A pirataria criou inovações em algumas indústrias e ajudou a movimentar o mercado, mas também pode destruir empresas, um dilema para o qual Matt Mason, autor do livro “The Pirate’s Dilema” admite não ter ainda resposta.

[caption]Matt MasonEm Portugal para dar uma conferência com a Toshiba a propósito da visita do presidente da empresa nipónica, Matt Mason conversou com o TeK sobre estas questões e os novos desafios de cultura que as empresas produtoras de conteúdos enfrentam para manter o seu modelo de negócio e combater a pirataria, o que pode significar que “se não os consegues vencer... copia-os”...

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TeK - Pode explicar qual é o dilema dos Piratas que descreve no seu livro?
Matt Mason - O dilema dos piratas é o problema que todas as empresas e pessoas enfrentam quanto à informação electrónica e a outro conteúdo também. E o problema é que podemos todos agir como piratas, partilhando conteúdos de formas que antes não podíamos. Mas também podemos ser pirateados e a questão é: como devemos responder a esta nova realidade? Devemos abraçar a pirataria como uma nova forma de nos organizarmos, de comunicar, de construir novos modelos de negócio, ou algo contra o qual devemos lutar e tentar limitar?

E é um dilema porque há sempre duas repostas para isso. A pirataria como tentámos defini-la é a partilha de informação electrónica de novas formas, não convencionais, é por vezes uma forma de garantir inovação e novos modelos de negócios. Mas outras vezes é muito mau, lesando criadores de conteúdos e dizimando mercados.

Na verdade é uma linha muito ténue quando estamos a pensar na forma de responder.

TeK - Não tem portanto uma resposta...
M.M. - Não, é um dilema. Penso que é demasiado complexo para haver só uma pergunta. Porque dos dois lados do debate há casos que justificam cada uma das opções, por isso tavez a resposta esteja algures no meio...

TeK - Parece-lhe que diferentes respostas podem aplicar-se a mercados diferentes, produtos e negócios diferentes?
M.M. - Absolutamente. E penso que é preciso perceber que se os piratas estão de alguma forma a adicionar valor de uma maneira que a indústria não está a conseguir fazer, então a resposta não é lutar contra eles. E se virmos o que aconteceu à indústria discográfica nos últimos 10 anos, o problema não foi tanto a pirataria, mas o facto da indústria não ter conseguido responder da forma adequada. O que fizeram foi lançar processos judiciais para fechar os serviços mas, porque a maioria dos consumidores queria consumir música em MP3 e leitores de MP3 e não em CDs, nunca iriam ganhar. Logo que fechavam um serviço pirata surgia outro ao lado. E por isso tem sido uma batalha perdida...

TeK - Neste caso parece-lhe que a indústria devia ter respondido com a disponibilização de música sem DRMs?
M.M. - Sim e acho que agora estamos a ver isso, com serviços que estão a surgir com músicas sem DRM, como o da Amazon. Veja bem, a Apple não deveria ter conseguido ganhar uma quota de mercado como a que conseguiu... Isso aconteceu porque a indústria não conseguiu unir-se e fazê-lo...

A ideia de competir com os piratas copiando-os, fazendo hacking ao seu modelo de negócio, foi o que aconteceu nesse caso. E já vimos acontecer o mesmo noutros mercados.

TeK - As pessoas copiam conteúdo digital e não digital e sobretudo os jovens não vêem actualmente a diferença entre copiar conteúdo protegido e não protegido. Acha que poderá ser um desafio para o futuro?
M.M . - Penso que essa é uma boa questão. E não vale a pena dizer aos miúdos que isto é errado e que não o devem fazer, porque isso torna a pirataria mais fixe. Acho que a melhor forma de contornar este problema é estabelecendo uma norma social onde se paga pelo serviço. Se olharmos para os serviços de TV por subscrição, nos EUA toda a gente paga 25 dólares por mês para ver uma série de filmes. E as pessoas pagam porque estão habituadas a isso e se alguém dissesse: “vale mesmo a pena?” provavelmente iriam concluir que não... Mas na verdade existem muitos modelos assim.

Um bom exemplo de adesão é a forma como a indústria de videojogos está a usar os serviços online para as pessoas jogarem... Há muitos modelos que se podem usar que têm esta ligação à ideia de que em algum momento temos de pagar o serviço, ou para fazer o download dos conteúdos. E há muitas coisas que as pessoas realmente valorizam e querem.
O problema é quando as empresas não estabelecem as regras dizendo que os conteúdos estão disponíveis e que para ter acesso tem que se pagar, em vez de dizerem: não, isto não está disponível e as pessoas têm de o piratear.
Estive a trabalhar com a cadeia de televisão norte americana ABC e eles tinham um problema com muita gente que pirateava os seus programas, com imensas TVs piratas surgir na Internet. E não conseguiam fechá-los. Por isso criaram o seu site pirata. E agora cada vez que uma série como o Lost é exibida na TV, eles colocam no seu site e conseguem rentabilizar também a publicidade. Não canibalizaram a área de broadcast e conseguiram mais uma forma de obter receitas.
Todas as tecnologias disruptivas, e não só a pirataria, quando surgem fazem com que o dinheiro se mova e não apenas o mercado. Na música o dinheiro deixou de ir para a indústria e agora é gasto m merchandising em concertos... Esta geração de jovens é a que mais gasta em música por unidade na história do mundo. A razão são os toques de música... As pessoas vão continuar a gastar dinheiro nas coisas se de alguma forma um dos elementos se torna grátis. Só temos de encontrar o modelo certo.

