O alerta é de Manuel Faustino, primeiro diretor dos serviços do IRS do Fisco, que afirma que, do lado dos contribuintes, o sistema "é muito pouco transparente e está muito pouco aprofundada do ponto de vista dos seus direitos e das suas garantias".
O especialista em IRS esclarece que, aquando o lançamento do e-fatura, a 1 de janeiro de 2013, os contribuintes “tinham escolha” em relação ao benefício de dedução de 15% do IVA suportado com as despesas em setores considerados de risco, como a restauração e hotelaria, os cabeleireiros e a reparação de veículos, em sede de IRS, até um limite máximo de 250 euros.
Se os contribuintes quisessem beneficiar deste incentivo, indicavam o NIF, mas, caso contrário, não o indicavam, o que "não prejudicava o quadro da dedutibilidade das outras despesas do regime jurídico em vigor", tal como a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) tinha recomendado num parecer de 2012.
Nesse parecer, solicitado pelo governo de então, a CNPD considerou que estava em causa "um tratamento de dados pessoais sensíveis porque atinentes à vida privada dos cidadãos", sendo "essencial garantir que o contribuinte singular que opte por não fornecer o seu NIF ao emitente da fatura, por motivos legítimos como a salvaguarda da sua privacidade, não possa ser de algum modo penalizado em relação às vantagens que tem vindo a obter ao abrigo do regime jurídico vigente".
Mas, depois da reforma do IRS de 2014, e a “partir do dia 1 de janeiro de 2015, apenas as faturas com NIF passaram a ser consideradas para as deduções em sede de IRS", esclarece Manuel Faustino, para quem se tratou de uma "mutação extremamente significativa" e "contrária à letra e ao espírito da lei da proteção de dados".
O fiscalista refere ainda que, tendo em conta o parecer de 2012 da CNPD, que não foi chamada a apreciar o diploma da reforma do IRS, esta comissão "jamais poderia concordar com esta opção, uma vez que, "legitimamente, o contribuinte tem direito a não dar o seu NIF, mas também tem o direito de não ficar prejudicado em relação à dedutibilidade das despesas" que pode abater no IRS.
Em 2013, e após "várias queixas recebidas", a CNPD verificou que "estavam a ser processados pela AT [Autoridade Tributária] mais dados do que aqueles que eram necessários", tendo "ordenado à AT a tomada de um conjunto de medidas para corrigir a situação", indicou, em declarações à Lusa, uma fonte oficial da comissão que também esclareceu que, numa segunda ação fiscalizadora, verificaram que "foram cumpridas as determinações da CNPD".
Manuel Faustino aponta ainda "outra falta gravíssima" no portal em relação à proteção de dados que é a questão de quem tem acesso a estas informações, considerando que esta situação "é um bocado difusa".
No parecer de 2012, a CNPD recomendou que o diploma "deveria claramente prever uma separação lógica da informação pessoal relativa a cada transação, com acesso limitado aos funcionários com tarefas inspetivas", mas a opção do legislador foi seguir o disposto na Lei Geral Tributária (LGT).
Por seu lado, a LGT determina que a AT deve "adotar as medidas de segurança necessárias relativamente aos dados pessoais comunicados para impedir a respetiva consulta ou utilização indevida por qualquer pessoa ou forma não autorizada" e também "garantir que o acesso aos dados pessoais está limitado às pessoas autorizadas no âmbito das suas atribuições legais". No entanto, não restringe este acesso explicitamente aos inspetores tributários.
O sistema eletrónico de emissão de faturas e sua comunicação ao Fisco fez com que, desde janeiro de 2013, seja obrigatória a emissão de fatura, mesmo nos casos em que os consumidores finais não a solicitem.
O objetivo foi o de "estimular o cumprimento da obrigação de emissão de faturas em todas as operações económicas", e, segundo o último relatório de combate à fraude e evasão fiscal, até 2016 tinham sido comunicadas, no total, mais de 20 mil milhões de faturas.
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