Se olharmos para o “bilhete de identidade” da Huawei é fácil de perceber que a empresa é ainda jovem. Foi criada em 1987 por Ren Zhengfei, com um financiamento de 3.500 dólares num modelo de startup que é por várias vezes referido (pela própria Huawei) como equivalente ao de outras tecnológicas norte-americanas que cresceram nos anos 80 e 90 do século passado.
Mas o salto foi exponencial e atualmente a Huawei é uma gigante que abrange as áreas de infraestrutura de telecomunicações, soluções empresariais e dispositivos móveis, com grande peso dos smartphones. Pelo meio passou por uma fase de transformação que evoluiu de forma cuidada, conquistando progressivamente a confiança do mercado e dos operadores de telecomunicações e criando as condições para uma posição invejável no mercado asiático e europeu, ultrapassando o “estigma” de ser uma marca chinesa, mas ainda não totalmente como se percebe pelos problemas que tem tido em entrar no mercado norte-americano.
Com presença em 170 países e regiões, mais de 180 mil empregados e um volume de faturação acima dos 70 mil milhões de dólares em 2017, a Huawei deixou de ser uma marca praticamente desconhecida para se tornar uma referência em muitos mercados, que sustentam a terceira posição de vendas de smartphones a nível global – que chegou a ser segunda durante um trimestre em 2017 em que conseguiu ultrapassar a Apple -, e infraestruturas instaladas nos 50 maiores operadores de telecomunicações em todo o mundo, e dezenas de outros de menor dimensão, incluindo nos três operadores portugueses.
Shao Yang, Chief Strategy Officer, não tem dúvidas de que o crescimento da Huawei foi também sustentado no investimento em I&D nos últimos 10 anos, que rondou os 45 mil milhões de dólares, mais de 10% das receitas anuais. Na empresa, mais de 79 mil dos funcionários estão ligados à investigação e desenvolvimento – cerca de 45% do número global de empregados - , e a empresa mantém 14 centros de I&D globalmente, a que se somam 36 centros de inovação com parceiros, entre os quais alguns na Europa com a Telefónica e Vodafone.
Os números foram partilhados durante uma visita à sede em Shenzen e ao centro de inovação em Pequim, numa viagem de um grupo de jornalistas europeus que também permitiu conhecer a visão de alguns dos executivos de topo da empresa. Na cidade que é considerada o Sillicon Valley da China, a Huawei tem um campus com mais de 2 mil metros quadrados e vários edifícios onde estão cerca de 60 mil colaboradores e onde se concentra grande parte da operação e algum desenvolvimento de equipamentos, assim como a área da formação com a "universidade Huawei". O campus até tem um hotel para os colaboradores deslocalizados e continua a crescer, estando a ser contruído um costumer research center. A produção já esteve localizada neste local mas entretanto foi transferida para outras regiões na China, e é também feita com parceiros.
Jim Xu, vice presidente da Huawei Consumer Business Group, explicou numa entrevista de grupo a cerca de 5 dezenas de jornalistas que ninguém acreditava que uma empresa podia fazer negócio mundialmente e ser líder. “Até agora não há outra marca chinesa que tenha conseguido tornar-se tão valiosa a nível global. Mas nós queremos ser uma empresa icónica global. Acreditamos que é possível”, justifica, acrescentado que quando olha para o sucesso do negócio na Europa, onde começou como OEM e depois pelo mercado de low end, chegando ao mercado premium, vê o valor e a quota de mercado a crescer. “Esta é uma aposta a longo prazo e não a curto prazo […] Como marca chinesa podemos trazer dispositivos eletrónicos e ser uma marca premium para o mundo”, justifica.
As sinergias entre o mercado B2B e B2C, mais especificamente entre o negócio com os operadores e os dispositivos móveis, são vistas como um pilar importante desta estratégia. “Na maioria dos países temos infraestruturas em pelo menos um operador. E a nossa experiência permite entendermos melhor as necessidades e o mercado”, explica, dando o exemplo da próxima geração de redes móveis 5G em que está a desenvolver o negócio com os operadores logo de base.
O futuro dos smartphones passa por um ecossistema mais inteligente
A Huawei só chegou ao mercado dos smartphones em 2011, mas acumulou experiência da área das telecomunicações e sinergias. Para além do trabalho que foi feito com os operadores nas áreas de infraestruturas de redes, há também um histórico no desenvolvimento de chipsets e componentes de base dos telefones, que culminou no lançamento em 2017 do Kirin 970, o primeiro CPU que integra capacidades de inteligência artificial e que integra o Mate 10 Pro.
