De acordo com dados avançados pela Worldcoin, em Portugal, mais de 300 mil pessoas, o equivalente a 3% da população do país, já aceitaram fazer scan à sua íris num dos locais onde o projeto tem os seus operadores, em Aveiro, Braga, Lisboa e Porto.
A procura é crescente e, nas redes sociais e em plataformas online como o Reddit, surgem não só dúvidas sobre como funciona o projeto, mas também preocupações sobre o impacto para a segurança e privacidade e críticas, tanto à abordagem do projeto como a quem decide participar sem investigar primeiro.
Em Espanha, por exemplo, onde a autoridade local de proteção de dados avançou com uma investigação à Worldcoin, surgiram relatos de adolescentes que se dispõem a dar os seus dados biométricos para receberem criptomoedas, numa altura em que o token do projeto, lançado oficialmente em 2023, aumentou consideravelmente, reporta o website espanhol Xakata.
Espanha não é a única região onde o projeto despertou a atenção das respectivas autoridades de proteção de dados. De França e Alemanha ao Kenya, passando ainda por Hong Kong, em Portugal, a Comissão Nacional de Proteção de Dados também está a averiguar, tendo realizado uma fiscalização, além de diligências relativamente às empresas envolvidas no projeto, avança o Expresso.
Mas as preocupações com a Worldcoin, os seus verdadeiros objetivos e sobre as suas práticas de segurança e privacidade não são novas. Além disso, especialistas como Ricardo Lafuente, vice-presidente da Associação D3 - Defesa dos Direitos Digitais, com quem o SAPO TEK falou anteriormente, já tinham manifestado dúvidas quanto à proposta.
Então como funciona a Worldcoin e quais são os seus objetivos? O SAPO TEK preparou um explicador para o ajudar a compreender o assunto.
De que se trata este projeto?
Como explicado por Ricardo Macieira, diretor regional para a Europa da Tools for Humanity, a empresa que desenvolve ferramentas para o projeto, num encontro virtual com os media em que o SAPO TEK participou, a Worldcoin, fundada por Alex Blania, Max Novendstern e Sam Altman, atual CEO da OpenAI, quer dar resposta à pergunta “como é que conseguimos provar a identidade no mundo digital”?
O projeto defende que as soluções apresentadas por outras plataformas, como a da rede social X (antigo Twitter) com os marcadores de verificação pagos, não são práticas e excluem, por exemplo, quem não tem acesso a um cartão bancário ou a outros tipos de documentação exigidos.
“Se olharmos para a população mundial, claramente estamos a excluir a maioria e estamos a tirar-lhes o poder de provarem que são humanos no mundo digital. Isto realmente não é justo e não nos parece que seja a solução”, afirma Ricardo Macieira.
Tudo terá começado com uma ideia de Sam Altman. “Se o mundo quiser fazer um Universal Basic Income à escala, como é que o vai fazer? Este era o primeiro desafio. Como é que tu provas que estás a distribuir algo a um humano único e não a um exército de bots?", detalha.
O projeto foi evoluindo desde a sua evolução e, hoje, o foco está na prova de humanidade no mundo digital, centrando-se em três elementos: o World ID, o token Worldcoin e a World app.
Como é que funciona?
Segundo o projeto, o World ID, descrito como um passaporte digital baseado num protocolo de identidade descentralizado, foi concebido para provar que uma pessoa é "real e única" quando acede a websites ou aplicações online.
A verificação de identidade através da leitura da íris num Orb, um dos leitores próprios desenvolvidos pela empresa é necessária para ter um World ID. Ricardo Macieira explica que durante a leitura num Orb, o equipamento começa por identificar se a pessoa que está à frente dele é realmente um humano vivo.
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Com esta distinção feita, são recolhidas imagens de cada uma das íris que serão transformadas num código único, o Iris Code, “que não pode ser revertido de volta às imagens utilizadas para o gerar”.
