Por Miguel Farto (*)

O Homem durante a sua passagem neste mundo, já se deparou com imensos eventos de grande escala. O último grande evento foi (a já esquecida) pandemia da Covid-19, que para além de nos trazer “novos” hábitos de higiene, mudou a forma como a sociedade passou a encarar a forma de trabalhar - trouxe-nos a possibilidade de realizar trabalho remoto.

O “meu” local remoto é os Açores, aqueles 9 pedaços de rocha no meio do oceano, à mercê de tempestades, vulcões e sismos, nomeadamente a ilha Terceira que tem ainda presente uma forte componente militar norte-americana. Com a redução do efetivo militar em 2015, diminuiu igualmente a empregabilidade dada pelos mesmos. Para combater este défice de emprego, o Governo Regional criou um programa tecnológico para desenvolver que consistiu em dotar pessoas de conhecimentos tecnológicos, nomeadamente programação e em conjunto com incentivos, atrair novas empresas para se instalarem na ilha, criando uma tempestade perfeita para o desenvolvimento de emprego na região.  Este programa foi um sucesso, dotou muitas pessoas, jovens e não só de capacidades para integrar o vasto mundo das TI. Muitos integraram empresas que se estabeleceram na ilha, e vários aceitaram desafios em regime remoto.

Com a criação de emprego em TI, mais pessoas passaram a gastar o seu salário no comércio local, tanto em supermercados, como restaurantes, cafés, com dinheiro vindo de Portugal Continental. Esta “injeção” de capital externo, permitiu um desenvolvimento local muito grande, deu uma nova vida àquilo que era a cidade da Praia da Vitória.

Esta presença norte americana em território português também poderia ser melhor aproveitada, bastando para isso recordar os inícios do tão famoso Silicon Valley de onde saíram grandes empresas de renome mundial, que tem nos primórdios da sua existência um forte investimento militar. Já temos as infraestruturas, os recursos técnicos formados, bastando apenas um maior investimento ou quiçá uma redefinição daquilo que é a região ou mesmo o país. Agora como se consegue reter estes talentos portugueses em solo português?

Os Açores nisto são um ponto estratégico essencial, devido ao seu posicionamento geográfico, entre o continente americano e o europeu, podendo trabalhar com ambos os fusos horários. Para isso bastam pequenos ajustes naquilo que é a sua rotina: um profissional ou entra um pouco mais tarde ou entra um pouco mais cedo. Dou o meu exemplo, trabalho maioritariamente com Europa Central, de Leste e alguns países da Ásia, isto faz com que comece o meu dia de trabalho às 8h00, por vezes em caso de necessidade, 7h00, mas o outro lado da moeda e poder sair mais cedo, a horas que seja possível ainda usufruir de serviços. O mesmo raciocínio pode ser aplicado caso trabalhasse com o continente americano, entraria mais tarde, sairia mais tarde, mas tinha parte da manhã livre para tratar da minha vida, isto sem nunca fazer horários de madrugada.

Esta vantagem não é exclusiva dos Açores, mas sim do nosso país, temos das melhores condições de vida, somos um país desenvolvido, com sol e qualidade de vida. Outras regiões, fora dos grandes centros urbanos poderiam olhar para aquilo que os Açores fizeram de bem e de mal e replicar, tentando assim atrair nómadas digitais para os seus territórios. Porque não investir neste sentido em áreas menos povoadas do interior? Lembrando que para exercerem o seu trabalho de forma remota, basta apenas uma secretária para pousar o equipamento e internet. Isto irá provocar o mesmo que aconteceu nos Açores, dinheiro estrangeiro a ser injetado nos comércios locais. Temos tudo a nosso favor, porque não aproveitamos? Não podemos viver para sempre do sol e turismo, o nomadismo digital deverá ser visto como algo sério e com um potencial enormíssimo, capaz de fazer crescer regiões e quiçá o país.

(*) Business Solution Consultant, KCS iT