Parece que não se avançou muito em relação ao debate no Parlamento Europeu realizado em julho, que chumbou a proposta da comissão JURI para avançar com um mandato de negociação tripartida da diretiva proposta pela Comissão Europeia em 2016. O Artigo 13 e o Artigo 11 continuam no centro do debate, e da divisão, com visões diametralmente opostas sobre a sua validade na defesa dos direitos e a liberdade de expressão, mas também sobre a cobrança de taxas a gigantes da internet como a Google ou o Facebook (entre outros) que tiram partido dos conteúdos dos criadores para obterem retorno comercial.
Mais de 40 eurodeputados tiveram oportunidade de fazer a sua intervenção durante 1 minuto, e entre visões mais drásticas, extremadas sobretudo na parte dos opositores da diretiva, e pedidos de equilíbrio, com louvor às alterações que foram entretanto propostas, é fácil perceber que estamos longe de um consenso, e antecipar que a votação desta quarta feira será renhida. Tal como já foi em julho.
O que está em cima da mesa é a aprovação de um mandato para negociação de uma diretiva que foi inicialmente proposta pela Comissão Europeia e que já sofreu alterações no Parlamento Europeu, onde esteve a ser trabalhada na comissão de assuntos jurídicos (comissão JURI). A proposta pretende harmonizar a aplicação das proteções de direito de autor entre o mundo real e o mundo digital, onde as regras não têm sido colocadas em prática, deixando os autores desprotegidos e permitindo a partilha livre das suas obras sem qualquer remuneração por isso.
Os eurodeputados têm agora a possibilidade de aprovar o documento proposto pela comissão JURI, e que já foi alvo de alterações desde julho, aprovar apenas algumas das alterações ou chumbar a proposta. E a Comissão Europeia já avisou que este último cenário pode adiar por alguns anos a concretização de uma legislação para o mercado digital.
Do Big Brother e da máquina de censura ao enriquecimento ilícito das gigantes da Web
Alguns dos argumentos que tinham sido utilizados no debate de julho voltaram a estar no plenário, com acusações à "enorme pressão" que está a ser feita sobre os eurodeputados para votarem negativamente a proposta, mas também denúncias de que esta diretiva vai implementar uma máquina de censura, limitar os direitos e a livre expressão dos utilizadores da internet. E há até quem recupere o fantasma do Big Brother de Orwell.
O relator Axel Voss defendeu durante o debate que esta é uma proposta equilibrada, que procura remunerar os criadores de forma justa e proteger a cultura, os jornais e os jornalistas, e lembrou que já retirou da proposta a referência aos "filtros" que geraram grande polémica no primeiro debate. Houve também muitas vozes igualmente moderadas a referir a necessidade de contribuir para o desenvolvimento da cultura, procurando desmontar alguns dos argumentos dos opositores, que foram apelidados de mitos.
Uma das intervenções mais aplaudidas foi a da deputada Theresa Griffin, da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, que lembrou que a essência da votação é "garantir que os criadores, que são trabalhadores criativos, recebam um pagamento justo pelo seu trabalho e não são explorados pelas grandes plataformas online". "Temos de acabar com esta falha no valor, ter dinheiro para reinvestir em conteúdo e criar novos postos de trabalho. Isto não é sobre a censura", afirmou.
António Marinho e Pinto, o único eurodeputado português a integrar a comissão JURI, defendeu também a aprovação da proposta que já tinha ratificado na primeira versão. "Não podemos aceitar que se tenham montado negócios altamente lucrativos assentes na oferta gratuita de criações intelectuais de outrem, sem respeito pelos direitos dos seus autores. Os editores de imprensa que investem na produção de informação de qualidade, livre e independente, não podem ser reduzidos ao papel de fornecedores de conteúdos gratuitos às grandes plataformas que surgiram na Internet", referiu.
Também o comissário europeu Andrus Ansip voltou a sublinhar que "nenhuma das propostas limita a liberdade de expressão nem o acesso à informação", mas avisou que se a proposta não for aprovada vai atrasar por vários anos a necessária modernização do direito de autor.
Entre as intervenções mais radicais, a de Stanisław Żółtek, eurodeputado polaco que lidera o Congresso da Nova Direita, que retomou o fantasma da censura do mundo de Orwell, agora garantida pelos artigos 11 e 13, classificados como atentados à liberdade de expressão.
