No passado mês de abril o mundo parou para ver a primeira imagem “real” de um buraco negro supermassivo, ou mais propriamente da sua sombra. Era a revelação de uma investigação que ficou anos no “segredo dos deuses”, ou na verdade no segredo de uns quantos mortais que nela trabalharam. Entre as mais de duas centenas de cientistas envolvidos no projeto Event Horizon Telescope (EHT) esteve Hugo Messias.
O astrofísico português de 35 anos foi para o Chile, em setembro de 2016, para entrar num programa de doutoramento num dos maiores e mais importantes observatórios astronómicos do mundo, o ALMA - Atacama Large Millimeter Array. Quando chegou deram-lhe a escolher entre vários projetos em curso no observatório e Hugo Messias escolheu o EHT, do qual “até já tinha ouvido falar”.
Depois de um curto período de aprendizagem, em janeiro de 2017 começaram as primeiras observações e em abril seguinte já decorriam as observações oficiais centradas no buraco negro supermassivo da galáxia M87, na direção da constelação Virgo, com uma massa que terá mais de 6 mil milhões de vezes a do Sol e localizado a 55 milhões de anos-luz da Terra. Os primeiros resultados só seriam divulgados dois anos depois…
Hugo Messias explicou em entrevista ao SAPO TEK, depois de ter participado na iniciativa Encontro com o Cientista, organizada pela Escola Ciência Viva todas as semanas, que a missão da sua equipa era “pegar” no ALMA fazê-lo funcionar com uma só antena.
Pode-se dizer, de uma forma simples, que aquilo que as 66 antenas de alta precisão do ALMA fazem é "ouvir" sinais. "Os nossos olhos e os telescópios a que estamos habituados recebem luz e registam a quantidade ‘corpuscular’ da luz, o ALMA regista as suas propriedades ondulatórias". A comparação com som é mais fácil de entender para os mais novos, referiu o investigador português, que tinha usado a analogia para explicar o modo de funcionamento do observatório astronómico na sessão com as turmas do 4º ano da Escola Ciência Vida.
Relativamente ao projeto EHT, a equipa tinha de "garantir que o sistema funcionava, preparar as observações e executá-las”. Posteriormente também foi necessário fazer a calibração dos dados e verificar se tinham a qualidade suficiente para depois serem enviados para Bona e Boston, para serem correlacionados com os dados registados nas restantes estacões de observação envolvidas no EHT.
Depois de todos os sinais reunidos, um modelo matemático transformou as “ondulações” emitidas pela matéria consumida pelo buraco negro na fotografia revelada no dia 10 de abril de 2019.
“Estava sentado na cadeira, vi a imagem, encostei-me para trás e disse ‘uau, conseguimos!’”
Algum tempo antes, Hugo Messias teve acesso ao draft do artigo científico que tinha sido convidado a integrar. Num primeiro momento foi a parte do “miúdo entusiasmado” com o resultado. “Claro que fui logo procurar onde estava a imagem”. O olhar encantado de criança acabou por dar lugar à curiosidade de cientista. “Aquilo era tão parecido com as simulações que se faziam que voltei a encostar-me na cadeira e às tantas comecei a parte dos porquês e a ler o resto do artigo”.
Regresso marcado para voltar a “ouvir” buracos negros, sem descartar a ida ao Espaço
Hugo Messias terminou oficialmente o programa de doutoramento no ALMA em agosto último, embora depois disso tenha estado novamente no Chile para tratar observações posteriores às de 2017, sobre o buraco negro da M87, que darão origem a novas imagens - que podem ser do mesmo anel de luz supermassivo ou não...
É que o EHT também olha para outro buraco negro, o Sagitário A*, localizado no centro da Via Láctea. Embora bem mais perto do que o “monstro” da M87 - já que está a “apenas” 26.000 anos-luz de distância da Terra, no lugar dos 55 milhões -, Sagitário A* é mais pequeno e também mais rápido, o que dificulta a sua observação.
Entretanto, o astrofísico português vai regressar ao ALMA em janeiro de 2020 para continuar a participar nos projetos do EHT, embora por cá tivesse assinado contrato por dois anos com o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Hugo Messias considera que em Portugal há cientistas com muita qualidade e há trabalho, mas há muito poucas garantias para oferecer. “Eu agora tinha contrato por dois anos e depois disso o que ia acontecer?”.
"A ciência que se faz em Portugal é muito boa, mas o investimento que se faz nela é muito pobre"
A ida para o ALMA “oferece estabilidade”, partilhou, mas também é uma excelente oportunidade profissional. “O ALMA é o maior observatório do mundo e a minha ambição neste momento é contribuir ao máximo para que o megaprojeto EHT tenha o maior sucesso possível”. Enquanto estiver no Chile, Hugo Messias também vai continuar a trabalhar na sua própria ciência. “Trabalho com outras coisas diferentes, por exemplo, como é que uma galáxia cresce tanto, em tão pouco tempo”.
Embora observe o Espaço a partir da Terra, não põe de todo de lado uma viagem de foguetão até ao seu “objeto de estudo”. “Eu gostava muito, mas ainda está para ver…”, confessou ao SAPO TEK. Sobre as últimas apostas da exploração espacial, e nomeadamente sobre a colonização de outros mundos, o astrofísico português mostra algumas dúvidas.
“Sim, acho que se deve apostar na exploração espacial, mas há que manter sempre os ‘pés assentes na Terra’”. Às vezes quase que parece que estamos a desistir da Terra e a Terra ainda tem muito para oferecer. Se a tratarmos bem, continuamos bem cá”.
Buracos negros sim, minhoca ou brancos já é outra conversa. Deus também
Com a observação do buraco negro da galáxia M87 ficou provada a Teoria da Relatividade Geral de Einstein - embora não com precisão, segundo uma equipa de investigadores da Universidade de Aveiro e do Instituto Superior Técnico -, mas a existência dos chamados buracos minhoca ou buracos brancos já será mais difícil de comprovar.
Hugo Messias mostra-se “um bocado mais cético” quanto ao tema. “Não sendo uma pessoa que trabalha nessa área, a minha opinião não é ‘fundamentada’”, avisa. “Mas o que acho é que muitas vezes ficamos impressionados pela variedade da natureza, com coisas da natureza que nos deixam admirados e depois temos uma imaginação muito muito fértil... E é verdade que eu posso explicar a minha imaginação com a matemática, posso explicar os conceitos de buraco minhoca e buraco branco... matematicamente é algo que existe, mas será que a natureza seguiu esse caminho?”.
“Acho que tudo se pode explicar com a Física, mas ainda não fomos capazes de desenvolver suficientemente o nosso conhecimento para chegarmos ‘lá’”
O ceticismo continua sobre outras existências. A de Deus, por exemplo. “Mundos paralelos não acredito que existam, mas como disse é uma opinião não fundamentada. De resto sou ateu, porque todas razões que as pessoas usaram para criar uma entidade divina foram sempre por falta de conhecimento, antes da ciência explicar as coisas”. O astrofísico português considera que se quiséssemos apontar uma entidade divina, “essa entidade divina seria a Natureza”.
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