O sector da medicina e bem-estar continua a enfrentar desafios constantes, por um lado, o aumento dos preços dos tratamentos, operações e da tecnologia utilizada com os pacientes, que cada vez mais necessitam de soluções personalizadas. A tecnologia de impressão 3D também pode ser utilizada nesta indústria, seja no formato de ferramentas, na produção de elementos de treino ou mais importante, ainda que algures no futuro, o transplante de órgãos humanos por substitutos impressos.

A impressão 3D permite uma ação bastante rápida, adaptando-se aos mais diversos cenários. Durante a pandemia de COVID-19, os hospitais tiveram necessidade de reforçar os equipamentos médicos nos hospitais e veja-se como a startup Fan3D imprimiu viseiras de segurança para os profissionais hospitalares. Ou a iniciativa Tech4Covid que ajudou a SiMoldes a adaptar-se e também produzir mais de 200 mil viseiras impressas em 3D durante a pandemia.

Mas é preciso mudar as regras do jogo para fazer frente a outro tipo de preocupações na área médica. A utilização de células vivas como matéria-prima, permitindo desenvolver soluções tecnológicas de impressão biológica que permitam replicar os tecidos humanos e um dia replicar os órgãos humanos. A crise na falta de órgãos de doadores e os elevados custos nos procedimentos da transplantação podem ser resolvidos através da impressão 3D.

Vital 3D
Microfluídos impressos. Créditos: Vital 3D

É exatamente essa a visão da Vital 3D, uma jovem startup localizada em Vilnius, na Lituânia. É composta por uma equipa de oito pessoas, onde se incluem especialistas em lasers, biotecnologia, programação de software e engenharia mecânica. Como explicou em entrevista ao SAPO TEK, Vidmantas Šakalys, CEO da Vital 3D, a startup pretende ser líder na tecnologia de bioimpressão 3D em medicina personalizada, oferecendo serviços e ferramentas para as terapias dos pacientes. E isso inclui, claro, a impressão de órgãos humanos de tamanho natural com sistemas vasculares complexos.

A elevada procura dos órgãos e a falta dos mesmos podem levar à perda de vidas ou diminuir a esperança de vida dos pacientes. “Ao imprimir com sucesso órgãos humanos para transplante podemos salvar muitas vidas”. Vidmantas Šakalys não tem problemas em afirmar que a impressão 3D, no geral, pode oferecer peças sobressalentes em tempo oportuno e onde são necessárias. “Sejam peças suplentes para uma nave espacial ou para um humano. No futuro, iremos ter a possibilidade de imprimir qualquer coisa que precisemos reparar, sem a necessidade de sair de casa”.

Utilização prática da impressão 3D na área da cirurgia

O CEO da Vital 3D explica que a impressão 3D de órgãos é uma área médica que está a avançar rapidamente, “mas ainda não chegou a um ponto onde órgãos humanos totalmente funcionais e transplantáveis podem ser impressos”. Afirma que existem estudos publicados de impressões 3D de órgãos de animais concluídos com sucesso, mas que o salto para a transplantação humana ainda está no futuro.

Vidmantas Å akalys, CEO of Vital 3D
Vidmantas Å akalys, CEO daVital 3D.

Ainda assim, Vidmantas Šakalys listou diversos elementos biológicos que já podem ser impressos em 3D. Modelos de tecidos e órgãos podem ajudar os cientistas a compreender melhor os mecanismos de funcionamento e de doença. Os cientistas podem imprimir órgãos em miniatura (conhecidos como organoids) para serem usados nos testes de medicamentos, modelos de doença e medicinas personalizadas. Da mesma forma que podem ser criados modelos cirúrgicos que são réplicas específicas dos órgãos e ossos dos pacientes que podem ser usados para os cirurgiões planearem e praticarem as respetivas cirurgias.

