Os dados recolhidos por satélites como o Copernicus Sentinel-5P têm ajudado os cientistas a perceber o impacto da COVID-19 nas atividades terrestres. Agora, um novo projeto que reúne a NASA, a Agência Espacial Europeia (ESA) e a Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial (JAXA) promete trazer ainda mais informações sobre as consequências da pandemia a nível global.

A partir de hoje, o COVID-19 Earth Observation Dashboard vai disponibilizar mais facilmente dados open-source sobre as principais mudanças na qualidade do ar, da água e do clima, assim como as alterações causadas pela propagação da doença nas atividades económicas e na agricultura. Para já, as informações presentes na versão 1.0 do dashboard estão apenas em inglês, mas as agências indicam que, no futuro, será disponibilizado suporte a outras línguas.

Numa teleconferência transmitida através dos headquarters da NASA, em Washington, juntam-se representantes das três agências espaciais para dar a conhecer mais sobre aquela que é vista como uma colaboração sem precedentes entre a NASA, ESA e JAXA.

Depois de dadas as boas-vindas à plateia virtual, Josef Aschbacher, diretor dos programas de observação terrestre da ESA, em Itália, explica que os últimos meses foram muito desafiantes devido ao contexto da pandemia de COVID-19. O responsável indica que a crise levou a ESA a pensar em novas formas de pôr a observação terrestre ao serviço do público.

O diretor afirma que, uma vez que a pandemia de COVID-19 tem um impacto à escala global, as três agências espaciais decidiram reunir esforços para criar em tempo recorde o dashboard informativo, com as equipas a trabalhar dia e noite no projeto. “Temos uma obrigação de disponibilizar esta informação ao público”, elucida Josef Aschbacher.

 “É em tempos de crise que somos levados a pensar em novas formas de resolver os problemas”, sublinha Thomas Zurbuchen, administrador científico da NASA, e é neste momento em que a colaboração entre as agências espaciais se torna essencial. O responsável indica que a NASA, a ESA e a JAXA tomaram consciência de que tinham de agir rapidamente para disponibilizar a informação recolhida pelos satélites espaciais.

Já Koji Terada, vice-presidente e diretor geral de tecnologias espaciais da JAXA, afirma que o impacto da COVID-19 no mundo é imenso e, à semelhança da NASA e da ESA, levou a agência japonesa a querer ser um agente de mudança através dos seus satélites e a ajudar a perceber como é que os dados recolhidos podem ser utilizados para gerir as consequências da crise.

O que nos pode dizer o COVID-19 Earth Observation Dashboard acerca dos impactos económicos da COVID-19 no mundo? Shin-ichi Sobue, gestor do projeto do Advanced Land Observing Satellite-2 (ALOS-2), explica que o dashboard pode, por exemplo, dar mais informações sobre o nível de movimentação de veículos em cidades.

O gestor dá o exemplo da utilização do ALOS-2 para perceber a densidade do trânsito em cidades como Pequim, mas também da movimentação dos barcos no porto de Singapura. O satélite permitiu ainda ver as deslocações noturnas em cidades como São Francisco, nos Estados Unidos, e localizar os centros de maior atividade.

COVID-19 Earth Observation Dashboard
COVID-19 Earth Observation Dashboard créditos: NASA Goddard Space Flight Center

Quando à determinação da qualidade do ar à volta do mundo, Ken Jucks, gestor do projeto de investigação da camada superior da atmosfera na NASA, demonstra as concentrações dos níveis de NO2 (dióxido de nitrogénio) nos Estados Unidos antes e depois do período da pandemia. No dashboard será possível verificar as emissões em cidades como Los Angeles, Tóquio, Pequim, Paris e Madrid.

