Carissa Véliz, filósofa e professora na Universidade de Oxford, é uma das oradoras do TEDxPorto 2025, que decorre no Porto em 29 de março sob o mote "A Grande Questão", onde vai abordar o papel da privacidade e da ética na era digital assim como o fenómeno de existirem poucas mulheres na tecnologia.

Questionada sobre o frenesim dos Estados Unidos e da China relativamente ao desenvolvimento dos modelos de inteligência artificial, a autora do livro Privacy is Power [Privacidade é Poder] considera que "a geopolítica da IA está a ficar cada vez mais interessante, mas também tensa".

"Acho que temos que ter muito cuidado ao enquadrá-la como uma corrida, porque uma corrida pressupõe que estamos a jogar o mesmo e que o objetivo é o mesmo", afirma Carissa Véliz.

Mas "uma democracia liberal não deveria ter o mesmo objetivo que um país autoritário e a maneira como estamos a construir tecnologia agora é muito autoritária", enfatiza a académica, que integra o grupo de líderes especialistas Women4Ethical AI da Unesco.

Perante isto, "se ganhássemos essa chamada corrida, estaríamos a vencer uma corrida em direção ao autoritarismo".

Esta situação "dever-nos-ia preocupar muito mais do que perder a corrida", adverte, defendendo que é preciso mudar a estrutura e dizer que o jogo que se deveria estar a jogar "é sobre construir uma tecnologia melhor que possa dar suporte às democracias, que não é propícia a tendências autoritárias".

Carissa Véliz salienta que a democracia, "de acordo com a Economist Intelligence Unit, está no seu pior momento desde que começaram a monitorá-la em 2006".

Pelo que "não é coincidência que as democracias estejam a enfrentar o seu momento mais difícil ao mesmo tempo em que a tecnologia digital está em ascensão", enfatiza.

Mulheres não são tão boas na tecnologia? É "totalmente falso"

Quanto ao facto de existirem poucas mulheres na área da tecnologia, a professora do Instituto para a Ética em IA na Universidade de Oxford classifica de "muito interessante".

Até porque "costumava ser o caso quando começámos a construir computadores, que na verdade a palavra computador se referia a uma pessoa que costumava computar, e costumavam ser mulheres", aponta.

Aliás, "quando se vê os anúncios destes empregos [na altura], eles tentam convencer as mulheres a trabalhar".

Mais tarde, "surgiu o mito de que as mulheres não gostam ou não são assim tão boas, mas claro, isso é totalmente falso", prossegue, dando o exemplo do fenómeno social de que "quando um emprego é mal remunerado e não muito bem visto na sociedade tende a ser ocupado por mulheres".

Mas, "no momento em que um trabalho se torna prestigiado e bem remunerado, passa a ser dominado por homens".

A resposta "de por que razão há mais homens na área da tecnologia é a mesma resposta de por que razão há mais homens em empregos com salários mais elevados, por que é que há mais homens na política e no poder, em geral".

A académica cita um artigo há alguns anos no The Guardian em que se avançava a hipótese de que isto pode acontecer porque as mulheres compreendem melhor o poder já que tendem a sofrer mais impacto disso do que os homens.

Curiosamente, quando se trata de ética da IA, "os investigadores mais importantes são as mulheres", sublinha Carissa Véliz, citando nomes como Shannon Vallor, de Edimburgo, Margaret Mitchell, Timnit Gebru, Kate Crawford ou Abeba Birhane.

"Estas são algumas das melhores investigadoras de ética em IA e são mulheres. Ora, a questão mais deprimente e preocupante é porque é que os homens são mais ouvidos", questiona.

De repente "surge um homem que tem interesses financeiros, que é do mundo tecnológico e diz algo sobre ética que é muito menos preciso, muito menos investigado e que está contaminado por conflitos de interesses e todos os governos o querem ouvir", critica.