O telescópio espacial James Webb está novamente no centro de mais uma descoberta cósmica, que desta vez tem também “mão” de um investigador português. Observações recentes revelaram dióxido de carbono nos gelos para lá de Neptuno, informação que pode vir a ser importante para ajudar a perceber a origem da vida na Terra.

Os cientistas pensam que os objetos gelados para lá da órbita de Neptuno – os transneptunianos, a mais de 30 vezes a distância que a Terra está do Sol - terão conservado nos seus gelos a composição química original do disco de material de onde se formaram os planetas e os outros corpos do Sistema Solar.

Uma equipa internacional que inclui Nuno Peixinho, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), publicou os resultados do primeiro estudo na luz infravermelha de um conjunto significativo de objetos transneptunianos. Entre os 59 corpos gelados observados com o telescópio espacial James Webb, foi encontrado pela primeira vez gelo de dióxido de carbono - CO2 no estado sólido, designado “gelo seco” -, e quase metade desses corpos têm também gelos de monóxido de carbono (CO).

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Era previsível que o dióxido de carbono existisse também nos objetos que se encontram para lá da órbita de Neptuno, já que é uma molécula comum no Sistema Solar, sendo o principal ingrediente das atmosferas de Vénus e Marte. Foi detetado em abundância nas caudas de cometas e em pequenos corpos gelados à mesma distância do Sol que os planetas gasosos, designados Centauros.

Porém, ainda não tinha sido detetada até agora, provavelmente devido à grande distância. Além disso, certas assinaturas que o dióxido de carbono inscreve na luz solar refletida pelos transneptunianos encontram-se na banda do infravermelho, que só é possível identificar com confiança com instrumentos no espaço, como os do telescópio espacial James Webb.

“Não era esperada esta intensidade de dióxido de carbono. A conclusão imediata é a de que estes objetos se formaram mais perto do Sol do que estão hoje”, diz Nuno Peixinho, citado em comunicado, referindo-se ao conjunto de objetos gelados distantes onde terão tido origem alguns dos cometas que visitam os céus terrestres.

“É algo que já outros estudos sobre outras propriedades indicavam desde há alguns anos. Aparentemente, o gelo de CO2 nas fases de formação do Sistema Solar terá sido bem mais estável do que se supunha, para explicar que exista tanto nos dias de hoje”, acrescenta o especialista.

Uma parte dos corpos agora observados apresenta pouco dióxido de carbono e nenhum monóxido de carbono (CO) na sua superfície. Um segundo grupo, onde foi encontrado monóxido de carbono, apresenta a maior quantidade de dióxido de carbono. A descoberta de muito gelo de monóxido de carbono é a outra grande novidade.

Este trabalho é o produto de um dos primeiros projetos que observaram com o telescópio espacial James Webb, “Discovering the Compositions of Trans-Neptunian Objects, Icy Embryos for Planet Formation (DiSCo-TNOs)”, a cuja equipa pertence Nuno Peixinho. As observações com o James Webb no infravermelho foram comparadas com as propriedades já conhecidas na observação de Centauros e transneptunianos na luz visível, área em que o investigador português trabalha há mais de 20 anos.

Com os 300 objetos já observados dessa forma foram identificadas pelo menos três famílias de transneptunianos quanto à sua natureza química. Este estudo das moléculas CO2 e CO com o James Webb permitiu identificar apenas duas. Uma vez que se supõe que estes objetos se formaram numa vastíssima região entre a atual órbita de Saturno e bem para lá de Neptuno, os cientistas esperavam uma maior diversidade.

Os próximos passos vão passar, por isso, pela simulação computacional da evolução destes objetos e pelo repensar novas experiências em laboratório sobre a formação e evolução de gelos em ambientes muito frios, no vácuo, e sob radiação.