Para muitos, Dreams é um jogo, ou melhor, uma coletânea de mini-jogos e experiências multimédia interativas disponíveis num HUB que funciona como uma rede social. Para outros, é uma oportunidade de concretizar, literalmente os seus sonhos, criar essas mesmas experiências e disponibilizá-las diretamente ao escrutínio da comunidade.
O estúdio britânico Media Molecule tem a lição bem estudada desde que lançou o seu primeiro grande jogo LittleBigPlanet, um título “fofinho” de plataformas, protagonizado por bonecos feitos de sacos de sarapilheira, mas que por trás escondia um poderoso editor de níveis. Este era tão complexo na oferta de ferramentas, mas tão simples de utilizar, que quando o estúdio deu conta, os utilizadores estavam a criar experiências inéditas em diferentes géneros.
Com Dreams, a Media Molecule pretende elevar o conceito a um próximo nível: transformar a PlayStation 4 num estúdio All-in-one, que mistura um editor de níveis, estúdio de música, atelier de arte e vídeo. Como disse Fernando Pessoa, “Deus quer, o Homem sonha, e a obra nasce”. Palavras que encaixam na perfeição neste Dreams.
“LittleBigPlanet era mesmo focado na criação de níveis 2D. Dreams não é apenas sobre a criação de jogos 3D, mas fazer arte, música, esculturas e oferecer aos jogadores a liberdade para criarem o que quiserem”, refere Abbie Heppe, diretora de comunicação da Media Molecule em entrevista ao SAPO TEK. Afirma ainda que qualquer pessoa que utilizou as ferramentas disponíveis em LBP vão reconhecer alguns dos gadgets e possibilidades do mesmo jogo. Para quem se estreia em Dreams há um poderoso curso extensivo no jogo, com vídeos e hands on para aprenderem a mexer nas ferramentas e menus.
Apesar dos jogos com editores e ferramentas DIY não serem novidade, pois títulos como Pinball Construction Set no início dos anos 1980 já ofereciam essa possibilidade, depois de LBP o conceito passou a ser novamente refrescante. A própria Nintendo bebeu do conceito e já produziu dois títulos Mario Maker para que os jogadores produzam níveis em torno do universo do canalizador. “O nosso diretor criativo Mark Healey foi certamente inspirado pela possibilidade de criar jogos no Commodore 64. Penso que esse espírito está bem enraizado na Media Molecule – dar às pessoas uma forma de sentarem-se no sofá e criarem um jogo que alguém do outro lado do mundo possa jogar, assim como tornar a produção de jogos um hobby acessível”, avança Abbie Heppe.
Dreams no ensino e a abrir portas profissionais aos jogadores
Os jogos da Media Molecule já estão a gerar empregos. Há estúdios atentos aos trabalhos feitos pelos utilizadores, pela sua qualidade e engagement da comunidade. A própria Media Molecule já recrutou quatro elementos, pelo conteúdo gerado nas ferramentas disponibilizadas. Três deles são do tempo do primeiro LBP, que pelos seus trabalhos foram recrutados para trabalhar no segundo título da série. John Beech, um dos designers principais, era um construtor de profissão, sem qualquer experiência como produtor de jogos. Mas os seus trabalhos eram tão bons que a empresa o contratou e é atualmente designer principal sénior da empresa, responsável por muito do conteúdo do Sonho de Art, a componente narrativa de Dreams.
Mas há estúdios como a Sumo Digital e outras que contrataram baseado pelo “currículo” nos jogos da série LitleBigPlanet. Já Dreams “representa uma excelente porta de entrada para novos criadores”, refere-nos Filipe Pina, do estúdio português Nerd Monkeys. O designer esteve envolvido na organização de uma Game Jam dedicada a Dreams com a Sony PlayStation Portugal. Durante um fim-de-semana criaram-se jogos e experiências em Portugal interessantes. “Para aplicar no meu trabalho por acaso já testei algumas coisas, mas foram só brincadeiras para testar o potencial da coisa”, acrescenta Filipe Pina.
No rescaldo da Game Jam, já se pensa inclusivamente em adicionar Dreams como ferramenta para game design em cursos ou licenciaturas ligadas à indústria dos videojogos, por exemplo. A ideia de colocar Dreams nas escolas não é descabido, até porque Minecraft e Roblox já são usados como ferramentas para ensinar os alunos a criar videojogos, fazer protótipos rápidos, noções de arquitetura, e outras áreas. A responsável do estúdio concorda com todo o potencial. “Nós já estamos a trabalhar com um grupo selecionado de educadores para desenvolver currículos e oportunidades de educação para Dreams, e é algo que certamente continuaremos a apoiar”.
Quando questionada sobre os principais desafios no desenvolvimento de Dreams, Abbie Heppe afirma que produzir as ferramentas juntamente com conteúdo teve os seus desafios. “Criar uma nova propriedade intelectual pode ser desafiante por vários motivos, mas o meu desafio pessoal foi responder à pergunta: o que é Dreams?, talvez milhares de vezes.” Abbie referiu-se meia a brincar, mas serve para explicar a ambição em torno de Dreams, assim como desenvolver as melhores formas de suportar o jogo pós-lançamento. Atualmente o estúdio encontra-se a trabalhar em diferentes coisas, tais como a inclusão de suporte a realidade virtual, assim como novos kits de arte que vão ser lançados à comunidade. “Temos uma lista de coisas que queremos tornar possível fazer em Dreams e vamos continuar a trabalhar para alcançar essa visão”.
Sobre a reação dos jogadores a Dreams, o estúdio considera que até ao momento tem sido muito positivo, ainda que o “pó não tenha ainda assentado. O que me entusiasma em Dreams é o quão experimentais e excitantes são as experiências no jogo, e aquilo que significam agora, daqui a seis meses, um ano e para além disso. Nunca estaríamos aqui sem o apoio da excelente comunidade e toda a bondade e criatividade gerada pela mesma”.
Quanto ao seu conteúdo preferido criado pelos jogadores, Abbie Heppe gosta muito de coisas experimentais em Dreams, procurando palavras-chave como “surreal”, “estranho” e “funny” nas tags. “A parte divertida de ser um jogador de Dreams é que existe sempre algo para toda a gente, e até poderás encontrar algo que não sabias que gostavas”.
Para já o estúdio está totalmente focado na versão PlayStation 4, com uma grande lista de prioridades que devem ser trabalhadas. No entanto, uma possível versão PC ou mesmo para outras plataformas não foi totalmente descartada: “não estamos preparados para falar sobre o suporte para outras consolas ainda”.
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