O gestor esclarece que a determinação dos níveis de CO2 tem vários desafios em relação ao NO2, uma vez que tem um tempo de "vida útil" de vários séculos. No entanto, as observações terrestres feitas a partir do Espaço estão a evoluir para conseguir registar as emissões de dióxido de carbono com um maior nível de exatidão e demonstram reduções nas áreas urbanas de Nova Iorque, São Francisco, Tóquio e Delhi.

No que toca ao impacto na produção agrícola, Anca Anghelea, open data scientist para programas de observação terrestre da ESA, dá conta dos receios mundiais acerca das consequências da pandemia nas colheitas, que podem dar origem a uma crise na produção de alimentos. A cientista explica que o dashboard recorre a várias tecnologias, além daquela que é usada pelos satélites espaciais, para obter uma visão geral do estado da produção agrícola.

A teleconferência contou também com uma sessão de perguntas e respostas entre membros da plateia virtual e especialistas. Quando questionada acerca do tempo necessário para a atualização dos dados no dashboard, Anca Anghelea, explica que os indicadores serão atualizados consoante a configuração dos satélites, existindo um conjunto de algoritmos específicos para cada um deles concebidos para atuar e disponibilizar a informação exata assim que estiver disponível.

O conjunto de cientistas presentes dá a conhecer que o lançamento do dashboard se constitui como uma forma de potenciar a inovação trazida pelos satélites de observação terrestre e quando questionados acerca do porquê de ter sido criado o projeto, respondem que os dados são essenciais para poder gerir de uma forma mais eficiente a crise gerada pela pandemia.

Um dos participantes do público notou que muitos dos indicadores demonstram níveis semelhantes aos do período pré-COVID. Kevin Murphy da NASA elucida que, para já, ainda é difícil conseguir ter uma perceção total e clara do impacto da pandemia em todos os indicadores. Porém, começam já a registar-se alguns sinais na América do Sul e na China que estão a intrigar os cientistas.

Quanto ao NO2, Josef Aschbacher, explica que a diminuição dos níveis na Europa foi evidente – menos 50% durante a pandemia e implementação de medidas de isolamento social. Agora, à medida que se começam a aplicar medidas de desconfinamento, os níveis começam a subir aos poucos e no dashboard é possível constatar essa subida.

Poderão ser os dados do dashbord usados, por exemplo, para ajudar a lidar com outras crises, como a das alterações climáticas? De acordo com Ken Jucks, sim, mas de forma diferente: pois para colmatar essa crise é necessária uma ação mais profunda, e terão de ser reunidos mais esforços para adaptar o “molde” criado pelo projeto a essa situação.

O que nos dizem os dados de observação terrestre sobre o impacto da COVID-19?

De acordo com os dados recolhidos por satélites, as medidas de isolamento postas em prática por governos em todo mundo para conter a propagação da pandemia de COVID-19 causaram um decréscimo no nível de poluição mundial e uma melhoria da qualidade do ar.

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Em abril, os dados do Global Modeling and Data Assimilation Office da NASA revelam uma diminuição drástica das emissões de compostos poluentes em países como a China, a Coreia do Sul, a Itália e a Índia.

As imagens de satélite da ESA e da NASA já tinham mostrado anteriormente como os níveis de poluição tinham baixado na China com o período de quarentena imposto pela pandemia, que levou ao confinamento de pessoas e, por sua vez, à redução do tráfego de veículos com motor de combustão e à menor atividade industrial. No entanto, à medida que o país recupera da pandemia, começaram a aumentar gradualmente os níveis de poluição.

Na Europa, os mais dados do satélite Copernicus Sentinel-5P confirmam em meados de abril quebras do nível de dióxido de nitrogénio de 45-50% em comparação ao período homólogo do ano passado.

Já em Portugal, as imagens recolhidas pelo satélite e processadas pelos peritos do AIR Centre no início de abril demonstraram também uma redução drástica nos níveis de NO2. No caso de Lisboa a redução foi mais significativa, chegando aos 80% em alguns locais da capital, e no Porto a redução atinge os 60%.

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