Desafios à portabilidade


Por Pedro Arezes *


Com a crescente miniaturização da electrónica, a portabilidade dos equipamentos informáticos passou a ser um elemento chave a considerar aquando da aquisição destes equipamentos.
O "velho" computador de secretária, com CPU, monitor e teclado, passou a ser visto como um tipo de equipamento que só é utilizado por motivo de alguma exigência específica, o que acontece tipicamente fora do âmbito da utilização doméstica ou pessoal. A reforçar esta ideia, estão os dados sobre as vendas globais de computadores, que têm mostrado a existência de um maior numero de vendas dos computadores portáteis (e outras formas similares) em relação às vendas, cada vez menores, dos equipamentos "fixos" ou de secretária.


É também evidente que, sobretudo a nível do ensino, desde as escolas dos ciclos iniciais às universidades, a utilização dos computadores tem vindo a transformar-se. De tal modo, que hoje podermos verificar ser raro, para não dizer inexistente, o estudante universitário que não carrega consigo um computador portátil ou, mais recentemente, um tablet.


Se do ponto de vista da portabilidade, as vantagens destas novas soluções são evidentes, já do ponto de vista do conforto na utilização e das possíveis implicações, em termos de saúde, que esta utilização pode acarretar, o cenário não é tão claro.


De facto, a portabilidade destes equipamentos faz com que estes possam ser utilizados nas mais diversas situações, implicando muitas vezes a adopção de posturas pouco apropriadas do ponto de vista músculo-esquelético. Podemos pensar, por exemplo, na quantidade de utilizadores que usa o seu portátil, sobre os joelhos, na posição de deitados, sentados no chão ou em locais onde não é possível utilizar periféricos, como o rato.

[caption]Pedro Arezes, investigador[/caption]

A estes possíveis cenários, há ainda a acrescentar o facto de muitos destes equipamentos apresentarem ecrãs cada vez menores e teclados e ratos (ou outros dispositivos de interacção) também eles menores e de utilização mais complexa. Resulta daqui o reconhecimento da possibilidade dos utilizadores deste tipo de equipamento virem a sofrer alguns problemas de saúde, directa ou indirectamente, associados à utilização, em particular de problemas de natureza músculo-esquelética resultantes da adopção de posturas pouco apropriadas.



A Ergonomia, que de forma genérica se centra no estudo sobre a adaptação de um local de trabalho ou objecto aos seus utilizadores, preocupa-se, entre outras coisas, com as possíveis implicações resultantes deste tipo de utilização. Neste sentido, têm surgido vários trabalhos com o objectivo de uma análise do potencial impacto desta utilização no estado de saúde (actual e futuro) dos utilizadores. No seio do grupo de investigação em Engenharia Humana da Universidade do Minho decorre um projecto, em conjunto com uma universidade brasileira e outra chilena, cujo objectivo consiste exactamente em perceber quais os padrões de utilização dos computadores portáteis (onde são utilizados, com que frequência, com que periféricos, como são transportados, etc.) e em perceber se existe algum tipo de associação entre esses padrões e a sintomatologia músculo-esquelética reportada pelos utilizadores, nomeadamente com indicações de aparecimento de dor em zonas corporais individualizadas.



Este tipo de estudos visa, de igual forma, identificar e divulgar um conjunto de práticas que possam ser adoptadas para minimizar os efeitos já evidenciados. A título de exemplo, apresenta-se um conjunto de práticas de natureza genérica que, manifestamente, contribuirão para que estes efeitos não ocorram, ou pelo menos não sejam tão evidentes, tais como:



- providenciar pausas durante a utilização contínua dos portáteis, a realizar em intervalos regulares e que permitam que os utilizadores alterem a sua postura e desviem o seu foco de visão;

- adoptar uma boa postura sentada, o que implica normalmente poder ter os pés devidamente apoiados no chão, com um ângulo recto ao nível dos joelhos e bacia;

- tentar evitar trabalhar com os portáteis em situações em que não seja possível apoiar os mesmos numa bancada de trabalho, por exemplo, trabalhando com o portátil apoiado sobre os joelhos, no chão, etc.;

- usar cadeiras adequadas, sobretudo em situações de uso mais prolongadas. Os utilizadores deverão estar sentados em cadeiras confortáveis e usar um encosto para apoio das costas, principalmente das zonas inferiores da coluna, lombar e dorsal;

- adoptar um ângulo de flexão da cabeça (pescoço) não superior a aproximadamente 20°, o que significa que o topo de monitor deve estar aproximadamente à altura dos olhos, representando também um ângulo da linha de visão que permita ver todo o monitor e que não exceda 30°;

- manter uma distância de visão ao monitor situada entre 45 e 75 cm;

- utilizar um teclado situado a uma altura similar à do cotovelo, podendo apresentar uma ligeira inclinação positiva até 15°.


Também do ponto de vista dos construtores deste tipo de equipamento parece haver algo a fazer. Recentemente, e até motivados pelo aspecto comercial, estes têm demonstrado algumas preocupações neste domínio, implementando soluções para minimizar os impactos negativos que possam resultar da utilização. Em grande parte, e se tivermos em consideração alguns dos principais problemas já identificados, os objectivos dos construtores deverão, num futuro breve, passar por:


- desenvolver sistemas de interface físicos (ratos, pads, joysticks) que sejam facilmente adaptados à estrutura da mão humana e cuja utilização minimize a necessidade de uma inclinação lateral do pulso com desvio ulnar (inclinação lateral para o lado exterior);

- adoptar a utilização de monitores com maior dimensão e de elevada resolução;

- utilizar teclados de maior dimensão e, se possível, com retroiluminação, permitindo uma identificação simples das teclas mesmo em situações de iluminação mais precária;

- desenvolver equipamentos de menor peso, o que implicará, muito provavelmente, o desenvolvimento de carregadores de bateria menores e mais leves e de baterias de maior longevidade.


Paralelamente, as empresas nesta área começam a disponibilizar sistemas que permitem que o computador portátil seja igualmente utilizado de forma "fixa" num local de trabalho. Tal permite que, de forma simples e prática, o mesmo seja utilizado com dispositivos periféricos exteriores, como por exemplo, um teclado e monitor de maior dimensão, ou ainda com suportes dos portáteis que permitam que as ligações aos vários periféricos sejam simplificadas (dockstations) e permitindo, por exemplo, que o monitor do portátil seja colocado numa posição mais elevada.


Resumindo, a portabilidade dos sistemas é, e muito provavelmente continuará a ser, um dos principais objectivos dos construtores, mas estes deverão igualmente orientar os esforços de melhoria para os aspectos da utilização e da concepção de equipamentos que tenham em consideração os aspectos ergonómicos na sua utilização e que minimizem o potencial impacto que a utilização pode representar em termos da saúde dos utilizadores.


* Professor Associado (c/ Agregação) na Universidade do Minho e co-autor de um estudo que visa perceber os impactos para a saúde da utilização crescente de dispositivos portáteis pela população escolar universitária dos três países a que pertencem os investigadores envolvidos: Portugal, Chile e Brasil.

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