A avalanche de informação, reuniões e emails está a afetar a produtividade dos profissionais, que se sentem inundados, com efeitos negativos na saúde mental, na produtividade e na criatividade. Depois do medo de perder informação (FOMO para a sigla Fear of Missing Out) e da paranoia da produtividade, começam a surgir correntes contrárias ao domínio do tempo pelo trabalho, como a alegria de perder informação (JOMO – Joy of Missing out), ou o quiet quitting, optando por não gastar muita energia no emprego e guardá-la para outras áreas da vida.
O Work Trend Index da Microsoft mostra que 1 em cada quatro profissionais passa 8,8 horas por semana a enviar emails e mais de 7,5 horas em reuniões. A dificuldade de acompanhar tudo o que é importante, e conseguir consumir e compreender informação foi classificado como Dívida Digital, com 64% dos inquiridos no estudo a revelarem ter dificuldades em ter tempo e energia para desempenhar o seu trabalho. E não se trata apenas de cumprir as tarefas, mas também de ter pensamento estratégico e ideias inovadoras.
Alexia Cambon, diretora sénior de pesquisa na Microsoft, que integrou a equipa do Work Trend Index, admite que este é um problema sério. “Temos demasiadas coisas para fazer e não temos tempo suficiente, o que nos força a trabalhar mais horas e aumenta o sentimento de burnout” explica em entrevista ao SAPO TEK. A Inteligência Artificial generativa, com as novas ferramentas como o Microsoft 365 Copilot e o Microsoft Viva, são apontados como uma solução para um problema que se tem vindo a acumular e que piorou com a pandemia de COVID-19.
“Do meu ponto de vista pessoal, a Inteligência Artificial chegou num momento crítico, em que se não criássemos esta nova forma de tecnologia não íamos conseguir acompanhar o ritmo de trabalho”, sublinha Alexia Cambon em entrevista ao SAPO TEK.
O objetivo da tecnologia tem sido sempre de tornar o trabalho mais fácil e conveniente, mas nem sempre percebemos os efeitos secundários que acarreta. “A nossa ambição nas últimas décadas foi sempre tornar mais fácil comunicar, por isso inventámos os emails para não termos de esperar uma semana para receber uma centena de 'memos' de volta. Mas agora como é tão fácil, e não há custo, recebemos muita informação, acessível a todo o momento
Isso foi o que referimos como divida digital, a sensação de que recebemos mais informação do que podemos processar”, refere a investigadora, lembrando que isso cria a “divida digital”.
Durante a entrevista, Alexia Cambon fez muitas vezes paralelo com o que aprendemos com a pandemia e a prova de que o trabalho híbrido é possível, e pode trazer mais produtividade e felicidade aos colaboradores. “A pandemia acabou com centenas de anos de hábitos de que todos iam ao escritório das 9 às 5, num edifício específico. Agora temos de nos perguntar de forma recorrente se devemos ir ao escritório ou não, e se devemos levar a equipa, ou qual a melhor forma de usar o tempo no escritório”.
A investigadora usa o seu exemplo pessoal com a Inteligência Artificial que já está a reduzir o seu trabalho, e o tempo de reuniões, com a vantagem de ter um resumo do mais importante e dos tópicos a reter. “Já ganhei mais de metade do tempo de volta e consigo fazer melhor equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. O que temos de nos perguntar é como vamos usar esse tempo, porque se for para aplicar noutro tipo de trabalho não vai funcionar”.
Mesmo assim admite que vai ser necessário desenvolver novas competências e trabalhar para identificar quais as que é preciso preservar. “É necessário promover o julgamento analítico”, com a análise das situações e a decisão da melhor estratégia a adotar, um papel que cabe aos líderes mas também a cada colaborador nas suas próprias tarefas.
A IA vai roubar o meu emprego?
A questão tem preocupado muitas pessoas, em várias profissões, e os números partilhados por vários estudos não ajudam, apontado para milhares de postos de trabalho perdidos com a maior automatização. No estudo da Microsoft, 49% das pessoas revelaram estar preocupadas, mas 70% garantiram que delegariam o máximo de trabalho possível a ferramentas de IA para diminuir a carga de trabalho.
Para Alexia Cambon, os media estão a fazer reportagens com base no medo e não no optimismo, e ele existe. “Quando a calculadora foi inventada não pensámos que era o fim dos matemáticos, mas a calculadora permitiu avançar em novos domínios”, recorda.
“Vai haver sempre medo da inovação, acontece em todas as evoluções da tecnologia. Há tarefas que são automatizadas mas há outras tarefas e competências que são criadas. Historicamente não vemos uma evolução tecnológica onde mais empregos foram destruídos do que criados, e acho que este momento no tempo não é diferente”, defende Alexia Cambon.
