A Lei das Comunicações Eletrónicas esteve em debate hoje na Assembleia da República. A proposta, que foi aprovada a 1 de abril em Conselho de Ministros e que deu entrada no parlamento a 9 desse mês, transpõe a diretiva europeia que estabelece o Código europeu das Comunicações Eletrónicas (CECE) e prevê adoção de medidas necessárias para o acesso do serviço universal.
Na semana passada, durante o 30.º congresso da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e Habitação, tinha já dado a conhecer que estavam “em curso várias iniciativas que o Governo entende como essenciais para desenvolver uma política de comunicações à altura dos desafios do país e das necessidades dos cidadãos”, com um dos “momentos principais” a acontecer com a apresentação e o início da discussão da proposta de lei.
Hugo Mendes, secretário de Estado adjunto das comunicações, afirmou que o CECE representa “mais do que um exercício de harmonização das regras aplicáveis aos Estados-Membros e de aprofundamento do mercado interno”.
“Representa sobretudo a definição de um enquadramento que procura melhor proteger os consumidores, estimular o investimento e reforçar a concorrência, fazendo da conectividade a base da transformação digital da sociedade”, enfatizou o secretário de Estado.
A lei das comunicações eletrónicas traz “avanços importantes em várias áreas centrais”, de um “conjunto de novas regras que reforçam os direitos dos utilizadores” a um serviço universal, sem esquecer a questão da “gestão do espetro”, onde a proposta “reforça a coordenação à escala da União Europeia, privilegiando a implantação da tecnologia 5G” e promovendo o “investimento em redes de capacidade muito elevada”.
Para Hugo Mendes este primeiro momento é apenas o "ponto de partida para um debate que se pretende mais longo". "A nossa preocupação efetiva é que saia daqui uma boa lei", reforçou já depois de ter ouvido todos os partidos, lembrando, no entanto, que existem situações desafiantes onde será difícil de reunir consenso.
No que toca à questão do serviço universal, o secretário de Estado recordou que o Governo está a trabalhar na proposta de tarifa social de Internet, que esteja disponível no mercado "no início do segundo semestre", a qual irá permitir que as pessoas com rendimentos mais baixos tenham acesso à Internet a "um preço muito acessível".
Referindo a resolução dos contratos de comunicações eletrónicas, Hugo Mendes revelou ainda que "o Governo está a trabalhar numa proposta que não diz respeito apenas às comunicações eletrónicas", mas que inclui outras áreas como ginásios, energia, entre outros, que envolve a duração dos contratos.
"Parece-me que também aqui não haverá um consenso entre todos na parte da resolução do contrato, vulgo regras das fidelizações e das indemnizações a pagar às operadoras, mas o Governo vai tomar iniciativa sem prejuízo desta Assembleia poder avançar e ter um debate e tomar uma posição no fim", disse Hugo Mendes.
O que defenderam os partidos?
Para André Ventura, deputado do Chega, que apresentou uma proposta de alteração à lei, a transposição do CECE já “vem tarde” e é “inadequada daquilo que se pretende”.
Ainda que aponte vantagens, o deputado referiu que a lei “tem porém falhas que não devem deixar de ser apontadas”, como a “falta de harmonização dentro dos países da União Europeia”. “São disponibilizados recursos adicionais do ponto de vista dos utilizadores, mas continua a haver um acesso completamente desnivelado e o que se quer é que Portugal esteja nas melhores dessas práticas de acesso”.
“Esta lei ficou muito aquém do que o grupo de trabalho quis fazer”, indicou o partido que defende ainda que Portugal continua a ter uma “confusão jurídica”, com recursos, regras e procedimentos de adjudicação em termos de comunicações eletrónicas diferentes, que “podia e devia ter sido corrigida com esta lei”.
Já Filipe Pacheco, do Partido Socialista (PS), considerou a proposta do Chega como uma “total vacuidade”, defendendo que a lei das comunicações eletrónicas se apresenta como um “documento absolutamente estruturante não só para o setor das telecomunicações, mas acima de tudo para o presente e futuro do país”.
