Gonçalo Caseiro (*)

O Código dos Contratos Públicos (Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, agora em revisão), veio tornar obrigatório - e bem - o uso de mecanismos eletrónicos na contratação pública, tornando comum o uso de plataformas eletrónicas nas aquisições de bens e serviços na Administração Pública.

Essa legítima opção, que decorre da desmaterialização, desburocratização e transparência que se exige ao Estado, foi implementada através do recurso a plataformas de compras detidas por empresas privadas, credenciadas para exercerem essa atividade, escolhidas de forma concorrencial por cada organismo da Administração. Tal opção permitiu o acesso célere a estas tecnologias - em detrimento do tempo necessário ao desenho e implementação de uma plataforma do Estado - desmaterializou os procedimentos aquisitivos e potenciou um mercado que é hoje exportador de tecnologia e serviços.
 
Porém, o sucesso nas compras públicas não é, nem poderia ser, medido apenas pela taxa de utilização de procedimentos eletrónicos face ao tradicional papel, (algo pelo qual já fomos elogiados pela Comissão Europeia) nem - muito menos - pelo volume de negócios ou exportação destas empresas. O sucesso nas compras públicas tem de ser medido pelo aumento da concorrência em cada procedimento lançado pelo Estado, o que implica a destruição das barreiras com que potenciais interessados em contratar com a Administração Pública se deparam.

Com efeito, do ponto de vista das empresas fornecedoras, existe a obrigatoriedade de uso de uma determinada plataforma de compras - aquela que é escolhida pela entidade adjudicante para tramitar o procedimento em causa - forçando-se assim uma PME a utilizar não a melhor plataforma, a que lhe apresenta menor custo ou maior integração com os seus métodos de trabalho, mas unicamente a que tramita o concurso ao qual pretende concorrer e nenhuma outra. Ao impor a adoção de uma determinada plataforma de compras, cada organismo constrói, involuntariamente é certo, um pequeno monopólio. Lança um concurso público, mas apenas para as empresas que conseguirem, de facto, utilizar toda a tecnologia necessária para aceder à plataforma de compras em uso, entendam toda a burocracia eletrónica, procedam a um registo atempado nesse sistema ainda que para tal tenham custos acrescidos, adquiram selos temporais compatíveis, entre outros exemplos que poderiam ser dados e que desincentivam a participação. Assim, talvez devamos colocar a questão: será que o atual mercado das plataformas criou um novo (e relevante) obstáculo à concorrência?

Estas questões foram abordadas na Proposta de Lei n.º 320/XII/4.ª (GOV), que regula esta matéria, discutida no passado dia 15 de maio na Assembleia da República. A resposta constante da referida Proposta de Lei é inovadora: cria-se o princípio da livre escolha da plataforma de compras por parte do operador económico, através da comunicação e interoperabilidade entre plataformas. Assim terão vantagem competitiva no mercado as plataformas que apresentarem mais e melhores funcionalidades, melhor serviço de apoio aos clientes, alcançarem maior usabilidade, utilizarem normas abertas e compatíveis com os sistemas informáticos das empresas, entre outros.

Se aprovada a proposta, é seguro que não deixaremos de assistir a alterações neste mercado, quer porque a criação dos mecanismos que tornam esta escolha possível exigem investimentos por parte de todos os envolvidos (e, portanto, também das empresas deste sector), quer porque tem de ocorrer o próprio redesenho das fontes de receita do mercado, transferindo-as dos operadores económicos que pretendem concorrer para o acesso a contratos públicos para o próprio Estado (e estimam-se cerca de duas dezenas de milhões de euros). Por esta altura alguns afirmarão que tal representa um aumento de custos para a Administração Pública, outros dirão que os custos sempre lá estiveram - embora de forma menos transparente - porque os operadores económicos acabam sempre por refletir esses custos de contexto nos preços das suas propostas, alguns, mais informados, dirão que seria importante estudar o impacto desta nova regulação nas empresas fornecedoras de plataformas.

Creio que a questão fundamental, tendo como premissa que importa melhorar o funcionamento deste mercado, é que o Estado deve criar todas as condições possíveis para garantir que em cada aquisição tem à sua disposição a opção economicamente mais vantajosa. Para tal tem de destruir as barreiras de acesso aos contratos públicos (v.g. melhorar as plataformas, incentivar o uso de lotes, etc.), não porque isso penaliza as PME, mas porque, como resulta óbvio, menor concorrência prejudica sempre o próprio Estado.

Sendo certo que a legislação proposta não é perfeita (e alguns importantes pareceres, como o do Tribunal de Contas, disponível no site da Assembleia da República, demonstraram já diversos aspetos a melhorar), aspira a um modelo mais justo para todas as partes envolvidas, pelo que nos resta aspirar a que a bondade e o mérito deste novo paradigma não se perca numa operacionalização menos conseguida.

(*) Administrador da Imprensa Nacional Casa da Moeda