Na Europa, milhares de pessoas enfrentam barreiras digitais diárias que a maioria nem sequer imagina. Suponha abrir um site para comprar algo ou ler um artigo, mas descobrir que a interface é impossível de usar. Esta realidade afeta diretamente 1,3 mil milhões de pessoas no mundo com algum tipo de incapacidade, segundo a Organização Mundial de Saúde.

Em junho de 2025, a União Europeia espera mudar o cenário descrito com a entrada em vigor da Lei da Acessibilidade, que exigirá a adequação dos produtos digitais. Carlos Neves, Head of UX na Xpand IT, partilha connosco os desafios e oportunidades desta legislação para as empresas.

O primeiro passo para uma transição eficaz é uma auditoria completa dos ativos digitais, identificando lacunas de acessibilidade. "Formar as equipas em práticas de design inclusivo e garantir que a acessibilidade esteja integrada desde o início dos projetos também são essenciais", explicou.

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Além do conhecimento técnico, há a questão do investimento de tempo, tecnologia e recursos humanos. "As empresas precisarão de ferramentas de auditoria automatizadas e profissionais especializados".

O maior desafio para as organizações será a mudança de mentalidade, destacou. "Muitas empresas ainda encaram a acessibilidade como um custo adicional, em vez de uma oportunidade de expandir o mercado". Mas o impacto desse investimento vai além do cumprimento legal, defendeu. “Produtos mais acessíveis são também mais eficazes e atingem todo o público-alvo".

"A acessibilidade digital desempenha um papel crucial na promoção da diversidade, igualdade e inclusão, contribuindo decisivamente para o maior poder da internet: a sua universalidade", defendeu.

Carlos Neves explicou as diferenças entre os níveis de acessibilidade (A, AA e AAA), que regem critérios testáveis segundo quatro princípios: percetível, operável, compreensível e robusto. O nível A cobre o básico: acesso mínimo e funcionalidade para pessoas com deficiências visuais, auditivas e motoras, como usar mais do que a cor para diferenciar elementos visuais, descreveu. O nível AA, exigido pela legislação europeia, vai mais fundo, garantindo navegabilidade e legibilidade para todos. “O nível AAA, que exige mudanças mais complexas, é o ideal para atender pessoas com limitações severas”.

Acessibilidade em ação e convergência com a usabilidade

Para muitas empresas, a transição exigirá ultrapassar barreiras culturais. "Há um desconhecimento generalizado das diretrizes de acessibilidade e uma perceção errada de que a acessibilidade limita a criatividade”. Pelo contrário, a acessibilidade pode criar uma experiência melhor para todos", enfatizou Carlos Neves.

Um exemplo prático: adicionar legendas a vídeos torna-os acessíveis para pessoas com limitações auditivas e ajuda qualquer utilizador que veja o conteúdo em locais silenciosos. Outro benefício é ajustar o contraste de cores, que melhora a legibilidade para pessoas com visão reduzida e facilita a leitura para todos.

Explorando as sinergias entre acessibilidade e usabilidade, o responsável pela área de UX na Xpand IT explica que a usabilidade é a base para garantir que um produto digital é fácil de usar para qualquer pessoa, enquanto a acessibilidade certifica que ele está disponível para todos, independentemente das limitações que as pessoas possam ter. “Um produto só pode ser verdadeiramente usável se for acessível a todos”.

Com o avanço da inteligência artificial, surgem novas possibilidades para unir usabilidade e acessibilidade. Ferramentas de reconhecimento de voz, interpretação de linguagem gestual e descrições de conteúdo visual automatizadas já são exemplos promissores. "Além disso, o conceito de Design for All – ou design universal – elimina barreiras e permite que todos possam interagir de forma independente, sem ajustes adicionais," destaca.

A mensagem às empresas no Dia Mundial da Usabilidade, celebrado a 14 de novembro próximo, vai além de cumprir com normas ou evitar penalizações: é uma questão de dignidade e independência para todos os utilizadores.

"A acessibilidade não é um detalhe, é uma responsabilidade. Cada organização tem a obrigação de criar experiências digitais inclusivas e acessíveis".

A implementação da Lei Europeia da Acessibilidade será um catalisador para mudanças profundas na experiência digital, defende Carlos Neves. "A acessibilidade será um requisito central e inegociável, um padrão. Isso define um novo rumo para o setor digital na Europa, tornando-o mais inclusivo e universal". Para ele, esta transformação reforça a essência da internet como um espaço verdadeiramente democrático, “ao serviço de todos”.

Carlos Neves acredita que a transformação necessária para o cumprimento desta lei não será fácil, mas está convencido de que o impacto positivo para as empresas e utilizadores compensará o investimento.

Ao priorizar a acessibilidade, as empresas não só fazem a diferença na vida de milhões de pessoas, mas fortalecem também a sua posição competitiva, considera o responsável, acrescentando que a inclusão deve ser vista como um motor para o crescimento e sustentabilidade do negócio. Afinal, produtos acessíveis não beneficiam apenas quem enfrenta limitações: melhoram a experiência digital para todos.