À semelhança do que aconteceu com as empresas, a pandemia de COVID-19 funcionou também como grande acelerador na digitalização dos serviços governamentais, que tiveram de se adaptar e transformar para se adaptar à realidade dos confinamentos e restrições impostas na Europa desde o início de 2020. O eGovernment Benchmark 2021 da Capgemini mostra que a pandemia criou alguma turbulência, mas também pressionou os governos europeus a mudarem, incluindo na forma como os serviços públicos são prestados.
Este é o 18º relatório da consultora para a Comissão Europeia, que indica que a Europa entrou numa nova era no Governo eletrónico mas que ainda são necessários investimentos contínuos e mudanças organizacionais. É um “termómetro” da situação dos serviços prestados aos cidadãos e empresas que mostra os pontos positivos, mas indica também áreas a precisar de mais investimento e melhoria, nomeadamente nos serviços transfronteiriços, que são prestados em toda a Europa, e na transparência.
A análise foi realizada em parceria com a IDC e o Politécnico de Milão e avaliou mais de 7 mil páginas web de 36 países europeus, um grupo que vai além dos Estados Membros da União Europeia e inclui a Islândia, Noruega, Suíça, Reino Unido, Albânia, Montenegro, Macedónia, Sérvia e Turquia.
81% dos serviços públicos europeus estão online. Portugal quase nos 100%
A situação pandémica provocada pelo COVID-19 mostrou a necessidade de migrar os serviços do offline para o online quando as interações presenciais foram suspensas e os dados apurados para a edição de 2021 do estudo indicam que mais de oito em cada dez serviços públicos avaliados estão agora online.
“Em dois anos, as administrações públicas colocaram mais 23% dos serviços online, ajudando a combater os prejuízos económicos associados aos sucessivos confinamentos”, refere-se no documento, destacando a evolução registada.
Não é apenas a disponibilização de serviços online que é avaliada, mas um conjunto de quatro dimensões com 14 indicadores, entre os quais a centralização no cidadão, a transparência, os facilitadores tecnológicos e os serviços transfronteiriços. No total, o desempenho dos países analisados no relatório está nos 68%, mas Malta (96%) a Estónia(92%) destacam-se como os países com melhor desempenho, conquistando a 1ª e a 2ª posição neste ranking. “Os seus governos são os mais centrados no utilizador, transparentes, tecnológicos e abertos a utilizadores de outros países europeus”, refere a Capgemini.
Na lista dos mais capacitados estão depois a Dinamarca (85%), Finlândia (85%), Áustria (84%), Islândia (84%), Luxemburgo (84%), Portugal (82%), Letónia (82%), Países Baixos (82%), Noruega (81%) e Lituânia (81%). Portugal aparece em 8ª posição com a Letónia e Países Baixos, mas destacando-se em algumas áreas específicas, como a disponibilização de serviços online 24/7.
De todos os países analisados, o relatório indica que oito em 10 serviços governamentais podem ser completados online, uma média de 81%, mas aqui Portugal, Malta e a Dinamarca destacam-se com mais de 98% de disponibilidade.
Em Portugal o número é maior, 99%, mas a percentagem de serviços online não evoluiu desde 2020, quando já estava próxima dos 100%, embora a classificação na área da centralização no utilizador tenha melhorado para 98 pontos em vez de 95.
“A avaliação de Portugal é extremamente positiva”, afirma Félix Lopes, responsável pelo setor público na Capgemini Portugal em entrevista ao SAPO TEK, destacando a importância de quase todos os serviços poderem ser usados online e também a aposta na identificação eletrónica, que permite realizar processos sem ter de ir fisicamente a um guichet.
O relatório aponta ainda Portugal como bom exemplo na garantia de documentação online. Na média europeia 72% dos serviços oferecem a possibilidade de fazer upload e obter documentação online, mas Portugal, Dinamarca e Noruega garantem a disponibilização em 97% dos casos, o que permite poupar tempo e evitar impressão desnecessária de papel.
Também nos serviços empresariais há uma menção positiva para Portugal, onde há um maior equilíbrio entre os serviços para as empresas e os serviços para os cidadãos, ao contrário do que acontece em outros países onde a digitalização avançou mais rapidamente nos serviços empresariais.
A disponibilização de um portal centralizador de informação, o ePortugal, é mais uma das referências positivas e Portugal está na lista dos oito países destacados nesta área, com portais onde o cidadão pode começar a sua jornada e obter informação e serviços de diferentes áreas governamentais.
Os dados completos da análise do relatório por país podem ser consultados online.
Mais usabilidade e envolvimento do cidadão
Embora o relatório esteja centrado na avaliação dos serviços e não na sua utilização, há também um alerta para o facto do aumento da oferta não significar necessária a automaticamente que a utilização tenha aumentado, nem o nível de satisfação ou inclusão.
“Os governos terão de se esforçar para desenvolver a sua estratégia de digitalização tendo em conta estas três dimensões [utilização, satisfação e inclusão], para garantirem que os cidadãos reconhecem valor real e permanente no eGovernment e que ninguém é excluído”, reforça Marc Reinhardt, Head of Public Sector & Health da Capgemini.
Também Félix Lopes lembra que em Portugal ainda existe uma franja muito grande da população que não tem literacia digital, ou tem um baixo nível de competências nesta área, e que é difícil trazê-los para o digital. “Para muitos é mais fácil ir à loja e ver a pessoa frente a frente”.
Para o responsável pelo sector público na Capgemini Portugal, é preciso aumentar o foco na usabilidade das aplicações, e apostar em trazer mais as pessoas para o momento da conceção dos portais e aplicações. “Temos de trazer os cidadãos para dentro do projeto”, afirma, defendendo que é preciso testar e perceber as dificuldades.
O relatório indica ainda uma diferença significativa entre a maturidade digital dos serviços dos Governos centrais e locais. 85% de todos os serviços centrais estão online e isso acontece em apenas 59% dos locais, sendo que uma jornada mais coerente é considerada benéfica para os cidadãos.
Transparência e serviços transfronteiriços ainda com pouco desenvolvimento
Apesar de uma avaliação globalmente positiva, o estudo aponta algumas áreas a precisar de investimento e melhorias, nomeadamente a transparência e os serviços transfronteiriços (cross border), mas também a necessidade de apostar mais em adaptação das plataformas para serem usadas nos telemóveis e a utilização de serviços de identificação, como o eID.
A possibilidade de cidadãos de outros Estados membros acederem a serviços nos diferentes países tem registado uma evolução lenta e está atrasada em relação a outras dimensões. A classificação média é de 55% e a Capgemini refere que seria mais fácil fazer negócios e garantir a deslocação de europeus se houvesse mais simplificação nesta área. Menos de metade dos serviços governamentais podem ser realizados online por cidadãos de outros países europeus.
A segurança e a transparência têm também uma classificação menos positiva. Só 61% dos portais governamentais informam os cidadãos sobre se os seus dados pessoais foram consultados, e por quem ou porquê estão a ser usados. A Capgemini defende que as soluções de dados pessoais precisam de ser adotadas de forma mais generalizada para dar mais controle ao utilizador.
Esta é também a visão de Féliz Lopes, que em entrevista ao SAPO TEK revela a sua preocupação com este tema e com a cibersegurança. Este ano nenhum dos sites governamentais passou todos os 14 critérios de segurança do estudo, e apenas 2% preveniram uma série de ataques de cross-site scripting e clickjacking attacks.
O relatório completo pode ser consultado online no site da Capgemini.
Nota da redação: A notícia foi atualizada com mais infomação
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