Designer de profissão e astrofotógrafo por paixão, David Cruz é um daqueles casos onde o dia e a noite se fundem para criar algo especial. Também conhecido como Astro Midnight, transformou o céu estrelado do Alentejo num verdadeiro estúdio pessoal, onde regista galáxias, nebulosas e cometas, como se fossem “retratos normais”, mas não é bem assim porque as imagens do céu noturno dão muito trabalho a tratar...
Com um talento que vai além das fronteiras nacionais, já foi finalista num dos maiores concursos de astrofotografia do mundo e, recentemente, teve as suas fotos partilhadas pela Agência Espacial Europeia (ESA).
Em conversa com o SAPO TEK, contou que sempre teve um fascínio pelas estrelas, mas foi durante a pandemia que decidiu “mergulhar” na astrofotografia. Depois de anos a tirar fotos “por brincadeira” e a experimentar edição de imagem - algo em que já tem 20 anos de prática profissional - participou num workshop de Miguel Claro que mudou a visão que tinha sobre a astrofotografia e que serviu como ponto de partida para começar a explorar, por conta própria, o hobby que logo se transformaria numa paixão mais séria.
O gosto pela astrofotografia levou David Cruz a criar a conta @astro.midnight no Instagram, e correspondentes no TikTok e no Facebook.
No começo, a ideia era apenas “mostrar que há um maluco que vai para o meio do Alentejo fotografar as estrelas e até fica qualquer coisa de jeito, não fica tudo preto”, brincou.
Mas tudo mudou quando um reel seu, sobre como fazer astrofotografia em plena cidade de Lisboa, explodiu na plataforma. Em 15 dias passou de 800 seguidores para quase 30 mil, com mais de dois milhões e meio de visualizações e uma chuva (não de estrelas mas) de notificações que o obrigaram a desligar-se do Instagram.
Esse sucesso fez David ponderar sobre rentabilizar a sua presença online. “Ainda experimentei vender prints numa loja Shopify, mas percebi que as pessoas não compram imagens para pendurar em casa a menos que tenham um valor muito especial,” explica, rindo. Hoje, prefere concentrar-se nos cursos online, ensinando técnicas de edição a outros aspirantes a astrofotógrafos.
Sobre a rotina de publicação, diz que capta imagens de maneira a ter duas ou três de avanço, para garantir que faz pelo menos um post por semana. “São imagens que demoram tempo a tratar, principalmente as de deep sky, que levam 15 a 20 horas no total, o que corresponde a várias noites, então o objetivo é acumular sempre imagens para ter o fluxo gradual”, explicou David Cruz.
A importância de comprar casa no Alentejo e de ter observatório próprio
Uma das coisas que ajudou a mudar o estilo de vida de David Cruz foi o trabalho remoto, porque lhe permitiu sair de Lisboa e ir para o Alentejo, em 2023. Antes alugava sempre turismo rural por duas ou três noites para fotografar, mas andava nesse registo há três anos “e já estava um bocado cansado”. Numa noite de verão do ano passado, “acabado de regressar de mais um fim de semana de observação noturna, decidiu mudar-se de “armas e bagagens” para o Alentejo e passados dois meses já tinha arranjado morada nova.
Conseguiu comprar casa perto de Arraiolos, “que já é uma zona com um céu muito bom”, com um espaço de terreno atrás que lhe permitiu montar um pequeno observatório e agora tem um sitio fixo para fazer astrofotografia.
“Foi superimportante para a minha fotografia porque passei de ter um sítio móvel para um sitio permanente”, o que dentro desta área faz toda a diferença porque permite adquirir equipamento mais pesado e telescópios maiores, que aumentam a qualidade das imagens no geral, explicou David Cruz.
“Foi uma evolução muito grande” desde que passou a ter o observatório e a partir daí o Instagram também voltou a ter mais engagement. Entretanto aconteceu um novo “momento de loucura” com a publicação por parte da Agência Espacial Europeia de um post colaborativo.
Veja o carrossel de imagens escolhidas para o post colaborativo na galeria
David Cruz contou que já seguia a ESA e costuma usar a hashtag da agência e eles acabaram por o contactar. Mediante um conjunto de guidelines que lhe foi indicado, preparou o post, que foi aprovado e entretanto publicado nos dois sítios ao mesmo tempo: na conta da ESA, com a sua audiência de três milhões de seguidores, e na sua conta.
E não foi só o astrofotógrafo que ficou feliz com o alcance da publicação partilhada: na ESA também entrou para a lista dos posts de maior sucesso no Instagram, “à frente de telescópios Hubble e companhia”, comentou.
A seguir ao reel da astrofotografia na cidade, é a publicação de maior sucesso no Instagram de David Cruz e trouxe mais um grupo alargado de novos seguidores à conta @astro.midnight. “Houve um engagement brutal, com novos seguidores e muitas partilhas”.
Futuro com material reforçado, auroras boreais e viagens para ver outros céus
Para o futuro, David Cruz tem algumas metas ambiciosas. Uma delas é expandir a oferta de cursos de astrofotografia, aproveitando a sua experiência para ajudar outros a melhorar as suas técnicas, “porque há muita gente que gasta rios de dinheiro em equipamento e depois não sabe editar as imagens”. Os workshops de astronomia e astrofotografia para grupos são igualmente uma hipótese, uma coisa que tem feito de uma forma informal, mas na qual também pretende apostar mais.
“Tenho algumas ideias, mas ainda não consegui perceber como vou organizar o meu Instagram para pôr tudo de uma forma fácil e mantendo ao mesmo tempo aquilo que as pessoas gostam de ver, que são as minhas fotografias”.
Diz ainda que também gostava de apostar mais nas parcerias com marcas e instituições como objetivos a curto prazo, mas “a realidade às vezes é outra”, porque continua a ter o seu trabalho a tempo inteiro.
Mas se pudesse escolher fazer só astrofotografia, fazia? “Definitivamente sim”, respondeu. O problema é que o emprego na área do design “é um trabalho bom” e não lhe dá razão de queixa, porque está em remoto, ganha bem "e não tem muitas chatices".
Entretanto, não esconde a vontade de viajar para ver as auroras boreais - que não conseguiu ver em Portugal - e visitar o Chile, com os seus telescópios gigantes e céus do hemisfério sul, que apresentam constelações que não são visíveis em Portugal. “É o verso do nosso céu, e quero muito ver coisas que aqui não vejo”, partilhou.
Enquanto não realiza esses sonhos, promete continuar a fotografar a partir do Alentejo e, muito em breve, terá um telescópio mais potente a postos para captar imagens ainda com mais luz e detalhe. O foco maior vai continuar a ser o céu profundo.
“O deep sky é aquilo que eu gosto, as galáxias, essas coisas todas. É onde invisto mais tempo e trabalho”, sublinhou.
O astrofotógrafo não faz imagens deep sky com menos de 12 horas de exposição, “porque são objetos que são muito ténues e tem de se ter muito tempo de integração de imagem, que é acumular horas e horas para começar a ver detalhe na edição”, explicou. Se não houver essas horas, “puxa-se ruído”. O deep sky é mais "intenso" por causa disso, aponta, apesar de ter tudo automatizado e não precisar de ficar noites inteiras acordado.
E é assim que o designer de dia e astrofotógrafo à noite segue a explorar o cosmos, tornando acessível a beleza dos céus e provando que, quando há paixão, até as estrelas parecem estar mais próximas.
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