(Actualizada) Os processos de violação da propriedade intelectual e da propriedade industrial vão passar a ser tratados em Tribunais especializados na matéria. A Proposta de Lei foi hoje aprovada, ainda na generalidade, em Conselho de Ministros, definindo a criação de dois novos tribunais e a alteração da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, devendo ainda ser enviada à Assembleia da República.

Na pouca informação divulgada refere-se que relativamente à propriedade intelectual - que envolve os direitos de autor e direitos conexos, se antecipa uma ideia já prevista na lei de organização aprovada em 2008, mas não são fornecidos detalhes sobre a forma de implementação no terreno destes instituições especializadas. O TeK contactou o Gabinete do Ministro da Justiça mas não foi possível obter resposta até à hora de publicação desta notícia.

Pelos dados a que tivemos acesso o objectivo é juntar no mesmo tribunal todos os processos que estejam ligados com violação de direito de autor, até agora julgados nos tribunais comuns, e de propriedade industrial, que ficavam a cargo dos tribunais de comércio, especializando a análise e julgamento destas duas áreas.

Mesmo sem grandes detalhes a medida é bem acolhida pelos especialistas em Direito de Autor. Manuel Lopes Rocha, jurista da PLMJ, reconhece que "a criação de um tribunal de competência especializada como este pode ser uma excelente notícia", mostrando porém salvaguardas face ao pouco que ainda se sabe.

"À primeira vista, parece querer resolver o problema dos tribunais do comércio, entupidos com processos e mais processos de insolvência, impedindo a célere solução de litígios de propriedade industrial. Sendo assim, é de saudar a medida", refere ainda o jurista que acaba de ser reconhecido pelo International Law Office (ILO) como o melhor advogado português na área da Propriedade Intelectual.

A mesma opinião, e cautelas, são partilhadas por Miguel Carretas, jurista da Passmúsica, que realça que a especialização dos tribunais nestas matérias é o caminho certo, e que se o Governo quer avançar já com estas instâncias especializadas - antecipando o alargamento das áreas experimentais que já estavam em vigor em três comarcas - este avanço é bem acolhido pela organização que representa o licenciamento conjunto de músicas da AUDIOGEST e GDA.

Ambos referem porém uma série de dúvidas, que podem pôr em causa a eficácia destes tribunais no terreno, nomeadamente qual o modelo a adoptar, quantas comarcas serão criadas e se haverá especialização também ao nível dos tribunais de recurso. Isto para além de ser necessário ainda passar do papel para a criação propriamente dita dos Tribunais.

Manuel Lopes Rocha lembra que "a situação dos tribunais de comércio lesava fortemente a economia nacional, afastava o investimento e dava uma imagem dramática do País, sobretudo quando ainda se mantém a aposta na construção de uma Sociedade do Conhecimento".

Mais focado na área do software, Manuel Cerqueira, presidente da Assoft, admite que "este é um velho sonho que acalentamos desde sempre".

"Foi sempre triste vermos os nossos julgamentos misturados com crimes de pequena delinquência, cheques sem cobertura e outros enquanto que as questões sérias que se prendem com a propriedade intelectual são muitas das vezes julgados a correr, os julgamentos são quase sempre preteridos ou julgados "a correr" sem uma análise coerente de prova documental (relatório pericial)", sublinha o presidente da associação.

Manuel Cerqueira junta ainda a ideia de que se a medida for avante o Governo também lucra, pois "passa a cobrar os impostos que lhe são sonegados pela pirataria e por todas as violações à Propriedade Intelectual fazendo ao mesmo tempo com os autores destas obras trabalhem com mais vontade e incrementem a sua produção".

Em contraponto, Rui Seabra, presidente da Ansol - Associação Nacional para o Software Livre defende que, tal como acontece com outras iniciativas nacionais e internacionais, "a tendência é claramente e perigosamente vertiginosa para a remoção de direitos fundamentais dos cidadãos em prol do lucro de algumas poucas entidades" e questiona "quem será o 'supremo'".

Desconhecendo ainda a medida quando contactado pelo TeK, Rui Seabra lembra que "nos últimos anos, têm havido vários lobbies com muito sucesso no convencimento dos legisladores de que há que fazer qualquer coisa para impedir a "pirataria"" e compara este processo com a tentativa de criar um tribunal de patentes na Europa, sendo retirado ao Tribunal Europeu de Justiça o controlo supremo dos abusos, uma medida que coloca em caisa direitos que considera fundamentais.

Apesar da falta de detalhes sobre a calendarização da implementação desta medida, é certo que a criação dos tribunais não será rápida já que há toda uma série de procedimentos administrativos a acautelar. O TeK pediu também ao Ministério da Justiça informação sobre o calendário previsto, mas ainda não obteve qualquer resposta.

Fátima Caçador

Nota da Redacção: A notícia foi actualizada com mais informação.