"Precisamos de ter a avaliação do estudo para, em função disso, implementar as medidas. Mas, reitero, é importantíssimo ter o estudo para agirmos", disse a governante no final de uma reunião em Lisboa entre o Governo e a CIP - Confederação Empresarial de Portugal. Contudo, a ministra não indicou o que o Governo pondera fazer.
O estudo nacional "Quem paga a raspadinha?", realizado pela Universidade do Minho para o Conselho Económico e Social (CES), que foi divulgado hoje em Lisboa, indica que a raspadinha é um "vício" que atinge cerca de 100 mil adultos em Portugal, dos quais cerca de 30 mil apresentam perturbação de jogo patológico.
Mulheres, pessoas com baixos rendimentos e com escolaridade baixa são quem mais aposta neste jogo, segundo o estudo.
A provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), Ana Jorge, manifestou hoje disponibilidade para encontrar respostas para combater a dependência da raspadinha.
Segundo o relatório e contas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) de 2020, o último disponível, a raspadinha é a “rainha” dos jogos sociais, tendo atribuído cerca de 2,8 milhões de prémios semanais, o que se traduz em mais de 17,2 milhões de euros.
De acordo com o Plano e Orçamento da SCML de 2022, a Raspadinha representou em 2020 vendas reais de 1,44 mil milhões de euros, cerca de metade do total das vendas dos jogos sociais, que incluem totoloto, totobola euromilhões, lotarias e outros jogos.
Vício da raspadinha atinge cerca de 100 mil adultos
Segundo o estudo, que validou 2.554 entrevistas, “o consumo frequente de raspadinhas é mais comum nas pessoas com baixos rendimentos”, precisando que é três vezes mais frequente numa pessoa com rendimentos entre os 400 e os 664 euros por mês do que nas pessoas com mais de 1.500 mensais.
A aposta neste jogo também é mais comum nas pessoas com ensino básico e secundário (5.8 e 3.9 vezes maior probabilidade do que as pessoas com mestrado/doutoramento). Outra das conclusões do estudo nacional aponta que são as mulheres (53,15%) quem apresenta mais problemas com o jogo, contra 46,85% dos homens.
Dos 221 inquiridos que dizem jogar regularmente, 112 (51%) afirmaram que jogam semanalmente, 91 (41%) mensalmente e 18 (8%) diariamente. A investigação conclui que 3,09% dos adultos estão em risco de desenvolver problemas de jogo e estima que esses problemas possam afetar 1,21% da população adulta.
Contactado pela agência Lusa, o psicólogo e coordenador do Instituto de Apoio ao Jogador, Pedro Hubert, admitiu que o instituto recebe pessoas com problemas relacionados com a raspadinha.
“Só não recebemos mais em grande parte porque, sendo um instituto particular e privado, muitas vezes as pessoas não têm capacidade financeira para pagar” os tratamentos.
O técnico de aconselhamento em adições na área do jogo patológico referiu que, tal como diz o estudo, quem mais aposta na lotaria instantânea (raspadinha) da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa “são pessoas com menos capacidades económicas, muitas vezes com maior idade, menores estudos e muitas vezes com problemas de ansiedade ou depressão associados”.
Observando que a raspadinha “está muito implementada do ponto de vista cultural, social”, com as pessoas a jogarem e a oferecerem raspadinhas, devia haver mais informação no sentido de prevenir comportamentos de adição.
A prevenção, defendeu, “passa essencialmente por muita informação, que deve passar, não só nos locais de jogo, mas também na televisão”, com a mensagem de que “o jogo é algo recreativo e não para investimento”: “É para a pessoa se divertir, não é para ajudar a aumentar a reforma ou para pagar a renda da casa ou para ter mais algum dinheiro”.
Muitas pessoas jogam porque pensam que vão conseguir ganhar dinheiro e, quando perdem o que ganharam, vão querer recuperar o dinheiro, explicou o especialista.
Pedro Hubert alerta que há vários fatores que elevam o potencial de risco da raspadinha, nomeadamente para quem tem uma certa predisposição para a adição: o facto de se poder comprar e apostar “muitas vezes num minuto” na raspadinha, a par da acessibilidade, da disponibilidade, do preço baixo e dos prémios elevados.
O risco é também maior para “as pessoas que têm mais dificuldades ou que têm menos noção do que é a estatística e de que o jogo está mais a favor da casa do que das pessoas que compram”.
Para prevenir problemas de dependência do jogo, o especialista referiu que deveria haver informação nos locais de venda sobre os sintomas de quem tem problemas com o jogo e divulgação de linhas de apoio como, por exemplo, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, defendendo ainda a possibilidade de o jogador pedir autoexclusão.
Defendeu ainda um trabalho conjunto entre o Estado e o departamento de Jogos da Santa Casa e mais investigação, como esta da Universidade do Minho, “que é muito meritória”, no sentido de proteger as pessoas que possam vir a ter problemas e as que já os têm.
“Portanto, trabalhar todos em conjunto, no sentido de uma maior prevenção e também, não menos importante, que haja um tratamento mais eficaz destas pessoas que têm problemas de abuso ou dependência”, rematou Pedro Hubert.
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