Apresentado como “o smartphone inteligente”, o Mate 10 Pro é o primeiro com inteligência artificial , e tudo indica que o próximo telemóvel que a empresa vai anunciar ainda este mês, a 27 de março, aprofunda o potencial da tecnologia, mas a verdade é que a própria Huawei reconhece que ainda está num estádio inicial.
“A Inteligência Artificial vai ter um papel muito importante para os dispositivos pessoais. Poderá aumentar a eficiência no dia a dia, ajudar a gerir alarmes, fazer uma utilização mais eficiente da bateria, entre outras áreas”, explica Zhao Baofeng, VP de AI na área de Consumer engeneering department, que admite ao SAPO TEK não existirem ainda grandes desenvolvimentos nesta área, mas promete novidades com o novo smartphone da Huawei.
A lógica de desenvolvimento na Inteligência Artificial, abrindo espaço na plataforma à entrada de parceiros que complementem as competências principais da Huawei, é aplicada também na visão de futuro dos smartphones.
Shao Yang, Chief Strategy Officer da Huawei, explica uma visão na qual o smartphone é como uma extensão do utilizador, utilizando dados de contexto e localização para trazer mais valor.
Para o executivo, a Huawei tem duas frentes de guerra, uma centrada no desenvolvimento de um melhor produto, com melhor serviço, e outra no desenvolvimento de um ecossistema que permita relacionar o telefone com o carro, a casa e o escritório. “Queremos ser a janela do utilizador nas várias áreas", explicou.
A base da inovação e o investimento multiplicado
Os números de investimento da Huawei em I&D deixam bem claro a aposta da empresa nesta área. Quarenta e cinco por centro dos colaboradores estão envolvidos em funções de I&D e 10% da receita anual é aplicada nesta área. E o resultado mede-se também no número de patentes registadas, com mais de 12 mil patentes pedidas e uma média de 3,5 apresentadas todos os dias. Na Europa a Huawei também liderou em 2017 o número de pedidos de patentes.
Entre os 14 centros espalhados pelo mundo, os laboratórios localizados a noroeste de Pequim concentram uma parte significativa dos testes de smartphones, com as áreas da automação, resistência e fiabilidade, antenas e comunicações, e o laboratório de áudio. Os jornalistas puderam ver algumas das máquinas que põem à prova os telefones da Huawei, validando a resistência ao pó e aos salpicos, o número de vezes que os botões podem ser clicados e a durabilidade em quedas, mas sem poder fotografar ou filmar dentro dos laboratórios.
Nos laboratórios são feitos mais de 250 diagnósticos diferentes e todos os anos são realizados aqui mais de 300 milhões de user cases, com diferentes experiências, em ambiente controlado e no terreno, recorrendo muitas vezes a robots, como o teste de resistência da resistência da ligação dos headphones onde uma máquina testa repetidamente o encaixe, colocando a ficha mais de 5 mil vezes para garantir que dura pelo menos um ano.
Num futuro próximo o smartphone vai ter evolução no design e no formato, com a possibilidade de integrar leitor de proteção digital sob o ecrã, conduzir som através dos ossos e utilizar novos materiais que atualmente não são ainda aplicáveis à produção em massa, e que podem abrir espaço aos ecrãs flexíveis. Mas este é um futuro ainda não tão próximo, e Shao Yang revela que a empresa está a trabalhar em vários cenários, em ecrãs totais, mais finos, e que todos estes são ainda secretos, mas admite que ainda não será em 2019 que a Huawei terá smartphones flexíveis.
Na visão da Huawei o smartphone é a peça essencial de um ecossistema que integra a casa, o carro e o escritório e com soluções que são desenvolvidas com vários parceiros, nomeadamente na área do hardware e das home appliances.
“Os telefones atualmente são usados durante cerca de 2 anos e estamos a investir para trazer mais valias aos consumidores, e conseguir uma inovação com valor”, adianta Walter Ji, director do negócio de consumo na Europa, onde a Huawei já conseguiu ser número um ou número dois em alguns mercados, nomeadamente em Espanha e Itália. Em Portugal a empresa cresceu 47% em 2017 no segmento mobile e as ambições para 2018 e 2019 são de chegar ao topo da lista dos fabricantes que vendem mais equipamentos.
A primeira posição a nível mundial é também a ambição da marca. A meta definida por Shao Yang é de atingir os 100 mil milhões de dólares de receitas em 2022 e 10 mil milhões de lucro. E quando tenciona a empresa chegar ao primeiro lugar, ultrapassando a Apple e a Samsung que ainda estão à frente? Não há uma data definida, mas a confiança de que será possível é grande.
Nota da Redação: O SAPO TEK viajou à sede da Huawei e aos Centros de I&D a convite da empresa.
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