À medida que a popularidade dos modelos de Inteligência Artificial generativa continua a crescer, com as tecnológicas a alinharem-se para concorrer com o ChatGPT, surgem também preocupações acerca do lado “negro” da tecnologia. Que riscos traz a utilização de ferramentas de IA nos processos eleitorais e qual o papel da desinformação nesta questão? A questão esteve no centro de uma sessão organizada pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), na Assembleia da República.
Durante a abertura, Augusto Santos Silva, Presidente da Assembleia da República, realça que com o surgimento de novas tecnologias surgem também novos desafios para as democracias. É certo que o fenómeno da desinformação não é algo novo, mas “a novidade está na amplitude e no alcance de meios tecnológicos que podem difundir quer a verdade quer a mentira à velocidade da luz”.
O Presidente da Assembleia da República defende que nós, enquanto sociedade democrática, não devemos ter uma atitude destrutiva perante estas novas tecnologias. “Não se trata de destruir estas tecnologias para salvar as instituições democráticas”, afirma.
As instituições podem beneficiar destas tecnologias, mas sob uma condição: que estas plataformas não sejam um “faroeste da democracia”, enfatiza Augusto Santos Silva.
“As tecnologias são parte da nossa democracia” e, por esse motivo, devem estar sujeitas a regulação e leis que sejam suficientemente “flexíveis” para acompanhar as suas especificidades. “Não sejamos os novos luditas (…) mas não consideremos que existe uma zona livre de regulação para as redes e plataformas digitais”, enfatiza.
Qual poderá ser a resposta para a desinformação? “Precisamos de factos. Precisamos de factos confirmados e averiguados da forma que define o jornalismo”, defende Augusto Santos Silva, apelando às redes e plataformas digitais que abram espaço para a partilha deste tipo de informação que é essencial.
Em linha com o Presidente da Assembleia da República, Cármen Lúcia, Ministra do Tribunal Superior Eleitoral do Brasil, realça que vivemos num grande momento de transformação, marcado não só pela quase omnipresença do digital, mas também por muitos tumultos na sociedade.
O próprio fenómeno da desinformação está também em transformação, com consequências ainda mais sérias para os cidadãos e instituições, com vários conceitos-base da Democracia que estão a ser postos em causa.
Cármen Lúcia lembra que hoje, é cada vez mais fácil partilhar informação online e que, para muitos cidadãos, a confiança que depositam nos conteúdos que encontram online é maior do que aquela que têm relativamente a notícias veiculadas pelos media mais “tradicionais”.
A Ministra do Tribunal Superior Eleitoral do Brasil detalha como a partilha de informação falsa online durante a mais recente eleição presidencial no país teve consequências particularmente danosas, resultando na invasão dos edifícios do Congresso, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto em Brasília por manifestantes que apoiavam o ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Estamos num momento da Humanidade em que precisamos de mais Democracia”, no entanto, existem desafios com os quais a sociedade nunca tinha lidado, tudo a uma rapidez inacreditável, realça Cármen Lúcia
Já Vitor Tomé, Professor do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Autónoma de Lisboa, relembra que os sistemas de IA não funcionam de forma autónoma. Embora muitos vejam a tecnologia como a “panaceia que vai resolver todos os problemas”, tal só seria possível se a mesma fosse capaz de agir autonomamente, algo que só existe no campo da ficção científica.
É certo que o ChatGPT está em voga, mas, como realça Vitor Tomé, o chatbot “não consegue distinguir realidade de ficção”. Embora existam mecanismos de segurança implementados pela OpenAI que permitem, de certa forma, impedir a partilha de certos tipos de informação falsa, continuam a existir aspectos onde o chatbot falha.
É necessário ter em conta que tecnologias como o ChatGPT podem ser utilizadas em campanhas de desinformação que “feitas à velocidade da luz” e ainda mais eficazes do que outras observadas anteriormente e que impactaram processos eleitorais em países como Reino Unido, Estados Unidos e, mais recentemente Brasil.
A desinformação é um fenómeno multifacetado e requer uma abordagem igualmente multifacetada de modo a mitigar as suas consequências. “A qualidade da informação pode combater a desinformação”, indica, mas são necessárias mais soluções, entre o apoio da verificação de factos, a melhoria das tecnologias de deteção de informação falsa, assim como da comunicação de ciência, e o investimento na literacia mediática, além de medidas legislativas.
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