Na tecnologia a representatividade de género é claramente desigual, e as mulheres representam ainda uma percentagem pequena dos alunos em cursos técnicos e nos empregos no sector tecnológico, uma realidade que é global. Na União Europeia a média de mulheres especialistas em tecnologias de informação e comunicação era de 18,9% em 2023, um número que representa um recuo em relação a 2022.
Em Portugal os dados são ligeiramente melhores, com uma evolução significativa desde 2020. Os números do Índice de Digitalização da UE (DESI) apontam para 20,4% de mulheres na tecnologia, mas ainda assim abaixo de alguns dos novos Estados-membros, como a Bulgária, Estónia ou Lituânia, ou de países nórdicos como a Finlândia.
Nas empresas procura-se uma maior paridade, promovendo medidas de integração das mulheres e algumas vezes aplicando sistemas de quotas, mas o problema começa mais cedo, ainda na educação, onde as raparigas não optam por cursos técnicos. Luisa Ribeiro Lopes, que se dedica a acompanhar o tema há vários anos, com responsabilidade direta em programas de inclusão e upskilling para a área da tecnologia, diz que não sente uma alteração muito relevante nos últimos anos, mas que tem sido feito um caminho e existem alguns indicadores que nos levam a ter uma visão mais optimista para os próximos anos, em particular no caso de Portugal. “Estamos acima da média Europeia nos dados da Década Digital deste ano”, justifica.
Dentro do “pacote” do digital cabem vários tipos de funções, desde as engenharias às biotecnologias, e as competências consideradas mais “soft”, como o design. Mas se for feita uma avaliação em relação às áreas puramente técnicas, como as de programação e cibersegurança, a representação das mulheres é ainda mais reduzida.
Os números são apenas um retrato de uma realidade de um desequilíbrio que em termos globais tem vindo a agravar-se. Há mais mulheres desempregadas, com empregos precários, a desigualdade salarial é enorme e estão menos representadas em cargos de liderança. As Nações Unidas reconhecem que serão precisos 300 anos para atingir a igualdade para as mulheres e António Guterres diz que o ritmo de mudança é francamente insultuoso e que metade da humanidade não pode esperar séculos pelos seus direitos.
Em Portugal, e 50 anos depois do 25 de abril, a diferença salarial ainda é de 26% entre homens e mulheres, mais grave nos níveis de escolaridade médios ou baixos, e em algumas profissões, e só 16% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres. Este ano, no Dia da Mulher, o SAPO TEK procurou testemunhos de quatro mulheres com cargos de liderança no mundo da tecnologia para perceber como veem a evolução da paridade de género, a importância de conseguir mais igualdade e os desafios que enfrentam.
Luisa Ribeiro Lopes, que dirige o .pt, admite que vivemos ainda num mundo masculinizado, o que torna este caminho mais difícil para as mulheres. “Todas podemos chegar onde chegam os homens, mas é um caminho mais árduo. Quem não o diz está a enfatizar”, sublinha a gestora. No dia em que falámos, Luisa estava a participar numa reunião do ICAAN, a entidade reguladora da infraestrutura de Internet, e também num painel de Mulheres no DNS, já que a representatividade também é reduzida.
Vanda de Jesus, responsável em Portugal pela fintech iCapital, reconhece que nos últimos 5 a 10 anos o papel das mulheres na tecnologia em Portugal foi mudando, com mais participação que resulta também das iniciativas desenvolvidas. Com uma carreira de mais de 20 anos na área da tecnologia, esteve envolvida no lançamento de algumas medidas e projetos para a inclusão, no âmbito da APDC ou da Portugal Digital, salientando o empenho e participação de mulheres em programas de mudança de carreira para as áreas tecnológicas mas também o exemplo positivo de mais “role models” e exemplos femininos no sector.
“Sou defensora das mulheres mas acima de tudo da diversidade”, explica, afirmando que foram dados passos importantes na forma como as empresas tecnológicas estão a promover a inclusão e diversidade, e a pressão crescente para garantir que isso acontece nas equipas, em especial com a Inteligência Artificial.
Com equipas mais diversas, as empresas podem tornar-se também mais competitivas. “A diversidade tem um valor incalculável para todas as indústrias, incluindo o sector da tecnologia. Por um lado, há inúmeros estudos que comprovam que equipas mais diversas identificam soluções mais criativas e efetivas acelerando a inovação”, sublinha Sofia Tenreiro líder do setor Energy, Resources & Industrials da Deloitte Portugal.
