Hoje a agenda parlamentar contava com a apresentação da proposta de lei do Governo para os metadados e de três projetos de lei, do PSD, PCP e Chega, mas que já se sabia que não iam ser votados, baixando à especialidade. Agora o PSD diz que vai avançar com um texto de substituição.
Esta mudança, a operar em sede de especialidade, foi apontada por Paulo Mota Pinto como uma espécie de “chave” para a Assembleia da República ultrapassar a declaração de inconstitucionalidade do acórdão de abril do Tribunal Constitucional relativamente à lei dos metadados de 2008.
“Admitimos a possibilidade de texto de substituição do PSD e uma convergência com a abordagem da proposta de lei do Governo. O princípio da proporcionalidade é compatível com critérios da conservação seletiva, segundo o recente acórdão” do Tribunal de Justiça da União, advogou o professor universitário e antigo juiz do Tribunal Constitucional.
De acordo com Paulo Mota Pinto, para a lei nacional sobre regime de metadados se conpatibilizar com a jurisprudência europeia e com a decisão do Tribunal Constitucional, o caminho poderá passar por “uma conservação seletiva dos dados de tráfego e dos dados de localização que seja delimitada, com base em elementos objetivos e não discriminatórios, em função das categorias de pessoas em causa ou através de um critério geográfico, por um período temporalmente limitado ao estritamente necessário, mas que pode ser renovado”.
Ainda na perspetiva do líder da bancada social-democrata, o parlamento poderá adotar “uma conservação generalizada e indiferenciada dos endereços IP atribuídos à fonte de uma ligação, por um período temporalmente limitado ao estritamente necessário”.
Para Paulo Mota Pinto, importará igualmente incluir “uma imposição aos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas, através de uma decisão da autoridade competente sujeita a fiscalização jurisdicional efetiva, do dever de procederem, por um determinado período, à conservação rápida dos dados de tráfego e dos dados de localização de que esses prestadores de serviços dispõem”.
“Admitimos, assim, um texto de substituição, com conservação dos endereços de protocolo IP atribuídos à fonte de uma ligação; possibilidade de conservação dos restantes salvo se o seu titular se tiver oposto perante as referidas entidades a essa conservação. Temos a consciência que o nosso projeto e os restantes diplomas podem ser melhorados na especialidade. Isso mesmo resulta da densificação dos critérios da proporcionalidade que foi feita recentemente sobre o regime irlandês”, acrescentou.
Se a solução atrás referida for adotada globalmente, “permite-se ao titular dos dados opor-se à conservação, mas não se permite essa oposição em relação a certas categorias de pessoas que sejam suspeitos ou arguidos ou já condenados por crimes graves enquanto se mantiver a responsabilidade criminal”.
“Permite-se também dados colhidos em locais estratégicos, como aeroportos, zonas turísticas estações ferroviárias. É um aperfeiçoamento que elimina os problemas levantados por uma conservação generalizada de dados ainda que por um prazo mais curto”, completou.
A utilização dos metadados das comunicações tem estado envolvida em polémica. Na base está uma lei de 2008, que transpôs para o ordenamento jurídico nacional uma diretiva europeia de 2006 que entretanto o Tribunal de Justiça da União Europeia declarou inválida, em 2014. Invocando o primado do direito europeu e a Constituição, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) decidiu em 2017 “desaplicar aquela lei nas situações que lhe sejam submetidas para apreciação”.
O chumbo do Tribunal Constitucional das normas que determinam a conservação dos dados veio pôr em causa a possibilidade de estes serem usados no âmbito de investigação e em tribunal, temendo-se a paralisação de casos em desenvolvimento e a reversão de outros processos.
Entre as propostas hoje apresentadas ao Parlamento, a proposta de Lei do Governo defende que "a proibição de conservação de dados não obsta, nem deve obstar, a que as autoridades judiciárias possam continuar a aceder a metadados para fins exclusivos de investigação criminal, sob pena de ficar absolutamente comprometido o direito à realização da Justiça e à segurança e paz públicas".
A ministra da Justiça defende que esta proposta "é uma mudança de paradigma" já que deixa de existir uma base de dados para a investigação criminal e as autoridades passam a aceder aos dados das operadoras de telecomunicações.
Do lado dos partidos os projetos de lei apresentados pretendem reduzir o tempo de conservação de dados, mas com períodos diferentes, que vão das 12 semanas propostas pelo PSD aos 6 meses avançados pelo Chega, passando pelos 90 dias referidos pelo PCP. Atualmente o prazo de conservação é de um ano.
Há ainda outros pontos diferenciadores nas propostas dos três partidos, com o Chega a propor que a conservação dos metadados obrigue à autorização de um juiz, enquanto o PCP sublinha a necessidade de notificar os cidadãos sobre o acesso aos metadados, e o PSD pretende que seja proibida a circulação destes dados para fora de Portugal e da União Europeia.
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