TeK - Não acha que podemos ter chegado a um ponto de não retorno para alguns conteúdos, como vídeo e música? Porque quem se habituou a obter esses conteúdos de forma grátis não vai querer pagar outra vez por eles...
M.M. – Há varias respostas para isso... Sim, as pessoas não vão pensar duas vezes em piratear (roubar) uma música, mas também depois podem gastar centenas de euros para irem ver um concerto ou um artista. E o preço dos concertos tem vindo a subir.... Porque a música se tornou mais importante, mais acessível, a parte rara da música é a performance ao vivo e por isso o valor desses concertos subiu, ao mesmo tempo que o valor da música gravada se aproximou do zero. Por isso vê que ainda há valor na música, só que não está em vender CDs.

Outra boa questão é que quando o dinheiro se move assim há mais oportunidades. Se os piratas estão a fazer algo que o mercado não faz é uma forma de ver que o mercado está a falhar. O mercado não responde e os piratas respondem.
E é por isso que acho que a pirataria tem vindo a produzir inovações consistentes em todo o tipo de negócios. Quando os piratas exploram uma forma de resposta ao mercado não é por estarem numa cruzada é porque querem ganhar dinheiro. E normalmente é uma boa ideia que responde às necessidades dos utilizadores. E o mercado podia responder e não os piratas...

TeK – Conhece certamente as licenças Creative Commons. Pensa que esta é uma forma mais equilibrada de responder ao licenciamento de conteúdos digitais?
M.M. - Sem dúvida. Estas licenças mostram que o Copyright é uma ferramenta muito mais sofisticada do que as pessoas pensam. Não é só uma regra mas um conjunto de regras, dá-lhe o direito de distribuir os conteúdos da forma como o criador quiser. Eu sou um produtor de conteúdos e também tenho de considerar o que são os conteúdos, quando devo vendê-los e quando devo oferecê-los...
Neste momento pode fazer o download do meu livro gratuitamente no meu website porque para mim o eBook não está a canibalizar as vendas do meu livro em papel. Se alguém imprimisse o eBook e tirasse o meu nome, por exemplo, então sentiria que me estavam a roubar.
Mas quando a pirataria não compete com a principal fonte de rendimento e talvez ofereça uma nova forma de rentabilizar os conteúdos é altura de competir, e acho que as licenças CC permitem às pessoas pensar nos seus direitos de uma forma mais completa e informada.

TeK - E o que pensaram os seus editores sobre a disponibilização gratuita do livro online?
M.M. - Bom eu perguntei-lhes antes de o fazer, antes de publicarmos o livro em papel, e... bom, o livro foi pirateado. Devo dizer que fiquei vaidoso, porque se alguém se dá ao trabalho de o fazer é porque pensa que os seus conteúdos valem a pena. A verdadeira ameaça aos autores não é a pirataria, é o anonimato...
Há tantos livros a serem publicados todos os anos nos Estados Unidos... em média são vendidos 500 livros de cada um...

TeK - Mas copiar o seu livro e não o citar já seria um problema...
M.M. - Sim, esse seria um problema. Por isso este é também um dilema, porque uma coisa é querer divulgar a obra e disponibilizá-la e outra é não receber os créditos.

TeK - Os Governos e as indústrias estão a apertar o cerco à cópia de conteúdos, especialmente na Europa onde vemos o caso de França. O que pensa deste movimento?
M.M. – Penso que a ideia de que se pode controlar o que está a acontecer à indústria neste momento é quase nostálgica, como um amigo meu escreveu. A própria ideia dos DRM é nostálgica porque recorda um tempo em que se podia controlar a informação com a ideia de que era escassa e finita, mas não é, é infinita e abundante.
Provavelmente o que estas leis vão fazer é obrigar os piratas a procurar novas formas mais sofisticadas de copiar, encriptando cada pacote. E é impraticável pensar que se vai poder verificar todos os pacotes. Vai ser impossível de gerir a curto prazo e os ISPs e os Governos já não têm todo o poder. Pode demorar algum tempo até perceberem mas eles vão ter de entendê-lo... E na verdade não penso que aquilo porque estão a lutar valha realmente a pena. É melhor as pessoas terem privacidade e liberdade de expressão do que tentar garantir que algumas empresas se mantenham na indústria.
A indústria criativa não vai desaparecer de todo. Em toda a história da humanidade, mesmo antes de haver dinheiro, sempre houve formas de recompensar os membros criativos da sociedade. Por isso a questão não é pensar que a criatividade pode desaparecer mas que algumas empresas podem desaparecer.

TeK - Temos estado a falar só de música e vídeo. Acha que este conceito se aplica também ao software?
M.M. – O software é um caso interessante porque ainda se vende software e pode-se ainda ganhar muito dinheiro. O opensource não conseguiu mudar este mercado, apesar de ter garantido alternativas válidas e muito interessantes. Mas o Linux não canibalizou totalmente o Windows porque a Microsoft faz produtos que as pessoas gostam e entendem e estão habituadas a pagar... É uma norma social que está estabelecida de pagar pelo software, o que por exemplo não acontece na China onde 95% do software é pirateado...

Mas isto são questões que não se aplicam apenas aos conteúdos digitais. Veja por exemplo a moda. Há muitas queixas pelas cópias de malas e todo o tipo de produtos, mas a moda é uma indústria baseada no direito dos designers se copiarem uns aos outros. Se não fosse assim não existiriam tendências... Por isso temos um designer que cria os jeans slim que se torna moda e todos copiam...

Fátima Caçador