A campanha foi lançada pelo Grupo Polar da Universidade de Lisboa, há mais de 15 anos envolvido num projeto que monitoriza os efeitos das alterações climáticas nas áreas deglaciadas da Península Antártica e do Ártico.

O grupo recorreu ao crowdfunding para conseguir comprar um drone e recolher imagens de qualidade, numa zona do globo em que é caro e difícil fazê-lo através de meios mais convencionais, como o helicóptero.

A ideia era acelerar o levantamento topográfico detalhado da região e ter meios para recolher fotografia aérea de grande pormenor e avançar mais rapidamente nos trabalhos de investigação em curso. E conseguiu-se. 3102 apoiantes contribuíram com 21.917 euros para a missão, ultrapassando os objetivos definidos em 10%.

Gonçalo Vieira, professor associado no IGOT-ULisboa e investigador no CEG em geografia física das regiões polares, foi quem teve a ideia da campanha e quem coordenou todos os esforços para garantir o seu sucesso. Admite que o processo foi mais complicado do que previa, porque exigiu um grande envolvimento da equipa na promoção constante, da televisão à Internet.

O recurso ao crowdfunding era uma ideia antiga do investigador, que decidiu concretizar quando teve conhecimento do lançamento de um drone com características à medida das necessidades do projeto. A complexidade dos processos convencionais de financiamento à investigação e as verbas limitadas e muito disputadas deram o impulso que faltava, e o grupo levou a campanha 3D Antártida ao PPL.

O drone foi comprado e ajudou como previsto a missão na Antártida, mas também abriu portas a novos projetos em países como a Argentina ou Cabo Verde. Também é usado na componente de ensino, no universo da Universidade de Lisboa, onde o IGOT – Instituto de Geografia e Ordenamento do Território se insere.

Sucesso do crowdfunding português passa pouco pela tecnologia

A campanha 3D Antártida usou a tecnologia como meio para alcançar um fim e é essencialmente por isso que cabe na categoria. Não se propôs a desenvolver um produto ou serviço tecnológico, um universo onde é claramente mais difícil contar histórias nacionais bem-sucedidas no recurso ao crowdfunding. Sobretudo se procurarmos projetos que, além de angariar o financiamento a que se propunham, tenham sido concretizados e se mantenham no mercado. 

As duas campanhas mais emblemáticas de recurso ao crowdfunding, realizadas por empresas portuguesas de tecnologia, são provas disso. Foram lançadas por subsidiárias do mesmo grupo, a YDreams, e ambas escolheram plataformas internacionais.

A Ynvisible levou a plataforma modular Printoo ao KickStarter e só precisou de 72 horas para reunir os 20 mil dólares pedidos. Terminou a campanha com mais de 80 mil dólares e 560 apoiantes.

As pré-vendas dos módulos que compõem a Printoo começaram por estar previstas para setembro de 2014, cinco meses após a campanha, mas o prazo não se concretizou porque houve necessidade de aperfeiçoar o conceito, explicava ao TeK Manuel Câmara, gestor de novos produtos da empresa, em janeiro deste ano. O prazo foi ajustado para março de 2015.

Na loja do site à data de hohe estão listadas as componentes do Printoo, disponíveis para pré-reserva, mas ainda surge a indicação de julho-agosto como datas estimadas para entregas. No perfil do Twitter não há notícias do projeto desde maio.

O Ziphius também nasceu no universo YDreams. O drone aquático da Azorean foi ao Kickstarter em 2013 e angariou 127 mil dólares, atribuídos por quase 500 apoiantes. As primeiras estimativas apontavam um lançamento para março de 2014. Foram revistas por diversas vezes porque o projeto se revelou mais complexo que o previsto, explicava o CEO Edmundo Nobre na altura. A última indicação publicada no site ainda aponta agosto de 2015 com data de lançamento.

Não foi possível falar nem com a Azorean nem com a Ynvisible desta vez, mas é público que a YDreams está em processo de recuperação, situação que se reflete em todas as atividades do grupo.

A uma escala diferente e com volumes de financiamento mais modestos, estão entre os projetos mais financiados em plataformas de crowdfunding nacionais o Onframe, que aparentemente já não existe, ou o Queepix que não chegou a concretizar-se e o dinheiro angariado foi devolvido aos apoiantes.

O Queepix angariou cerca de 2.500 euros para criar uma plataforma que ajudasse a simplificar e organizar a partilha de momentos guardados em formato digital. O Onframe angariou 10.200 euros para desenvolver um serviço online que devolvesse ao papel as fotos que guardamos online. Começou a funcionar no ano em que levou a cabo a campanha, mas neste momento o site está desligado, com uma mensagem que promete para breve um regresso.

Na verdade todos estes projetos têm em comum o facto de serem pouco recentes. Realizaram-se entre 2013 e 2014, mas o facto é que depois disso são poucos os exemplos relevantes (e com bons resultados), que na área da tecnologia tenham tirado partido do crowdfunding para chegar ao mercado. Há alguns exemplos, como o do Sebas, que hoje é World Class Notes, mas de dimensão mais reduzida.

Um exemplo mais recente é o do Game Studio 78, que por duas vezes recorreu a plataformas de crowdfunding (Kickstarter e Indiegogo) para financiar o desenvolvimento do jogo Hush, sem sucesso. A empresa nortenha acabou por encontrar alternativas para levar a ideia avante e já lançou o jogo.

Os domínios fortes do crowdfunding em Portugal têm-se revelado outros e mantido a consistência. As artes assumem lugar de destaque nesse universo, que até hoje tem sido dominado pelo modelo do financiamento colaborativo em troca de recompensas. Os números do PPL, a principal plataforma nacional do género, colocam a música no topo da tabela, em número de projetos financiados e no volume de financiamento angariado: 260 mil euros para 136 projetos.

Os livros são a segunda área mais forte do PPL (com 121 projetos) e um número crescente de autores a recorrerem ao crowdfunding para conseguirem publicar os seus trabalhos. O teatro, o empreendedorismo e o desporto são as áreas que se seguem.

Com a nova legislação do sector a chegar ao terreno regula-se a atividade de novas formas de crowdfunding como o empréstimo e a cedência de capital, uma diversidade que pode aumentar das empresas a este tipo de instrumentos.   

 

 Cristina A. Ferreira