“A tutelar da pasta da ciência refuta a mensagem transmitida pelos órgãos de comunicação social de que é intenção do Governo acabar com as parcerias que se integram na iniciativa goPortugal – Global Science and Techonology Partnerships Portugal”, diz um comunicado emitido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior no domingo à noite.
“Em vez disso, e porque o contrato vigente terminará a 31 de dezembro, prevendo uma renovação automática até 2030, a tutela, através da FCT, iniciou um processo de renegociação para um novo contrato”, acrescenta a mesma nota, que não dá detalhes sobre os termos da renovação. Refere-se apenas que o “documento transmite propostas preliminares que carecem de maior exploração e pormenorização, na esperança de que contribuam para reforçar as sinergias e consolidar a cooperação histórica”.
Ao que o SAPOTeK apurou, a carta enviada pelo MCTES, através da FCT, dá por terminado o atual contrato no final de 2023 e alinha os termos nos quais poderá ser negociada uma continuidade. Fá-lo num momento em que o MCTES, que tutela a Fundação para a Ciência e Tecnologia, tem pouca margem para refletir decisões estratégicas nessas negociações, tendo em conta que o Governo está prestes a entrar em gestão e há novas eleições legislativas no horizonte.
Os gestores dos programas aguardavam há meses uma definição das intenções do Governo sobre a continuidade das parcerias, que têm uma agenda de iniciativas alinhada até 2030, mas tinham prevista uma reavaliação a meio, em 2023, entendida por boa parte dos interlocutores, mais como um momento para fazer possíveis ajustes que para reequacionar a continuidade dos acordos.
Os atuais acordos foram assinados em 2018, renovando parcerias que nasceram em 2006 e 2007, com a Universidade de Carnegie Mellon, Universidade do Texas em Austin e MIT. Nessa altura, as áreas de atuação mudaram pouco, mas o foco dos projetos e das iniciativas alterou-se significativamente. Terá sido uma forma de se adaptarem aos instrumentos de financiamento disponíveis, mas também às necessidades da altura, que passaram a ser diferentes daquelas que identificou Mariano Gago em 2006, quando negociou os acordos.
Isso mesmo sublinharam os responsáveis dos três programas recentemente ao SAPO TeK, em entrevistas para o especial que publicámos sobre o tema, onde também demos destaque a uma das grandes novidades desta terceira fase das parcerias: os projetos de I&D em larga escala, liderados por empresas. Pode conhecer alguns neste e neste artigo.
Nestes artigos recuperámos também os argumentos do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e do Conselho de Laboratórios Associados que, em pareceres entregues em junho à Fundação para a Ciência e Tecnologia, pediram o fim das parcerias na sua forma atual, apontando sobretudo para os custos associados.
Os pareceres foram pedidos pela FCT aos parceiros ainda no final de 2022. Chegaram na primeira metade do ano, mas a expectativa sobre uma decisão acabou por manter-se até à passada semana, quando o MCTES a comunicou por carta aos parceiros, a um mês do fim do ano.
O Expresso avançou com esta notícia em primeira-mão e levantou-se um coro de críticas, antes mesmo do ministério de Elvira Fortunato se pronunciar, sobre a comunicação aos parceiros. Essa reação acabou por chegar no domingo à noite, num comunicado, mas antes disso a ministra disse à TSF que não faz sentido manter parcerias com mais de 17 anos, pelo menos "exatamente nos mesmos termos, porque a ciência evoluiu".
Uma das primeiras reações do fim-de-semana ao suposto fim das parcerias foi de Nuno Sebastião, fundador e CEO do unicórnio português Feedzai. Numa publicação no Linkedin, o empreendedor sublinhou que “a Feedzai existe porque em 2013 emigrei para os Estados Unido, inicialmente para Austin, onde estive nas instalações da incubadora da The University of Texas at Austin”.
Na mesma publicação, Nuno Sebastião considerava que “só mesmo uma falta de conhecimento e miopia é que pode ter uma interpretação diferente e que justifique o cancelamento (a um mês de serem renovadas) destas parcerias”.
“Agora digam-me o número de patentes ou uma que seja a empresa de sucesso criada por esses laboratórios e laboratoriozinhos que existem por essas universidades portuguesas. A resposta é simples. Não existem porque não criam valor nenhum para além de alimentar empregos e serem usados nas disputas de poder dentro das universidades“, acrescentava.
Pedro Siza Vieira, ex-ministro da economia do anterior governo do PS, manifestou-se na mesma linha, considerando que esta é “a mais triste herança de uma ministra que nunca o chegou a ser, num governo que não merecia chegar ao fim de vida contrariando tudo o que defendeu nos últimos anos”.
Também Pedro Siza Vieira defende que o argumento dos custos fazem pouco sentido para justificar o fim dos acordos.
“Não consigo conformar-me com esta decisão. Este programa expôs cientistas portugueses às melhores práticas mundiais; criou dinâmicas de aplicação de conhecimento a produtos orientados para o mercado; e educou gerações de cientistas e engenheiros na noção de empreendedorismo ligado à ciência”.
Na mesma publicação, considerou que “o argumento de que havendo pouco dinheiro para a ciência não faz sentido financiar universidades americanas [...] é paroquial e mesquinho e próprio de quem não percebe que a transformação da economia portuguesa vem da valorização pelas empresas do investimento na educação e da ciência”.
Carlos Oliveira, que era secretário de Estado à data da última renovação das parcerias, por seu lado, defendeu que esta “é uma escolha que reflete uma visão limitada sobre o que Portugal pode e deve ser no cenário internacional. Neste momento crítico, apelo à Ministra Elvira Fortunato para reconsiderar esta decisão, se não o fizer, estou certo de que daqui a 5 ou 6 meses o novo Governo o fará”, referiu num artigo de opinião publicado no ECO.
Também o PSD se manifestou sobre o assunto. “Reagimos de forma veemente a esta notícia inopinada que nos surge do Governo do fim das parcerias que desde há muitos anos temos com universidades de referência norte-americanas e consideramos que é uma decisão grave, é uma decisão que não está fundamentada”, disse Pedro Duarte, coordenador do Conselho Estratégico Nacional do PSD, à Lusa.
Igualmente durante o fim-de-semana, o Eco escreveu que a decisão do alegado cancelamento das parcerias ia contra um parecer encomendado pelo Conselho Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovação (CNTI) a um grupo de personalidades independentes: Guy Villax, João Barros, Isabel Sousa Pinto, Maria Manuel Mota, Teresa Pinto Correia e Isabel Furtado.
Referia-se que o MCTES escondeu este parecer durante meses, onde se concluía que “com base nos elementos fornecidos pela FCT e nos testemunhos adicionais que recolhemos, estamos convictos que o impacto destas parcerias foi altamente expressivo e multifacetado”. No comunicado agora divulgado, o MCTES garante que não foi assim e diz que a ministra “repudia e desmente inequivocamente” as acusações de ter escondido o parecer.
No comunicado não há referências a próximos passos. Se os acordos são extintos no final do ano e não há novo Governo até meados do próximo ano, o que acontece até lá? Nas declarações que fez este domingo à TSF, Elvira Fortunato sublinhou que a decisão sobre a continuidade das parcerias será do novo Governo. Falta saber se será dado mais algum passo até lá, para impedir o vazio que ficará depois de 31 de dezembro. A questão já foi colocada pelo SAPO TeK ao MCTES.
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