Recorrendo ao telescópio espacial James Webb, uma colaboração internacional, em que está incluído Nuno Peixinho, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, observou duas regiões populadas por objetos gelados: na cintura de Kuiper os denominados objetos transneptunianos (TNOs2) e, entre as órbitas de Júpiter e Neptuno, os Centauros.
As equipas tentaram identificar a química, dinâmica e lugares de nascimento de alguns desses corpos, bem como a transformações que sofrem ao se aproximarem do Sol, dados vitais para melhorar os modelos de formação do nosso Sistema Solar e de outros sistemas planetários. A informação é igualmente relevante para a compreensão da origem da água e da vida na Terra e, possivelmente, noutros locais do Sistema Solar ou fora dele.
A importância desta descoberta reside no facto de os investigadores poderem agora afirmar que o fator mais determinante na composição atual da superfície destes corpos é o material disponível no disco pré-solar na altura da formação dos planetesimais, objetos sólidos com um diâmetro superior a um quilómetro.
Assim, o estado atual destes objetos transneptunianos está intimamente ligado ao inventário de gelos no nascimento do Sistema Solar, como se fosse uma fotografia congelada desse tempo, refere a líder da equipa, Noemi Pinilla-Alonso.
Os astrónomos conseguiram identificar várias moléculas que compõem estes fósseis gelados, recorrendo a observações com o James Webb na banda do infravermelho, radiação que não consegue atravessar a atmosfera terrestre.
O principal objetivo do projeto era avaliar a proporção relativa de gelo de água, compostos orgânicos complexos, silicatos e gelos muito voláteis (isto é, facilmente evaporáveis) numa grande amostra de TNO.
Veja imagens relacionadas com estes estudos e com outras descobertas ajudadas pelo James Webb
A informação é vital para melhorar os modelos de formação do nosso Sistema Solar e de outros sistemas planetários, sendo igualmente relevante para a nossa compreensão da origem da água e da vida na Terra e, possivelmente, noutros locais do Sistema Solar ou fora dele.
É particularmente importante para estes modelos identificar as linhas de gelo destes gases. Por exemplo, no espaço, a água congela mais perto do Sol do que o dióxido de carbono ou o metanol, que por precisarem de temperaturas ainda mais baixas para congelarem, congelam mais longe da nossa estrela.
Devido à migração dos planetas gigantes, que se moveram bastante ao longo da história do Sistema Solar, todos os pequenos corpos ricos em gelos que estes apanharam pelo caminho acabaram por se dispersar e misturar. Ainda nos dias de hoje, as órbitas de muitos TNO acabam por ser influenciadas pelo planeta Neptuno, cuja gravidade pode catapultá-los para o interior do Sistema Solar. Os TNO que passaram a ter órbitas entre Júpiter e Neptuno designam-se por Centauros.
Neste estudo foram igualmente observados os chamados Centauros, que estão temporariamente entre Júpiter e Neptuno. Devido à influência de Júpiter, a maioria destes Centauros acabam por ser empurrados para órbitas ainda mais próximas do Sol, transformando-se em cometas. Mas enquanto não se aproximam do Sol, “conseguimos identificar que estes possuem menos gelos do que quando estavam na Cintura de Kuiper, o que indica que muitos destes gelos se perdem lentamente, antes destes objetos se tornarem cometas ativos”, apontou Nuno Peixinho.
Nesta investigação a equipa detetou a presença de vários gelos, como água (H2O), dióxido de carbono (CO2), monóxido de carbono (CO), metanol (CH3OH) e outras moléculas ricas em carbono, oxigénio e nitrogénio (azoto), mas em proporções diferentes, levando-os à conclusão de que existem três grupos de TNO com composições químicas distintas: os “tigela” (bowl), os “cova-dupla” (double-dip) e os “penhasco” (cliff). Os nomes foram atribuídos em função do aspeto que o seu espetro tem numa certa região do infravermelho.
Os resultados deste estudo sugerem que os TNO de tipo “tijela”, muito ricos em gelo de água, ter-se-iam formado mais perto do Sol do que os de tipo “cova-dupla”, muito mais ricos em dióxido de carbono e até com algum monóxido de carbono, com os de tipo “penhasco”, com pouco gelo de água, mas bastante gelo de metanol, a formar-se ainda mais longe.
“Demonstrámos que se pode estudar, quase em tempo real, a complexa transformação da composição química das superfícies destes objetos, ao longo do seu percurso entre a Cintura de Kuiper e o Sistema Solar interior”, afirmou Nuno Peixinho.
Nuno Peixinho participou na análise, discussão e interpretação dos dados observacionais de espetroscopia de TNOs e Centauros obtidos com o JWST, com particular ênfase na análise estatística, na comparação entre os novos dados de espetroscopia e os resultados já obtidos com fotometria.
“Ainda temos muito mais coisas para analisar e já submetemos mais propostas de observação ao James Webb para conseguirmos mais dados e, esperemos, novas descobertas. Estes resultados ajudarão também na questão do papel que tiveram no surgimento de vida na Terra os muitos cometas que nela caíram no passado, trabalho ao qual se dedicam muitos astrobiólogos e ainda sem resposta”, conclui o investigador do IA.
Os estudos foram publicados hoje na conceituada revista Nature Astronomy.
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