O jurista João Leitão Figueiredo defende, em entrevista à Lusa, que Portugal "deveria investir muito mais" não só na literacia digital, como também criar grupos de trabalho que ajudem a combater a informação falsa. "Continuo a achar que, por exemplo, Portugal deveria investir muito mais não apenas na literacia digital, mas também em criar ou ter grupos de trabalho, instituições, o que seja, que ajudem a combater aquilo que é informação falsa", nomeadamente nas redes sociais, afirma o sócio da sociedade de advogados CMS na área de tecnologia, media e comunicação.

E "por muito cuidado que tenhamos na afinação das medidas de segurança que estão ao dispor, o que é facto é que continuamos a receber diariamente a informação que não solicitámos, que não percebemos porque é que nos é dirigida" e a qual "deveremos saber filtrar e decidir pela nossa própria cabeça, o que torna tudo muito mais complicado", prossegue.

João Leitão Figueiredo dá como exemplo as invasões do Capitólio, nos Estados Unidos, em janeiro de 2021, e a recente invasão à sede dos três poderes no Brasil, que, diz, "acabam por ser paradigmáticos desta esta realidade".

Ou seja, "de um momento para o outro podemos ter uma reação em massa e não se percebe porquê, temos que ir muito mais além, temos que ser muito mais cuidadosos", considera o advogado.

O responsável recorda, por exemplo, que as crianças com menos de 13 anos não devem ter contas em redes sociais. No entanto, é um facto "que a maior parte das crianças com 9, 10 ou 11 anos têm uma conta do Instagram, têm uma conta do TikTok" e como é que um pai ou mãe "em consciência permite (...) determinado tipo de situações como esta", questiona. "Porque não têm um conhecimento adequado dos riscos associados à utilização dessas ferramentas", responde, ressalvando que cada um tem a liberdade de escolher.

No entanto, "existe uma regra que aos 13 anos a criança – e ainda estamos a falar de crianças – já tem uma capacidade cognitiva suficiente para perceber algumas questões, não todas, mas pelo menos algumas", prossegue.

"Estamos a falar de crianças demasiado jovens e, ao permitir que descarreguem e que tenham as suas contas, nós não estamos a emancipar as crianças", mas antes "a expô-las ao risco", sublinha João Leitão Figueiredo. E este é, "para mim, um exemplo claro de que a literacia digital era importante para disciplinar", defende.

Isto porque será que o pai ou a mãe "tem conhecimento suficiente para tomar uma decisão informada? Será que tem conhecimento dos riscos? Ou será apenas mais um de muitos que confia que nada de mal acontecerá", questiona.

Aliás, durante "muito tempo", a grande problemática em torno das crianças na Internet visava apenas a pornografia, cópia de imagens, álcool, drogas, mas "hoje em dia" esta "é muito mais complexa".

Ou seja, "hoje em dia estamos a falar como é que nós conseguimos mudar a mente de uma geração inteira com base na informação que vamos alimentando no 'nonstop' [sem parar] todos os dias, porque as crianças depois são utilizadores massivos – os adultos ainda vão trabalhar, as crianças não, a cada intervalo da escola ligam a rede social".

João Leitão Figueiredo sublinha que "é sempre importante ter em consideração que no espaço de meses, em virtude da pandemia", todos tiveram de "dar um salto do ponto de vista da dependência das ferramentas técnicas e tecnológicas de anos", nomeadamente com o teletrabalho.

"Isto implicou, desde logo, a utilização de ferramentas digitais por pessoas que não estavam rotinadas a fazê-lo", acompanhado de um aumento das mesmas por parte de pessoas que, apesar de estarem rotinadas, passaram a depender, "senão exclusivamente, quase exclusivamente" das tecnologias para o exercício da sua atividade profissional.

Ora, "nenhum de nós, na verdade, com exceção dos técnicos e dos profissionais da área, tem uma consciência plena daquilo que é o impacto da utilização destas ferramentas" porque "não existem até à data, em nenhum país, pelo menos que seja do meu conhecimento, legislação, ou havendo legislação não existe enforcement que permita assegurar aos cidadãos que as empresas vão partilhar informação de forma transparente", refere.