Matemática, física, eletrónica, programação. São tudo áreas que tradicionalmente não são chamativas para as mulheres quando optam por cursos de formação ainda no terceiro ciclo do ensino, o antigo Liceu, o que depois tem reflexos na escolha do curso superior e da carreira. A verdade é que apesar das muitas iniciativas que se têm desenvolvido nos últimos anos, as áreas tecnológicas e científicas são ainda dominadas por homens, com impactos negativos no sector. Mas há muitos (e bons) exemplos de como o cenário está a mudar, com mais diversidade de género nas escolas e nas empresas, e uma escolha de carreira que não põe em causa o equilíbrio com outras áreas da vida pessoal.
É nesse sentido que hoje o Governo aprovou, em Conselho de Ministros, novas medidas que vai propor à Assembleia da República para aumentar a representatividade das mulheres em cargos de alta direção, colocando o limiar da representação nos 40%, mas também para alterar a lei da paridade nos órgãos do poder político. Foi ainda aprovada a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação - Portugal + Igual - que tem um horizonte de aplicação até 2030.
A Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa admite em entrevista ao SAPO TEK que apesar da evolução já significativa nos últimos anos, ainda há muito para fazer mas que é preciso continuar a trabalhar nas estratégias para promover a igualdade de género. E olhar para o futuro, semeando hoje para colher nas gerações futuras.
“O mundo onde eramos todos homens acabou. Hoje somos homens mulheres e outras coisas, é um mundo mais plural”, explica Maria Manuel Leitão Marques.
O Governo está a trabalhar em vários planos, entre os quais o domínio das leis, e hoje duas propostas de lei visam esta área específica, com o impulso da paridade dos órgãos dirigentes e de cargos políticos. Mas além da lei, há outros domínios onde é preciso investir, como na criação de condições que apoiem as mulheres na conciliação da vida pessoal e profissional.
“As mulheres são mais vezes cuidadoras do que os homens, ocupando-se dos filhos, dos pais e de outros membros da família e é preciso lutar para uma distribuição mais justadas tarefas com medidas de conciliação que permitam compatibilizar a vida profissional exigente com a vida pessoal”, refere Maria Manuel Leitão Marques.
A área da formação é também uma preocupação, sobretudo porque as mulheres optam menos por cursos nas áreas científicas e tecnológicas.
Algumas iniciativas desenvolvidas pretendem dar exemplos às raparigas mais jovens sobre as carreiras tecnológicas, envolvendo empresas e autarquias que vão às escolas com projetos interessantes na área das engenharias. Mas é preciso começar mais cedo.
"Ainda olhamos o futuro de longe, agarrados demasiadas vezes a modelos datados, que não nos permitem construir os cenários profissionais que o presente já exige. As estratégias de qualificação dos portugueses têm de começar mais cedo, a Tecnologia tem de saber atrair profissionais do sexo feminino e as organizações têm de lhes reconhecer valor", defende Paula Panarra, Diretora-geral da Microsoft Portugal.
Para a gestora, quanto mais inclusivas forem as equipas, melhores resultados serão obtidos. Mas é preciso fazer mais para levar as mulheres a carreiras tecnológicas.
"É preciso encorajá-las, e dar-lhes acesso à informação sobre esta profissão – que é verdadeiramente apaixonante", defende Paula Panarra.
Então, o que está a falhar? “Há um estigma social que se acentua na adolescência” refere Maria Fernanda Rollo, Secretária de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, em entrevista ao SAPO TEK. “Temos de trabalhar com as jovens o interesse nesta área e desmontar os preconceitos que existem”, refere, lembrando que as iniciativas têm um impacto positivo mas que tem de existir um esforço mais amplo.
Os números mostram claramente que hoje temos mais mulheres no ensino superior do que homens, mas na ciência o desequilíbrio é ainda evidente, com uma proporção de 60/40 e domínio dos homens. E nas TIC é ainda mais evidente.