Na medicina dentária já se fazem implantes impressos em 3D para criar coroas, pontes e implantes personalizados. As próteses de membros do corpo ou ortopédicos também podem ser construídas através da impressão 3D para serem mais confortáveis e eficientes. Os moldes obtidos do ouvido dos pacientes permitem também uma maior personalização através da impressão 3D dos componentes dos aparelhos de audição. A lista partilhada por Vidmantas Šakalys continua com outros exemplos de como a impressão 3D tem sido importante na medicina, direta ou indiretamente, incluindo ferramentas, equipamentos de entrega de medicamentos ou guias usadas em cirurgias ortopédicas para garantir a colocação exata dos implantes.

Questionado sobre os principais desafios que a tecnologia de impressão 3D dos órgãos transplantáveis ainda tem pela frente, Vidmantas Šakalys explica que toda a complexidade biológica do transplante, a necessidade de compatibilidade e funcionamento a longo tempo são as principais barreiras. A criação de vasos sanguíneos de tecidos impressos continua a ser outro grande desafio. “Sem uma rede vascular funcional, é difícil de manter os órgãos impressos em 3D vivos e a funcionar”.

Explicando mais a fundo os desafios de imprimir e transplantar órgãos, os tecidos de vascularização são necessários para distribuir a quantidade necessária de sangue aos órgãos, vitais para o seu funcionamento próprio. Garantir que os órgãos impressos em 3D não sejam rejeitados pelo sistema imunitário do recetor e que são compatíveis com o seu corpo. Depois existem os fatores de replicação da complexidade dos tecidos com os múltiplos tipos de células.

A viabilidade a longo prazo dos órgãos 3D, assim como a sua capacidade de funcionamento e integração no corpo humano ainda está em fase de investigação. E por fim, segundo Vidmantas Šakalys, ainda é necessário criar todas as considerações regulatórias e éticas que vão impactar fortemente o desenvolvimento e testes dos órgãos impressos em 3D. Por ser uma nova tecnologia, no início esta terá custos superiores do que os transplantes tradicionais com órgãos doados.

E quando será viável as primeiras bioimpressões 3D de órgãos humanos? Segundo o líder da Vital 3D, a maioria dos investigadores que estão a estudar esta área concordam de que nos próximos 15-20 anos seja razoável apontar para o primeiro órgão humano impresso em escala total. “À medida que a tecnologia progride e a nossa compreensão da biologia se aprofunda, é possível que uma vasta variedade de partes de corpos humanos, desde a órgãos complexos a tecidos intricados, possam ser acessíveis para impressão 3D e transplantação no futuro”.

Vital 3D
Créditos: Vital 3D

Para o investigador, os tecidos e órgão poderão ser desenhados para encaixar na fisiologia e sistema imunitário do recipiente, melhorar a eficácia do tratamento e potencialmente reduzir as complicações pós-cirúrgicas. E como resultado dessa biocompatibilidade, os órgãos impressos vão reduzir a dependência dos medicamentos destes tratamentos, que ainda são necessários nas cirurgias tradicionais.

Outra vantagem nos avanços de bioimpressão 3D é a possibilidade de a tecnologia ser partilhada globalmente, reduzindo a necessidade dos pacientes terem de viajar longas distâncias para receber o tratamento médico especializado.

Veja o vídeo

Apesar de ainda não se conseguir imprimir em 3D órgãos totalmente funcionais, investigadores da Wyss Institute conseguiram criar uma parte funcional de um coração. A parte em questão é um macrofilamento com capacidade de contração que mimica o comportamento dos verdadeiros componentes de um coração.

Em 2023, um grupo de cientistas da Harvard John A. Paulson School of Engineering and Applied Sciences (SEAS), nos Estados Unidos, criou uma tinta à base de hidrogel, contendo fibras de gelatina, que dão às células musculares a possibilidade de se alinharem e replicarem batimentos cardíacos humanos. Os cientistas detalham que as atuais técnicas de impressão 3D não têm sido capazes de replicar com sucesso o alinhamento de cardiomiócitos, as células responsáveis por transmitir sinais necessários para assegurar as contrações do músculo cardíaco.

Nota da Redação: Este artigo faz parte de um dossier sobre impressão 3D que o SAPO TEK está a publicar esta semana. Continue a acompanhar os artigos