“Por predefinição as imagens são apagadas do sistema”, afirma o responsável. Recorde-se que, como já tinha explicado Pedro Trincão Marques, atualmente gestor de operações da Tools for Humanity para a Europa, “se a pessoa quiser deixar a sua imagem na Orb pode fazê-lo para ajudar o algoritmo a ser desenvolvido, mas é completamente opcional”, com os dados a serem encriptados.
O Iris Code segue depois para um servidor encriptado, onde é feito um “processo de inclusão ou exclusão”, indica Ricardo Macieira, para verificar se a pessoa já se registou anteriormente. A empresa afirma que o World ID não deriva nem está ligado aos dados biométricos, número de telefone, carteira de criptomoedas ou qualquer outro identificador da pessoa que o detém.
Depois de verificarem que são um humanos únicos, os utilizadores podem usar o World ID dentro da World app, que serve como uma carteira self-custodial. O World ID é também necessário para cada utilizador receber uma quantidade de 10 tokens Worldcoin gratuitos.
Qual é o papel do token Worldcoin?
O token da Worldcoin (WLD) é a forma como a empresa pretende governar o protocolo criado. O objetivo é criar uma DAO (Organização Autónoma Descentralizada, em português), descrita como uma comunidade onde as pessoas decidem o que a empresa faz com a tecnologia.
“Para nós é muito claro que um projeto como este não deveria ficar na mão de uma empresa só, de uma entidade ou de uma pessoa”, realça Ricardo Macieira. “Como desenhamos este projeto foi alavancando tecnologia Blockchain que permite a criação deste conceito de DAO”. “É muito importante para nós garantir que quem se junta a esta rede tem propriedade sobre a rede e o token Worldcoin permite exatamente isso”, afirma.
“Nós não estamos a comprar íris em troca de dinheiro. É completamente o oposto (...) o que estamos a dar às pessoas que se juntam ao projeto é propriedade sobre o projeto sob a forma do token Worldcoin”, realça Ricardo Macieira.
As pessoas são informadas dos objetivos? Como é que o projeto reage às investigações?
O diretor regional para a Europa da Tools for Humanity afirma que uma das prioridades é assegurar que as pessoas percebem qual é o intuito do projeto antes de decidirem se querem participar. "Queremos garantir que as pessoas que se juntam ao processo estão devidamente informadas e que possam tirar as suas próprias conclusões".
Segundo o responsável o novo recurso de agendamento, integrado recentemente no processo de verificação na aplicação em Portugal, serve também para dar mais tempo para as pessoas decidirem se pretendem ou não avançar.
Quando questionado pelo SAPO TEK sobre os relatos sobre jovens menores de idade a participar, Ricardo Macieira indica que para uma pessoa se juntar ao protocolo tem de ter obrigatoriamente mais de 18 anos, afirmando que os operadores do projeto são treinados para realizarem uma verificação deste critério e que não avançam quando há dúvida de que alguém não o cumpre. "Queremos garantir que pessoas com menos de 18 anos não se juntam ao projeto", frisa.
Quanto à questão das investigações avançadas por autoridades de proteção de dados, o responsável afirma que o projeto cumpre “todas as regulações de proteção de dados” nos países onde opera. “Fizemos toda uma análise do nosso projeto, como foi desenhado, para cumprir com estes regulamentos”.
Na Europa, a entidade de proteção de dados responsável por um projeto é a entidade de onde o projeto está registado, neste caso na Alemanha. “A entidade que nos regula é a BLDA, a entidade de proteção de dados da Bavaria, com quem temos vindo a trabalhar nos últimos anos”.
“Independentemente disto, quando entramos num mercado, falamos proativamente com as comissões e autoridades locais para explicar o projeto que foi o que fizemos em Portugal”, afirma, indicando que foi dada resposta às questões colocadas pela CNPD e que o projeto continuará a partilhar toda a informação que seja necessária com a entidade.
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