A grande diferença é que agora, em vez de trabalho manual, o que é automatizado é o trabalho cerebral, mas a investigadora acredita que isso nos pode também impulsionar pra novos níveis de qualidade. “Se pensarmos que pode ser eliminado o bloqueio perante uma página em branco, que é um desafio para muitas pessoas criativas, vemos que podem ser criadas novas ideias e chegar a novos pontos de excelência”.
Quando questionados sobre cenários de utilização da Inteligência Artificial no seu trabalho, 3 em cada 4 pessoas afirmaram que se sentiriam confortáveis em usar a IA para tarefas administrativas e trabalho analítico, mas também criativo. Encontrar informação e respostas a questões de que necessitam, resumir reuniões e pontos de ação e planear o dia são tarefas que reúnem ainda mais apoio.
Novas competências para a IA mas preservando capacidades “antigas”
Alexia Cambon admite que vai ser necessário treinar as pessoas em competências específicas para a Inteligência Artificial, e a capacidade de usar as ferramentas, fazendo as perguntas certas para obter os melhores resultados, e trabalhando de forma iterativa com a IA, vão ser fundamentais. Os modelos de linguagem natural vão ser essenciais no trabalho, como usar o PC ou a Internet. “As suas próprias palavras, na sua língua, são a melhor ferramenta para interagir. Todos os funcionários vão ter de se tornar muito bons a colocar questões à IA (prompting) e confiar no Copilot para encontrar as respostas”.
Questionada quando à possibilidade destas ferramentas limitarem a interação e colaboração nas equipas, a participação e a troca de ideias, a investigadora diz que há ainda questões difíceis de responder nesta fase. “A Inteligência Artificial está a levantar questões que vão ao coração do que é o trabalho e porque trabalhamos”, defende, lembrando que em muitos casos há reuniões que podiam ser emails, porque se as pessoas estão só para receber informação isso deveria ser remetido para a comunicação assíncrona, como o email, deixando para as reuniões momentos de colaboração ativa, ideação.
A investigadora admite que não tem resposta sobre afinal o que deve ser o trabalho e porque o fazemos, mas sublinha que vemos uma tendência em que os empregados querem mais propósito e realização no seu trabalho e que as empresas têm de pensar nisso quando consideram a performance.
“A nova equação de desempenho não passa só pela produtividade, por fazer os trabalhadores tão produtivos quanto possível, mas pelo envolvimento, e fazê-los estar tão motivados quanto possível. É garantir que gostam do seu trabalho porque quando gostam são mais produtivos e quando são mais produtivos gostam mais do trabalho”.
Para Alexia Cambon os líderes começam a perceber que precisam de investir em motivação e envolvimento tanto quanto em produtividade se querem atingir esses níveis de desempenho e já há números que mostram que as empresas que prioritizam esse investimento conseguem melhores resultados e que investir no bem estar e felicidade dos funcionários tem impacto no negócio.
Quanto às competências, a investigadora diz que a grande questão não é apenas sobre as novas competências de que precisamos mas também as capacidades que queremos que não expirem. “Parte disso é entender o que precisamos de preservar à medida que a IA está a formatar o nosso trabalho”. Para Alexia Cambon é uma lógica semelhante à que aconteceu com o trabalho híbrido: o escritório já não é necessário, podemos fazer a maior parte do trabalho à distância, mas há momento que estamos a proteger porque percebemos que é importante preservar os momentos de colaboração e partilha.
“Ainda é cedo para percebermos [o que devemos preservar] mas é algo para o qual devemos olhar cuidadosamente, e avaliar os efeitos em cascata com a inteligência Artificial dos quais devemos proteger os nossos empregados, olhando para a experiência anterior, com o que aconteceu com o email, por exemplo”.
Alexia Cambon avisa que não haverá resposta enquanto não passar algum tempo, mas que os líderes têm de estar preparados para ver os empregados a deixar de comparecer nas reuniões, e têm de pensar no que isso significa e nos seus impactos.
Apesar de tudo a visão para o futuro é positiva. “A minha expectativa é que a Inteligência Artificial vai ajudar a reduzir a dívida digital e este peso da informação, e não piorar a situação. Vai ser mais fácil criar informação mas também consumir informação, e essa é a diferença”, explica, adiantando que não queremos que as ferramentas de IA sirvam apenas para criar textos, documentos ou emails, mas também para ajudar a consumir e compreender a informação por parte dos trabalhadores, com sumários de documentos e reuniões, e tópicos de ações a desenvolver. Mas ainda vais demorar algum tempo até percebermos o resultado da utilização das novas ferramentas.
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