A inteligência emocional, com capacidade de liderança colaborativa e comunicação eficaz, juntam-se também à diversidade de pensamento e perspetivas.
“As mulheres trazem diferentes experiências e pontos de vista para a mesa, o que pode levar, por exemplo, a soluções mais criativas e inovadoras para problemas complexos”, refere Sofia Marta, Country Manager da Google Cloud.
Nesta área, como em outras da gestão de recursos humanos, as empresas tecnológicas estão “pelo menos 5 anos à frente na forma de trabalhar e gerir pessoas”, partilha Vanda de Jesus, que reconhece na sua carreira oportunidades diferentes. E também por isso é hoje defensora de uma política de aplicação de critérios de quotas.
“Mudei de opinião em relação às quotas, não acreditava quando era mais nova e passei a acreditar que é um processo justo. Acontece em todos os mercados quando estão desequilibrados precisam de regulação e a paridade de género está desequilibrada”, defende, argumentando que as empresas que procuram paridade de género não se podem arriscar a preencher os lugares exigidos pelas quotas com pessoas que são menos competentes só para terem mulheres.
Barreiras externas e também inconscientes
Não é só no mundo da tecnologia que as mulheres têm de lutar contra o preconceito e a masculinidade tóxica, mas também contra os seus enviesamentos inconscientes, que decorrem de um legado cultural e da educação. Luisa Ribeiro Lopes aponta o “síndrome do impostor” que faz com que as mulheres muitas vezes duvidem da sua própria capacidade e subestimem as suas competências. “É importante o conhecimento sobre estes temas porque nos ajuda a ultrapassar estes estigmas”, sublinha.
Estas barreiras, muitas vezes inconscientes, impedem que muitas mulheres façam uma maior progressão de carreira. “Acho que as mulheres muitas vezes não percebem que têm mais poder. Estão à espera que as chamem, não pedem para ser promovidas ou ter melhores salários. Há uma ideia de que é preciso provar primeiro e isso não é o mercado que exige, são elas mesmas que sentem esse ónus”, afirma Vanda de Jesus.
Em cargos de liderança, as mulheres com quem falámos para esta reportagem não se sentiram limitadas pela sua condição de género, mas reconhecem que a sua história pode não ser igual à da maioria das mulheres.
“Apesar de a minha carreira incluir experiências em indústrias tão diversas como Tecnologia, Consultoria, Energia ou Bens de Consumo, felizmente sempre trabalhei em empresas com culturas muito fortes e muito focadas em promover a diversidade a todos os níveis (género, idade, nacionalidade, background, experiência, entre outras. Por isso sinto que o meu desenvolvimento e progressão nunca foram limitados por ser mulher”, adianta Sofia Tenreiro.
A mesma ideia foi partilhada por Vanda de Jesus, que admite que teve sorte mas lembra que isso também é resultado de escolhas. “A sorte também se conquista. Sempre que não me encontrei no enquadramento certo procurei mudar e a minha energia e irreverência, de procurar traduzir tudo para todos, levou-me a desafios de ter cargos de liderança muito cedo e com pessoas mais velhas, mas que encarei sempre com humildade”.
Sofia Marta defende que “é fundamental a autoestima e o acreditarmos em nós próprias para evitar que tais situações aconteçam. E se necessário, estar preparadas para enfrentar, questionar e lutar pelo justo reconhecimento”.
A partilha de mais exemplos de mulheres com carreiras de sucesso é sublinhada pelas várias entrevistadas como fundamental para aumentar a confiança. Para Sofia Tenreiro, com estes exemplos consegue mostrar-se que “é possível conseguir ter tudo, uma vida familiar e pessoal feliz e uma carreira onde se pode realizar e preencher”.
E existem diferenças na liderança? Vanda de Jesus admite que ao nível da liderança em empresas tecnológicas os desafios são iguais aos dos homens, que também têm a necessidade de serem mais humanos e empáticos. “Há uns tempos, um amigo que está num cargo executivo de uma grande empresa de tecnologia, disse-me uma frase que nunca esqueci: “ao nível executivo nunca me cruzei com uma mulher que não fosse muito competente”. Esta frase marcou-me porque a verdade é que ninguém chega a esses lugares se não for muito competente”, refere.
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