Por Renato Andrade (*)
Com o lançamento do Apple Vision Pro, foram escritos muitos artigos comparando-o com o que se supõe ser seu concorrente direto, o Meta Quest 3. A tentativa de comparação é compreensível, já que são dois produtos no mesmo nicho de mercado. Porém, é como comparar um carro movido à combustão com um carro elétrico inteligente como um Tesla. O comparativo parece válido à primeira vista, mas há muitas nuances e detalhes que os separam de maneira que a comparação acaba por se tornar injusta.
Recentemente, John Carmack, ex-CTO da Meta e uma das mentes mais brilhantes da computação moderna, escreveu em seu perfil no X que "a Realidade Virtual não está sendo atrasada pelo hardware, mas pelo software".
De fato, por muitos anos os headsets de Realidade Virtual não faziam muito mais do que executar apenas uma tarefa. Seus sistemas operacionais eram rudimentares, voltados para executar apenas ambientes completamente imersivos. Com o tempo, passaram a integrar aplicações 2D, mas estas eram igualmente rudimentares e limitadas. Mesmo os dispositivos com Mixed Reality por vídeo como a família Meta Quest, Pico e HTC Vive XR Elite, não poderiam ir muito longe. Eram, afinal, como os carros movidos à combustão.
Faltou um sistema operacional robusto que comporte softwares mais complexos. Mas não foi falta de hardware ou de engenheiros para isso. Faltou especialmente uma visão de produto para os headsets VR como plataforma computacional.
Afinal, eram considerados - e vendidos - como se fossem consoles de videogame, e há uma considerável diferença entre um aparelho dedicado a rodar jogos e pequenas aplicações para um dispositivo computacional completo como um smartphone ou um computador.
É possível, por outro lado, que eu esteja sendo demasiado injusto com a indústria já que o hardware ainda é muito caro e o formato dos headsets não é adequado o suficiente para sua massificação. Apesar disso, tenho que lembrar que a Meta adquiriu a Oculus em 2014, portanto foram longos dez anos de uma liderança de mercado que acabou por estagnar a plataforma ao encaixá-la em uma visão voltada principalmente para jogos.
Mesmo com o Quest Pro, a Meta não conseguiu fazer muito, já que apesar do seu form factor bastante profissional e hardware de ponta para a época, a Meta falhou em oferecer um sistema operacional robusto, relegando o Quest Pro para a mão de entusiastas e gamers hardcore.
Isso mudou com a chegada do Apple Vision Pro e seu sistema, o visionOS. A Apple trouxe toda a sua expertise em mobile com o iOS e iPadOS e desenvolveu um sistema completo, capaz de realizar multitarefas e acompanhando um hardware poderoso o bastante para dar suporte a um ambiente de produtividade e entretenimento. Aliado a isto, temos um kit de desenvolvimento de software (SDK) extremamente robusto, onde um programador que já desenvolve para as plataformas da Apple possa criar facilmente um aplicativo do zero ou trazer um projeto anterior para a terceira dimensão com poucos códigos adicionais, sem a necessidade de se envolver com conceitos complicados da indústria XR ou recorrer a motores de jogos como Unity e Unreal. Isso fez com que o Apple Vision Pro fosse lançado com a maior biblioteca de software da história do XR: mais de 600 apps e jogos nativos ou convertidos e acesso a mais de 1,5 milhões de aplicativos compatíveis de iPhone e iPad.
Isso forçou uma mudança considerável nos esforços da Meta, que começou a lançar funcionalidades novas para o Meta Quest como suporte para Spatial Video, Panoramas, ambiente em Mixed Reality por padrão, entre outras. A empresa se aliou à LG e aparentemente pretende criar um sucessor do Meta Quest Pro para "competir com o Apple Vision Pro". No entanto, bem sabe Zuckerberg que de nada adianta ter um hardware poderoso sem um software que dê suporte para ele - o fracasso comercial do Quest Pro que o diga. A solução foi abrir o sistema operacional do Quest, a fim de criar uma plataforma que receba contribuição de desenvolvedores de outras empresas visando um ecossistema que a Meta chama de Horizon OS. Com o Horizon OS, empresas como ASUS, Lenovo e outras poderão criar seus headsets VR com o seu hardware junto ao sistema da Meta.
Se vai funcionar? Provavelmente não. E a razão é muito simples: a Meta não tem um ecossistema igual a Apple. A Meta não tem acesso aos milhões de aplicativos Android disponíveis para usar em seu Horizon OS - embora, veja só, ele seja baseado em Android. Zuckerberg terá que convencer os milhões de desenvolvedores Android e portarem seus aplicativos para o Horizon OS, porém o SDK do Quest é complicado de usar para quem desenvolve aplicativos mobile e a falta de suporte do Google limita bastante o que a Meta poderá fazer.
Para competir com o visionOS, a Meta terá que reescrever seu sistema operacional do zero, criar ferramentas mais adequadas de desenvolvimento e que suporte vários frameworks, não apenas as game engines como Unity e Unreal. Terá que correr contra o tempo porque embora o Apple Vision Pro tenha um preço extremamente salgado - com os 3500 dólares cobrados pela maçã é possível comprar sete Meta Quest 3 ou 3 Meta Quest Pro e um Quest 3 - a tendência é seu preço baratear consideravelmente conforme a Apple lança novos modelos, levando a empresa de Cupertino a ter uma fatia cada vez maior do mercado.
Torço para que a Meta - e outros como o Google/Samsung - possam criar um concorrente à altura do visionOS. Só assim conseguiremos, enfim, entrar de vez na era da Computação Espacial.
(*) UX Designer e especialista em tecnologias imersivas
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