesla interpretou esses sinais como a prova da existência de alienígenas, e conhecido que ele era pela sua natureza irreverente e invulgar, a comunidade científica não prestou muita atenção a esta sua espantosa descoberta.

De qualquer forma, seja Tesla ou Jansky o pioneiro desta nova ciência, a radioastronomia desenvolveu-se imenso nos últimos 80 anos. Nas últimas décadas surgiram projetos cada vez mais complexos e espantosos, como o EHT, que já mencionámos.

Somar a luz

Há neste momento vários projetos destinados a explorar as frequências rádio, e que estão a abrir novos horizontes na radioastronomia. Um desses projetos é o Atacama Large Millimeter/submillimiter Array (ALMA), um radiotelescópio composto de 66 antenas instalado a 5000 metros de altitude no local mais seco do mundo, no deserto do Atacama, no Chile. É um projeto internacional que envolve países na Europa, incluindo Portugal, através do Observatório Europeu do Sul (ESO), e também na América e na Ásia. O ALMA é um dos membros do consórcio EHT.

A ideia deste projecto é aproveitar uma técnica de observação chamada síntese de abertura, cujo objectivo é simular um telescópio que, se existisse, teria um disco com 10 quilómetros de diâmetro. Isso é possível construindo muitos telescópios mais pequenos espalhados por uma grande área, e utilizando a capacidade de avançados supercomputadores. Estes servem para integrar numa mesma imagem global aquilo que cada um dos telescópios observa individualmente.

O impacto do ALMA no mundo da ciência tem sido de extrema importância. Tem revelado discos de gás e poeira em volta de estrelas jovens, o berço de futuros planetas, assim como a formação de estrelas em galáxias distantes, ou, como parte do consórcio do EHT, a imagem do buraco negro no centro da galáxia M87. Foi também um desafio para muitas nações que não tinham experiência na observação no rádio, mas que têm demonstrado um crescente interesse por este domínio da astronomia, como é o caso português.

Portugal está na primeira fila diante do “céu rádio”

O nosso país também aderiu a esta ‘corrida ao céu rádio', e cada vez é mais visível a crescente comunidade multidisciplinar de profissionais com competências em radioastronomia no nosso país. A participação estratégica no ALMA nos primeiros sete anos de existência do Portuguese ALMA Centre of Expertise (PACE), um centro da responsabilidade do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), aumentou de forma surpreendente a competência no nosso país em radioastronomia.

Mas além disso, Portugal é membro fundador de um outro observatório, e um dos mais importantes projetos na radioastronomia das próximas décadas: o Square Kilometer Array Observatory (SKAO). Oficialmente lançado em 2021, este será um observatório que abarca dois continentes, com antenas e outras infraestruturas espalhadas por áreas desérticas da Austrália e de várias nações da África austral, com centro nevrálgico na África do Sul. O nosso país tem participado ativamente ao nível da ciência, inovação e indústria, nomeadamente através do Engage SKA Portugal.

A experiência da participação do nosso país em projetos intergovernamentais de grandes radiotelescópios, como o ALMA, ou o futuro SKAO, está a criar oportunidades. Por exemplo, a definição da ciência que o SKAO irá realizar tem recebido contribuições do IA pela sua experiência em radioastronomia, não apenas através do já referido PACE, mas a resultante da participação nos projetos precursores do SKAO, o Australian Square Kilometre Array Pathfinder (ASKAP) e o telescópio MeerKAT na África do Sul. Estas contribuições constituem tanto para estudantes como para profissionais, uma área fascinante, multidisciplinar, com ligações à indústria e extensos contactos internacionais.

(*) é investigador no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa). Formou-se em Astronomia em Itália, na Universidade de Bolonha e obteve o doutoramento em França, no Observatório de Estrasburgo. Regressou a Itália onde trabalhou com os dados do telescópio espacial Herschel, trabalho que continuou em Lisboa com uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Atualmente, Ciro Pappalardo gere o “Portuguese Alma Center of Expertise” (PACE), e está envolvido em vários projetos de construção de novos instrumentos de observação.

Nota da Redação: Foram adicionadas imagens