Por Isabel Sousa Pereira (*)

Todos reconhecemos que a Inteligência Artificial (IA) e Advanced Analytics podem ter um impacto substancial no aumento de receitas, na redução de custos e até na reformulação de modelos de negócios. No entanto, de acordo com um artigo recente da Harvard Business Review, cerca de 80% de todos os projetos de analytics e IA falham, ou seja, este número mostra que nem todos esses projetos são criados de forma igual.

Então, como podem os líderes empresariais identificar os melhores projetos e oportunidades para as suas organizações? Neste artigo, partilho uma framework com quatro etapas, alicerçada em décadas de experiência a apoiar organizações no desenho e implementação de projetos desta natureza, que deverá contribuir para superar as probabilidades de insucesso.

A minha experiência ao trabalhar com empresas de diversos setores revela um desafio comum: as organizações estão ansiosas para iniciar as suas jornadas de analytics e IA, mas muitas vezes demonstram incerteza - sobre por onde começar ou como abordar efetivamente essas iniciativas. Esta hesitação está frequentemente enraizada na falta de uma estratégia clara sobre como procurar as oportunidades mais relevantes.

Como resultado, muitas empresas ou adiam os seus esforços de adoção ou avançam sem um plano coerente, perdendo o potencial transformador e frequentemente envolvendo-se em projetos que acabam por falhar.

A framework que irá ser descrita de seguida deverá ajudar as organizações a endereçar estas incertezas iniciais para navegarem com confiança nas suas jornadas de advanced analytics e IA.

Passo 1: Alinhar com a visão estratégica e identificar "nuggets"

O passo inicial envolve a compreensão das prioridades estratégicas da organização e das principais métricas de negócio. É crucial promover discussões com os boards das organizações para esclarecer a agenda estratégica e os principais desafios de negócio. Além disso, analisar peças-chave como a demonstração de resultados (P&L) da organização pode revelar os indicadores onde o impacto mais significativo pode ser alcançado. Um exemplo recente com uma empresa de mobilidade permitiu identificar a conversão de clientes como uma prioridade máxima para os próximos anos. Ao integrar esta visão com dados de vendas B2C e taxas de conversão atuais, foi possível compreender desde logo as bolsas de valor desta oportunidade. Outro exemplo, desta vez numa empresa de telecomunicações, foi possível identificar vários "verticais" promissores para o projeto, cada um com métricas claras para otimizar vendas, custos ou despesas de capital, apenas ao analisarmos os números do P&L.

Passo 2: Identificação de oportunidades de analytics e IA utilizando uma abordagem "pull"

Após alinhar as prioridades estratégicas, o próximo passo é identificar áreas-chave do negócio para realizar entrevistas que permitam detalhar os principais desafios atuais. Estas entrevistas são essenciais para captar os processos principais, decisões e desafios endereçados pelas organizações. A compreensão abrangente do contexto empresarial torna possível a execução de  workshops de ideação de casos de uso de analytics e IA. Estes workshops são fundamentais e devem promover um ambiente inovador que incentive a ideação e colaboração entre várias equipas. O processo envolve a identificação de pain points enfrentados pelos vários membros das equipas presentes, seguida da criação de possíveis casos de estudo de analytics e IA para abordar esses desafios (reconhecendo-se que nem todos os desafios podem ser endereçados por soluções desta natureza). Posteriormente, deve-se identificar os indicadores-chave influenciados pelos casos de uso e estimar o impacto potencial, culminando na elaboração de um concept pitch. A lista de casos de uso identificados no workshop de ideação deve ser robustecida e comparada com tendências e melhores práticas do mercado, artigos científicos e revisão de literatura sobre o âmbito em causa.

Passo 3: Priorizar os casos de estudo identificados

Com uma lista de casos de uso em mãos, é essencial incluir uma descrição clara do âmbito do caso de uso e problemas que visa endereçar. Cada caso de uso deve ser avaliado com base no seu impacto esperado assim como na sua complexidade (se é uma solução descritiva, preditiva, prescritiva ou de automação) e na viabilidade de implementação, excluindo aqueles que possam não ser possíveis de implementar (por exemplo por falta de dados ou riscos de adoção). Retornando ao exemplo da empresa de telecomunicações europeia, aproximadamente 90 casos de uso foram identificados em toda a organização. Destes, cerca de 25 foram priorizados com base na análise de impacto esperado versus complexidade.

Passo 4: Caracterizar e quantificar os casos de uso de alta prioridade

Nesta fase, os casos de uso podem ser categorizados em clusters principais (por exemplo, alta, média e baixa prioridade). Para os casos de estudo de alta prioridade, é fundamental a elaboração de uma página detalhando os pain points endereçados, uma descrição do caso de uso, as etapas metodológicas, uma revisão da literatura com referências a artigos e outros recursos que demonstrem a sua relevância, os riscos existentes e as ações de mitigação propostas, além da quantificação do impacto potencial nas métricas-alvo. Na empresa de telecomunicações europeia, foi possível estimar que os 25 principais casos de uso se irão traduzir num impacto potencial de dezenas de milhões de euros.

Embarcar numa jornada de advanced analytics e IA pode ser assustador, mas com uma abordagem estruturada, as organizações podem desbloquear um valor substancial. Estes quatro passos constituem um guia claro para navegar pelas complexidades e maximizar os benefícios das iniciativas de analytics e IA.

(*) Senior Manager na LTPlabs