A situação não é exclusiva de Portugal e sente-se a nível global. A própria União Europeia tem vindo a promover várias iniciativas para trazer mais raparigas para a área das TIC.
“Portugal até está muito bem nos indicadores internacionais nesta área, com uma posição positiva”, refere Maria Fernanda Rollo. “Fizemos um percurso interessante nas temos muito de caminhar […] Somos herdeiros de uma sociedade muito conservadora e temos consequências negativas desse conservadorismo”.
Para a secretária de Estado o incentivo à formação superior, não só em TIC naturalmente, é um elemento essencial para ultrapassar as desigualdades de género que ainda existem. “A formação é o instrumento mais poderoso para combater as desigualdades e se esta for feita em contextos de maior empregabilidade [como as TIC] é um fator de aceleração”, refere.
Apesar deste tema parecer muitas vezes um cliché, Maria Fernanda Rollo defende que é preciso continuar a falar nele, até para conseguirmos enfrentar os desafios do futuro. “Queremos ter uma sociedade mais humanista e a paridade vai ter de acontecer mais tarde ou mais cedo”, refere. Mas naturalmente não se pode “obrigar” as jovens a escolher formação e carreiras nas áreas tecnológicas. “Temos o direito à formação e o direito de optar pelas áreas onde se sintam mais confortáveis e onde possam usar o seu talento”, sublinha.
Sofia Tenreiro, CEO da Cisco em Portugal, sublinha também que é através da influência das raparigas mais novas que vai ser possível criar mais interesse nas áreas tecnológicas. “ainda há uma perceção incorreta sobre o que é trabalhar nas tecnologias. Todos usamos a tecnologia no dia a dia e as mulheres ainda acham que contribuir para criar e influenciar a tecnologia não é divertido. Mas na verdade é fascinante podermos influenciar estas transformações e aprender coisas novas todos os dias”, defende, lembrando que não é preciso ser engenheiro para trabalhar em tecnologia.
Para a gestora, as influências para que as mulheres optem mais por carreiras na área científica e tecnológica têm de começar mais cedo. “Não devemos procurar influenciar as jovens aos 15 anos. Temos de começar aos 5, 6 ou 7 anos em que são mais permeáveis”, refere.
“Nós nas empresas tecnológicas devemos contribuir para apaixonar as mulheres pela tecnologia”, sublinha Sofia Tenreiro.
Apesar de admitir que é preciso mudar as estruturas de ensino, que não mudaram muito nas últimas décadas, Sofia Tenreiro fala também numa outra dimensão que tem de ser trabalhada, que é a de mostrar a possibilidade real de conciliar as carreiras profissionais muito exigentes com a vida pessoal. “Exige sacrifícios, mas é possível ter uma carreia ativa e ser feliz, com autodisciplina no trabalho e a capacidade de definir prioridades”, explica ao SAPO TEK. “Para mim o balanço é super positivo”.
Sofia Tenreiro reconhece que tem a sorte de trabalhar numa empresa muito respeitadora da vida pessoal e que permite grande flexibilidade. “A Cisco é uma empresa de valores e defende que os colaboradores devem ser seres humanos completos e felizes e se estiverem bem na sua vida pessoal vão ser melhores profissionais”, explica.
A Cisco é há vários anos eleita como a melhor empresa para trabalhar em Portugal e apesar de ser uma tecnológica tem um predomínio de mulheres nos quadros, com 60% face a 40% de homens, muito graças ao centro operacional instalado em Portugal há 10 anos. A multiculturalidade é também um traço claro e estão representadas 36 nacionalidades, com uma representatividade geracional relevante, sendo a idade média dos colaboradores de 32 anos.
Lutar mais do que os homens para o mesmo equilíbrio e compatibilização
Quando era estudante em Coimbra, ainda antes do 25 de abril de 1974, Maria Manuel Leitão Marques sabia que participar na vida académica era difícil e que era preciso vencer constrangimentos. “Portugal era uma sociedade de homens. Só havia homens diplomatas, homens magistrados, homens policias, na força aérea e no exército”. Recorda. Embora ao meio académico fosse mais liberal na prática muitos clubes eram só de homens, e muitas conversas eram para homens.