O partido destacou três grandes objetivos que a lei permitirá atingir: a “aceleração da transformação digital da sociedade, criando regras e incentivando a massificação de muito alta capacidade, como por exemplo as do 5G”, e condições para o investimento privado e público, “em que o Estado possa assumir a rede de nova geração em locais onde os operadores atualmente não chegam”. “A garantia de coesão territorial tem de ser um fator-chave na nova lei das comunicações eletrónicas”.
A defesa dos consumidores, que têm de ter “mais informação e mais transparência para que tenham mais capacidade de escolha”, assim como a atualização do conceito de serviço universal de comunicações e afirmam-se também como pontos de grande importância.
Por um lado, José Luís Ferreira, deputado do partido “Os verdes” (PEV), afirma que a proposta de lei do governo “vem, em parte, dar corpo à necessidade de considerar o serviço universal de acesso à Internet de banda larga (…) e que seja assegurada a qualidade específica e a um preço acessível”.
Por outro, o deputado aponta que “a proposta de lei remete-nos para a tarifa social nos casos em que os cidadãos tenham menos recursos, quando aquilo que se devia fazer era estabelecer um tarifário base acessível a todos independentemente dos recursos económicos”.
Acresce ainda a questão da proposta de lei manter "o período máximo de fidelização de quatro meses" e não obrigar "as empresas a disponibilizarem a todos os utilizadores a faculdade de poderem celebrar contratos sem qualquer tipo de fidelização ou com seis ou 12 meses por cada benefício concedido ao utilizador”.
“O setor das comunicações eletrónicas é um dos que gera mais conflitos entre consumidores e prestadores de serviços”, com o período de fidelização a ser um dos principais focos de conflito. O deputado argumenta que este é um problema que a proposta de lei não vem resolver.
As questões de fidelização foram também mencionadas pelo Bloco de Esquerda, com a deputada Isabel Pires a defender que a proposta não vai assim “tão longe” para garantir a proteção dos consumidores.
Relembrando um recente parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), Isabel sublinhou que a lei pode levar à “mercantilização de dados”, uma situação também referida mais tarde por Bruno Dias do Partido Comunista, que também entrou a sua intervenção no serviço universal numa "lógica de progressiva desmercantilização e não como um mecanismo para suprir as falhas de mercado", apelando ainda à criação de um operador público.
O partido estranha ainda a “ausência de algumas normas que estavam presentes no anteprojeto da Anacom”, com certas normas que estão agora na atual proposta a “darem benefício unicamente às operadoras”. A deputada afirmou que é preciso reforçar os direitos dos consumidores, simplificar as condições para os mesmos no que respeita a contratos e à realização de reclamações.
Para lá da proposta em si, Jorge Paulo Oliveira, do PSD, centrou-se na questão de Portugal, à semelhança de outros 24 países da União Europeia, não ter cumprido o prazo estabelecido pelo executivo europeu para transpor a diretiva europeia que estabelece o CECE. “Chegar sempre tarde e a más horas, este parece ser o lema do governo”, referiu.
O deputado enfatizou que este é um diploma que representa uma importância significativa para as comunicações, assim como para a defesa dos consumidores e para os setores da saúde, segurança, educação e economia. Porém, “esta não é uma discussão que possa ser feita à pressa (…) não é isso que se exige do parlamento”, sublinhou, acrescentando que há, neste contexto, um “longo caminho a percorrer”.
O atraso na transposição da diretiva e as consequências que daí advêm também foram questões relembradas por João Pinho de Almeida, do CDS-PP, que indicou ainda que na proposta de lei do governo há aspetos relevantes para a implementação do 5G, para o enquadramento jurídico que permite implementar a tarifa social e para a cobertura de rede.
No entanto, há pontos problemáticos que, a ver do CDS-PP, vão além do CECE, como a "responsabilidade pessoal dos administradores dos operadores" ou ainda a utilização por serviços públicos dos serviços disponibilizados pelos operadores, algo que, nas palavras do deputado, não pode ser um "regime de bar aberto".
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