A história é relativamente conhecida dos leitores do SAPO TEK, e já foi por várias vezes aqui contada pelas consequências e o impacto que a denúncia deste escândalo teve na percepção do que uma empresa com intenções maliciosas pode fazer usando o Facebook. Foi Christopher Wylie que denunciou o esquema que foi utilizado pela Cambridge Analytica para manipular as eleições nos Estados Unidos, com ligações à Rússia, e que através da colaboração com vários jornais e organizações acabou por resultar ainda em muito pouco.

Christopher Wylie trabalhava como analista de dados na empresa e quando percebeu o efeito decidiu denunciar a Cambridge Analytica, mas nem o Facebook, nem o Partido Democrático acreditaram no que estaca a acontecer. “Quando vi o meu antigo patrão a entrar na Casa Branca com Trump e a dizer as coisas que dizia decidi que tinha de ir às autoridades […] Ele estava a tentar criar a sua própria NSA”, afirmou numa sessão no Web Summit.

Mas para além da Cambridge Analytica, Christopher Wylie é muito crítico com o Facebook e também com as autoridades, que acusa de não estarem a fazer o suficiente para protegerem os utilizadores. “O Facebook tem tanto poder e está a fazer um clone digital da sociedade”, avisa, alertando que com a evolução da tecnologia e a ligação entre os sistemas existe um risco ainda maior.

As perguntas (e respostas) mais importantes sobre o caso Cambridge Analytica/Facebook
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E há lições a tirar da sua jornada? “Como whistleblower percebi o falhanço das instituições. Como sociedade não sabemos o que estamos a fazer”, avisa, fazendo um paralelo com os conquistadores que chegavam a novos territórios com navios e armas e eram vistos como deuses, mas que iam para destruir. “Divinizamos as empresas de tecnologia […] estamos a deixá-los colonizar a nossa sociedade”, alerta.

“Esta é uma história de colonização. O Facebook é isso, anda a tentar explorar as pessoas e os nossos Governos não estão equipados para enfrentar isso, estão muito atrasados”, afirma, dizendo que tem que explicar muitas vezes o que é software, o que é a internet e outras coisas básicas que as autoridades deviam saber. “Se um congressista me diz que é muito velho para entender a internet eu digo que isso é o mesmo que ser muito velho para entender os direitos civis”, os seus constituintes usam a internet intensamente e “olham mais para os telefones do que para outras pessoas e não há regras”, acusa.

Um código de conduta e regras para quem trabalha em tecnologia

Para Christopher Wylie é preciso existir um código de conduta para os programadores e analistas de dados, porque desenvolvem soluções que mexem com a vida das pessoas. Em todas as outras profissões essas obrigações existem, mas não na tecnologia. “Estamos a tocar as vidas das pessoas e devíamos ter regras que considerem o impacto na vida dos utilizadores. Ou estamos a mexer com o fogo e haverá pessoas magoadas”, avisa.

A evolução da inteligência artificial, a ligação entre os diferentes sistemas e a capacidade futura de não apenas ajudarem nas tarefas mas também decidirem por nós é apontada como um grande risco por Wylie, que se junta a um coro de muitos cientistas e protagonistas internacionais, entre os quais António Guterres, secretário-geral da ONU, que defendem a regulamentação dos sistemas de inteligência artificial.

Até agora não houve consequências negativas com significado para o Facebook na sequência do escândalo da Cambridge Analytica, excepto uma multa no Reino Unido que nem é muito elevada. Mas Christopher Wylie não está arrependido do que fez. Valeu a pena? “Sim, absolutamente. Agora fala-se nisso. A mudança é lenta mas eu pisei num dos maiores abusos que existe da privacidade e tinha de denunciar”, admitiu.

O Web Summit 2018 arrancou esta segunda-feira e vai prolongar-se até à próxima quinta-feira, dia 8 de novembro, com vários palcos a funcionarem, por onde vão passar centenas de oradores. Acompanhe tudo o que se passa com o SAPO TEK.