“Não era bem visto por muitas pessoas as mulheres participarem na vida académica. Havia reuniões até tarde onde chegar e sair sozinha era visto de forma crítica pela sociedade […] Para vencer esses constrangimentos, que venci, tínhamos de ser determinadas e livres de pensamento. E às vezes enfrentar oposição dentro de casa, mesmo das mães e dos pais”, refere Maria Manuel Leitão Marques.
Mesmo na evolução da carreira profissional muitas mulheres tiveram de lutar mais do que os homens para conseguir os mesmos estatutos. E apesar de ter conseguido seguir a sua carreira como professora universitária, Maria Manuel Marques Leitão viu muitas colegas desistirem de doutoramentos porque exigiam formação no estrangeiro que não conseguiam compatibilizar com o cuidado da família.
Embora admita que muito mudou, e que muitas destas situações se resolvem dentro de casa, a ministra da presidência lembra também que as questões da modernização administrativa e da igualdade, que tutela neste Governo, são uma questão de cultura e que “a cultura são se muda por decreto”.
A geração de Sofia Tenreiro já teve a vida mais facilitada em muitas áreas, com menos obstáculos deste conservadorismo cultural, mas mesmo assim a gestora lembra que para conseguir o melhor equilíbrio é preciso fazer sacrifícios, e definir prioridades. Apesar de ter começado na área do grande consumo, mudou para a tecnologia há vários anos e afirma que sempre se sentiu muito confortável, embora admita ter pena de não haver mais mulheres nesta área.
A liderar uma das maiores tecnológicas em Portugal, Sofia Tenreiro consegue compatibilizar a vida pessoal, e o facto de ser mãe de uma criança de 8 anos, com a vida profissional exigente. E o balanço é muito positivo.
“Hoje também temos muitas ferramentas que ajudam a conseguir uma maior flexibilidade de horários e facilidade de colaboração”, refere Sofia Tenreiro apontando as ferramentas de videoconferência da Cisco que evitam deslocações mais frequentes e viagens e facilitam as reuniões à distância.
“Conseguimos criar relações fortes com pessoas com quem não estamos presencialmente, conhecendo-as em videoconferência, interpretando a linguagem corporal, e às vezes até ficamos a conhecer os filhos e os cães que também aparecem nas videoconferências”, explica.
Com quatro filhos, dois dos quais gémeos, Patricia Cavalheiro Dias também acredita na compatibilização entre a vida pessoal e profissional. A liderar a Alcatel em Portugal, a gestora garante que conseguiu gerir a carreira e as mudanças profissionais com as várias gravidezes e que o facto de estar atualmente numa empresa de origem francesa também ajuda ao equilíbrio, pelo respeito que existe pela vida pessoal.
“Nunca me senti prejudicada ou discriminada. Mas sempre trabalhei muito para apresentar resultados e nunca me refugiei no facto de ser mãe e mulher para não fazer uma entrega”, sublinha Patricia Cavalheiro Dias ao SAPO TEK.
A Alcatel Portugal é vista na europa como um bom exemplo de sucesso, e a marca tem conseguido uma melhor quota de mercado no país do que noutros congéneres europeus desde que Patricia Cavalheiro Dias lidera a operação.
“O facto de ter quatro filhos e de ter uma gestão pessoal exigente também melhora a gestão profissional, em termos de organização do dia a dia”, explica. Mas destaca também que é importante que esse equilíbrio esteja bem definido não só na empresa mas também dentro de casa. “Para mim também é importante ter um casamento sólido, com uma gestão muito equitativa. Desde o início ficou definido que íamos ter ambos uma carreira e que respeitamos a evolução um do outro, com uma grande divisão de tarefas”, justifica.
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