Por Patrícia Santos (*)
Desde o lançamento do ChatGPT no final de 2022, muito se tem falado sobre o impacto da inteligência artificial (IA) na forma como trabalhamos e vivemos. Duas orientações distintas têm dominado as discussões: a via da catástrofe, onde a IA pode destruir milhões de postos de trabalho, ou até, numa perspetiva ainda mais dramática, enquanto ameaça à humanidade. E, a via da "humanidade aumentada", que enfatiza a necessidade de upskilling e reskilling para nos adaptarmos a uma nova forma de trabalhar e aprender, apoiada pela IA, mas sempre com os humanos no papel de condutores.
Apesar das cautelas naturais, a IA oferece benefícios interessantes em todos os setores, incluindo a formação. No Digital Studio, do Grupo Cegos, temos explorado o uso de ferramentas de IA para melhorar e acelerar os processos para a produção da nossa oferta.
Qual é, então, o impacto da IA na aprendizagem digital hoje e num futuro próximo?
IA no Design Instrucional
Desde fevereiro deste ano que utilizamos o ChatGPT como auxiliar na estruturação inicial de conteúdos, na definição de objetivos, no resumo de ideias-chave, na criação de questionários e exercícios, entre outros. Os algoritmos produzem resultados aparentemente bons, pois são projetados para gerar conteúdos com base nas palavras estatisticamente mais prováveis. No entanto, embora as respostas sejam convincentes, nem sempre são necessariamente verdadeiras. Realizámos várias sessões de brainstorming com o ChatGPT e constatámos que ele acelera o processo de desenvolvimento, mas a validação final por um especialista é sempre indispensável.
IA na Produção
Possivelmente, o maior impacto está na forma como podemos utilizar ferramentas de autor, "IA empowered", para criar vídeos, imagens, áudio, etc. Começámos, há muito tempo, com as ferramentas de tradução para converter conteúdos em vários idiomas, sempre validados por um especialista. No início deste ano, decidimos avaliar diversas ferramentas para a produção de vídeos de formação, um processo tradicionalmente complicado, dispendioso, e que dificulta a manutenção e atualização do conteúdo. Ferramentas como o Synthesia permitem-nos gerar automaticamente vídeos com avatares semelhantes a humanos, com base nos guiões escritos pela equipa. Embora essa abordagem tenha trazido vantagens na produção de micro-vídeos em vários idiomas, as reações nos testes realizados com vários utilizadores foram mistas: alguns apreciam a abordagem, enquanto outros sentem falta de autenticidade e distraem-se com os “tiques” do avatar.
Também foram testadas outras ferramentas, como o Dall-e, para gerar imagens com base em instruções. No entanto, optou-se por não utilizar esses conteúdos, enquanto as questões legais relacionadas aos direitos autorais não estiverem devidamente esclarecidas.
Interação com o Aluno
Com os novos modelos de linguagem usados pela IA, é possível estabelecer conversas com padrões de escrita quase humanos, o que abre caminho para novas formas de interação durante o processo de formação. Embora seja improvável que a IA substitua os formadores e coaches num futuro próximo, essas ferramentas oferecem aos alunos a oportunidade de praticar competências transversais e receber feedback personalizado, exatamente quando precisam.
À primeira vista, estamos a entrar num mundo impressionante. No entanto, assim como em qualquer avanço tecnológico, existem limitações e armadilhas a serem consideradas.
Em primeiro lugar, é necessário levar em conta as dimensões éticas. Os modelos de linguagem utilizados pela IA são baseados em conteúdos existentes produzidos por seres humanos, o que acarreta implicações nos direitos de propriedade intelectual dos autores originais. Já surgiram processos legais relacionados a esse tema.
A IA também apresenta outras limitações significativas que restringem sua aplicação na formação. Desde logo, não consegue fornecer respostas corretas sem um “prompt” adequado (como posso perguntar o que não sei?). Não é capaz de realizar ações físicas no mundo real, para além de não reconhecer nem conseguir fornecer feedback adaptado às necessidades pessoais, emocionais e sociais do formando. Por fim, não pode fazer julgamentos que exijam raciocínio moral ou ético.
Com o tempo, essas limitações tendem a diminuir, mas é necessário discutir e implementar limites legais para o seu uso.
Não há dúvida de que a IA desempenhará um papel muito mais importante na aprendizagem nos próximos anos. No entanto, uma das lições apreendidas durante a pandemia foi que a abordagem digital pode gerar cansaço, e a necessidade de contato humano permanece. Acreditamos que o futuro da formação será híbrido, mas o elemento humano, em todas as etapas, não vai, nem deve, desaparecer.
(*) Group Chief Corporate Offer & Solutions Grupo Cegos, Cegoc
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