Ana Teresa Serafino (*)

Foi recentemente publicada a decisão de adequação da Comissão Europeia, que vem estabelecer um novo paradigma para a transferência, para os EUA, de dados pessoais de cidadão da União Europeia – o chamado “EU-US Privacy Shield” (“Privacy Shield”).

O Privacy Shield veio substituir a anterior decisão de adequação – conhecida como “Safe Harbor” –, à luz da qual eram processadas as transferências de dados pessoais de cidadãos europeus para os EUA, a qual veio a ser invalidada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, que considerou que a mesma não era apta a salvaguardar os direitos dos titulares nas transferências dos dados pessoais da União Europeia para os EUA.

Ora, este novo instrumento introduz um sistema de autocertificação para empresas americanas que pretendam tratar dados pessoais de cidadãos da União Europeia, através do qual as organizações americanas se comprometem a respeitar um conjunto de princípios relativos à privacidade dos dados pessoais que recebam da União Europeia.

A vinculação a estes princípios obrigará as empresas americanas a, nomeadamente, fornecer informações essenciais aos titulares dos dados, limitar o tratamento dos dados a determinadas finalidades e providenciar mecanismos de fiscalização do cumprimento destes princípios, bem como de recurso para os titulares dos dados contra tratamentos de dados ilegítimos.

Em concreto, a adesão das organizações americanas aos princípios do Privacy Shield permitir-lhes-á garantir um nível de proteção adequado no que respeita à transferência de dados pessoais a partir da União Europeia, uma vez que este novo instrumento tornará os processos mais transparentes, restringirá os acessos aos dados por parte das autoridades dos Estados Unidos (o qual será supervisionado), e eliminará expressamente a possibilidade de acesso indiscriminado ou em massa a tais dados pessoais. Os acessos ilegítimos, por sua vez, serão fortemente sancionados.

Com o Privacy Shield, saem também reforçados os direitos dos titulares dos dados, no que respeita aos modos de reação contra o acesso ou uso indevidos dos seus dados pessoais. Assim, as empresas americanas que tratem os dados serão obrigadas a responder a queixas que lhes sejam dirigidas pelos titulares num prazo máximo de 45 dias. Em alternativa, os titulares dos dados poderão recorrer a entidades independentes de resolução de litígios, ou às autoridades nacionais de proteção de dados pessoais (em Portugal, a Comissão Nacional de Proteção de Dados), as quais devem cooperar com as autoridades americanas para solucionar as queixas recebidas. Foi ainda criada uma lista de árbitros especializados, selecionados pelo Department of Commerce americano e pela Comissão Europeia, com vista a incentivar o recurso à arbitragem para litígios neste âmbito.

Em termos práticos, o Privacy Shield implicará um maior esforço de adaptação para as empresas americanas que pretendam tratar dados pessoais de cidadãos da União Europeia, na medida em que lhes se deverão autocertificar anualmente, garantindo o cumprimento dos princípios e requisitos do Privacy Shield; divulgar publicamente tal certificação; responder de forma célere e eficaz às queixas dos titulares, e ainda cooperar ativamente com as autoridades nacionais de proteção de dados – americanas e europeias.

No entanto, os cidadãos europeus beneficiarão de maior transparência, segurança e proteção nas transferências dos seus dados pessoais para os Estados Unidos, e de meios de resolução de queixas mais céleres e com menos custos.

Assim, o Privacy Shield pretende agilizar a transferência de dados pessoais entre a União Europeia e os EUA, impondo, porém, obrigações mais exigentes aos agentes norte-americanos, por forma a garantir o respeito pelos princípios de tratamento de dados pessoais.

Apesar de todos os méritos no reforço dos direitos dos titulares nas transferências de dados pessoais para os EUA, a dúvida mantém-se: será o Privacy Shield suficiente para garantir um nível de proteção adequado, na ótica do Tribunal de Justiça da União Europeia? Resta aguarda por posteriores desenvolvimentos.

 

(*) Advogada-Estagiária de PLMJ