Por Luis Bravo Martins (*)

No início de Abril, a OCDE publicou o “Immersive Technologies Policy Primer”, um  documento essencial para que governos e instituições compreendam o potencial das tecnologias imersivas. Além de ilustrar como a realidade virtual, aumentada e mista estão a amadurecer rapidamente, demonstra como o gaming representa menos de 10% do mercado. O impacto das tecnologias imersivas é uma mudança transversal na indústria, no turismo, na logística que se está a realizar e existe por isso a necessidade urgente de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável e ético deste movimento.

Um dos aspetos mais relevantes do relatório é a ênfase no potencial transformador das tecnologias imersivas combinadas com gémeos digitais (digital twins). Estas réplicas digitais de ambientes físicos permitem testar cenários, otimizar operações e antecipar comportamentos em setores tão diversos como a saúde, a mobilidade urbana, a produção industrial ou o planeamento energético. Com eles, um hospital pode simular fluxos de emergência antes de uma intervenção real. Uma cidade pode prever o impacto de alterações urbanísticas com dados reais. Uma fábrica pode detetar falhas antes que estas aconteçam. Estamos perante um novo paradigma de simulação, com impacto real na gestão de empresas, formação de recursos e até na área financeira e seguradora.

Uma nova aposta estratégica

Mas este potencial não se realiza por si só. Requer talento, imaginação e capacidade de execução. É aqui que se abre uma oportunidade estratégica para a Europa — e para Portugal em particular — apostar numa abordagem que conjugue  o seu talento técnico e criativo com os seus princípios de sempre.

Na Europa, essa oportunidade já está ser explorada desde 2023 e a ultima duma série de iniciativas nesta área é a Virtual Worlds Toolbox. Esta toolbox não é apenas um repositório técnico que oferece a cidadãos, empresas e administrações ferramentas práticas para explorarem e criarem nestes novos espaços digitais— é uma declaração de intenções. Ao fornecer modelos e recursos acessíveis a todos, quer democratizar a criação de experiências virtuais e permitir que todos possamos criar os sites desta nova web que estamos a construir.

Ao capacitar comunidades locais e criadores independentes, garantimos que a nova web não fica apenas nas mãos de grandes plataformas e promovemos um ecossistema mais diverso, sustentável e europeu por natureza.

Exportação de serviços remotos qualificados

Mas é público o volume de riscos inerentes à utilização em escala destas tecnologias. A utilização crescente destas não acompanha a nossa capacidade de análise e prevenção e isso cria solo fértil para agentes de disrupção e atividades criminosas, sobretudo no presente contexto internacional.

Portugal tem vindo a afirmar-se como um hub de cibersegurança e serviços digitais especializados, com talento reconhecido a nível internacional. No âmbito desta estratégia europeia para os mundos virtuais, existe agora uma janela de oportunidade para criar centros de conhecimento que combinem essa expertise com tecnologias imersivas.

Pólos onde criadores, developers, experience & product designers trabalhem com especialistas em segurança para publicar mais experiências e mundos imersivos alinhadas com os valores europeus de ética, privacidade e segurança. Esta extensão das nossas competências em AI, digital twins, XR e cibersegurança abre caminho para a criação de uma oferta com impacto, exportável e necessária.

A confiança digital é hoje um dos ativos mais valiosos duma nação e o nosso país tem a agilidade, a criatividade e a base tecnológica necessárias para servir os restantes países com estas competências.

Segurança como vantagem competitiva

Num mundo cada vez mais moldado pela inteligência artificial, convergência tecnológica e pela corrida à automação, não há tempo para estimar riscos e pesar responsabilidades. Num mundo em que a luta contra a desinformação e a manipulação não é prioridade para alguns dos maiores players no mercado, a segurança e a confiança digitais tornam-se assim mais do que necessidades técnicas — são fatores diferenciadores no mercado.

A Europa, com o seu foco em direitos digitais, privacidade e ética, pode transformar esta exigência em vantagem competitiva. E Portugal, com a sua tradição de inovação criativa e capacidade de atração de talento, tem hoje uma oportunidade de estabelecer o seu objetivo neste mercado emergente e criar a sua marca.

Cabe-nos agora escolher, mais uma vez, entre ser seguidores ou criar uma politica pública que tenha significado para a próxima versão da web – a qual está a ser construída neste momento.

(*) Vice-Presidente da XR Safety Intelligence - Europe