Julia Reda, deputada do Partido Pirata e uma das defensoras mais ativas do chumbo à diretiva, alega que o que o relator da proposta está a tentar resolver são problemas sérios, mas não são, na maioria causados pela legislação de direito de autor. "A lei do copyright não pode trazer de volta as assinaturas perdidas dos jornais e as receitas de publicidade. Se é esse o problema que queremos resolver precisamos que a Comissão aprove regulação da publicidade online, porque essa é a forma com que a empresas de tecnologia estão a ameaçar destruir os novos negócios", defende.
A deputada apresentou propostas alternativas que garante vai permitir aos publishers aplicar a lei sem limitar a liberdade de fazer links. E lembra que "se tornarmos as plataformas diretamente responsáveis por tudo, elas não vão obter licenças de cada detentor de direitos no mundo", avisando que desta forma se bloqueiam os pequenos criadores. "Os filtros de uploads só vão dar ao YouTube e ao Facebook uma desculpa para não pagarem".
Na mesma linha, Daniel Dalton afirmou que com esta proposta os publishers e os criadores não vão receber mais dinheiro. "Não acredito que vá afetar a Google, mas vai afetar os consumidores porque as plataformas grandes e os grandes publishers vão enfrentar menos concorrência", justifica. Ainda assim o deputado do partido conservador britânico reconhece que é necessário um debate equilibrado sobre a forma como se pode regular as mudanças que aconteceram com a internet, só que defende que "precisamos de o fazer cuidadosamente e não ameaçar todo o ecossistema".
Pressões e divisões entre os eurodeputados
Em conferência com os jornalistas, duas das relatoras sombra, Virginie Rozière, eurodeputada francesa e Helga Trupel, da Alemanha, já tinham reforçado a mensagem de que existe uma campanha massiva contra a diretiva que está a ser orquestrada por grandes grupos económicos, sobretudo norte americanos. Virginie Rozière apontou mesmo a análise do IP de origem do site Save Your Internet, que é norte americano apesar do servidor estar localizado na Bélgica, e a contabilização dos tweets publicados, com origem maioritariamente em Washington.
Helga Trupel lembrou também que "nada na internet é gratuito e que as pessoas pagam a utilização dos serviços com os seus dados", como aconteceu com o caso do Cambridge Analytica, e afirmou que podemos não estar dispostos a pagar pelo acesso a obras e conteúdos protegidos por direito de autor, mas temos de ter um controle sobre o que as empresas fazem.
Questionada sobre se a Europa está a enveredar por uma batalha perdida, ao tentar voltar ao passado e impedir o que já se tornou norma na Internet, Helga Trupel garantiu que é possível regular a área dos direitos de autor. E que não se vai render porque acredita num mundo onde é possível conseguir remunerar os autores de forma justa.
Em conversa com o SAPO TEK o eurodeputado José Inácio Faria já tinha sublinhado que esta votação é de enorme importância e que a aprovação desta diretiva "é uma questão de justiça". O eurodeputado do Partido Popular Europeu, eleito em Portugal pelo Partido da Terra, votou favoravelmente em julho e disse que vai fazer o mesmo amanhã, considerando que muitos dos parlamentares que votaram contra podiam não estar bem informados sobre as medidas propostas já que esta é uma questão complexa e que houve muitas campanhas de desinformação.
Também Carlos Coelho, do Grupo do Partido Popular Europeu, acredita que esta é "uma proposta equilibrada", e garante ao mesmo tempo a liberdade de expressão e ajusta remuneração dos autores, alinhando pelo sim à proposta de diretiva. Ao SAPO TEK afirmou estar otimista em relação à votação que aprove o documento, e lembrou que a grande parte das mensagens da campanha que foi dirigida contra a diretiva tem informação errada, como o facto de limitar a Wikipédia que está claramente protegida como exceção na legislação. "Como legislador acho que chegámos a um compromisso aceitável entre um extremo que quer tudo partilhado 'à borla' na internet e as exigências da indústria que quer tudo limitado", adiantou.
A votação é esta quarta feira às 12 horas, seguindo a ordem detalhada neste documento e o SAPO TEK vai acompanhar todos os desenvolvimentos a partir de Estrasburgo, onde está a convite do Parlamento Europeu.
Nota da redação: A notícia foi atualizada com mais informação. Última atualização 23h32.
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