A proposta da Comissão Europeia para renovar a legislação que protege os direitos de autor quer harmonizar as regras existentes entre o "mundo real" e o "mundo digital", mas nas últimas semanas o debate na Comissão de Assuntos Jurídicos e a votação no Parlamento Europeu fez reacender uma guerra que os eurodeputados admitiram ontem que está a tomar proporções “para além do aceitável”. Milhares de emails, chamadas e mensagens nas redes sociais tentam convencer os parlamentares a votar contra uma proposta de directiva que alegam poder acabar com a Internet como a conhecemos. E tudo indica que conseguiram fazer valer os seus argumentos.
A votação decorreu às 12 horas em Estrasburgo, 11 horas em Portugal, e depois de duas declarações iniciais os parlamentares votaram o adiamento da discussão da directiva para Setembro. Na sua alegação inicial, Axel Voss, o relator do grupo de trabalho, voltou a acusar as grandes tecnológicas de estarem a impedir um processo legislativo usando fake news, com pressões para além do justificável, mas isso não convenceu os eurodeputados. Mas também houve vozes a favor do chumbo da proposta.
Com 318 votos contra, 278 a favor e 31 abstenções, o Parlamento Europeu (PE) rejeitou o mandato de negociação para a Diretiva dos Direitos de Autor aprovado na comissão dos Assuntos Jurídicos no dia 20 de junho. Fica assim aberto caminho à votação de alterações ao texto, que será debatido e submetido à votação de todos os eurodeputados na sessão plenária que decorre de 10 a 13 de setembro, em Estrasburgo.
Depois da aprovação do relatório na Comissão de Assuntos Jurídicos, um grupo de deputados tinha conseguido bloquear a votação na terça feira, remetendo para hoje a votação para o plenário. Se a votação confirmasse a aprovação da Comissão de Assuntos jurídicos, as negociações entre o Parlamento Europeu e o Conselho podiam começar a qualquer momento com base no texto já aprovado. Se, por outro lado, a votação não confirmasse o mandato, a discussão seria remetida para a sessão plenária de Setembro, o que acabou por acontecer.
Na votação de Setembro os deputados podem decidir confirmar o mandato proposto pela comissão para a nova Diretiva, fazer alterações (significativas ou não), ou rejeitar a ideia de alterar a actual legislação de Direitos de Autor, mantendo tudo como está.
No centro da discussão gerada nas últimas semanas estão sobretudo dois dos artigos da proposta de diretiva, o artigo 13 e o artigo 11, que propõem a filtragem de conteúdos para validar o uso de material protegido por direito de autor, e a possibilidade de pagamento de uma taxa por partilha de links. Na prática isto quer dizer que se a directiva for aprovada será mais difícil usar na internet conteúdos que estão protegidos por direitos de autor, como vídeos e fotografias, e que na partilha de links, como notícias por exemplo, os utilizadores podem ter de pagar uma taxa aos jornais de onde a informação é originada.
Estas duas questões mobilizaram os internautas que aderiram a um protesto que conta com nomes como Tim Berners-Lee, mas também organizações como a Wikipédia, a Mozilla, a Google e ainda músicos e artistas. Os alertas foram mesmo ao ponto de considerar que se estava a criar uma "máquina de censura".
São estes protestos, muitos com sites organizados para o envio de emails pré-definidos com textos já pré-escritos, que inundaram as caixas de correio dos eurodeputados, sobretudo dos que estiveram envolvidos na Comissão de Assuntos Jurídicos mas também todo o plenário que foi hoje chamado a votar o relatório, e a possibilidade da directiva avançar para a negociação com a Comissão Europeia e o Conselho Europeu.
Os eurodeputados dizem que esta é uma campanha de fake news, como acusou ontem Alex Voss, o relator da directiva. “Estão a usar argumentos errados e não lêem o texto e descrevem cenários catastróficos”, afirmou, garantindo que o Parlamento Europeu não quer acabar com a Internet e que pretende defender os criadores, e criar um sistema mais justo onde as grandes plataformas não tiram partido das criações de outros para ganhar dinheiro.
“Queremos garantir que quando uma empresa de plataformas, e sublinho que são empresas, grandes empesas, que fazem milhões de euros usando o trabalho de outros, estas empresas devem pagar por ganhar dinheiro com a criação de outros. E queemos garantir que se optarem por não pagar pelos trabalhos de outros têm de aceitar que vão oferecer menos material”, referiu ontem em conferência de imprensa.
Ontem a eurodeputada Virginie Rozière foi mais longe e fez acusações diretas, afirmando que esta é uma campanha orquestrada pelas plataformas e empresas da internet, que estão por detrás de sites e de iniciativas de protesto. "Para mim esta reacção que estamos a ter é um sinal de que estamos a fazer as coisas bem. É sobretudo dos GAFA [Google, Apple, Facebook e Amazon]", afirmou e lamentou que estas empresas que se afirmam campeãs da transparência usem este tipo de armas, que já chegaram mesmo a ameaças de morte.
A deputada relatou o caso de jornais franceses que são apoiados com iniciativas da Google e que foram intimados a colocar nos seus sites informação contra a diretiva. E lembrou que em França o YouTube é responsável por 80% do streaming de música e que só paga menos de 3% das receitas dos músicos, fazendo concorrência desleal a empresas europeias como a Deezer e a Spotify que cumprem as regras.
Mas fora do circuito legislativo também há quem esteja do outro lado, e se tenha mostrado favorável à nova legislação. Paul MacCartney, um dos fundadores dos Beatles, escreveu uma carta aberta aos deputados a pedir para aprovarem a directiva porque a protecção dos direitos de autor é a base da economia que permite manter o ecossistema criativo.
Nota da Redação: A notícia foi actualizada com mais informação. Última actualização 12h40
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