O Instagram juntou-se recentemente à crescente lista de redes sociais que decidiram avançar com sistemas de autocontrole para limitarem o tempo gasto pelos utilizadores nos seus serviços. O "Take a Break" é uma tentativa de fazer com que os adolescentes percebam que está na altura de "fazer uma pausa" no scroll, ajudando a controlar aquilo que para muitos é já um vício difícil de ultrapassar.
Tito de Morais, especialista em segurança na internet e criador do Projeto MiudosSegurosNa.Net, reconhece que há tendências preocupantes, com efeitos potencialmente negativos, entre as quais os chamados "padrões negros". "A indústria começa a tomar consciência que algumas das funcionalidades que desenvolveu promovendo a economia da atenção, podem ter efeitos nocivos. Nesse sentido, começou a nascer um movimento ético dentro das empresas promovido por alguns dos "developers" que criaram algumas dessas funcionalidades. Tal movimento extravasou para fora das empresas de tecnologia, forçando-as a tomar medidas que minimizassem os efeitos potencialmente nocivos daquelas funcionalidades que começaram a ser conhecidas por "padrões negros"", explica em entrevista ao SAPO TEK.
"Este desenvolvimento parece-me extremamente positivo. O passo que falta é o investimento na divulgação e na educação dos utilizadores nas formas como estes podem aceder e controlar o seu tempo online", adianta. O especialista tem vindo a promover uma série de iniciativas e ações de esclarecimento e em janeiro vai lançar um workshop com Cristiane Miranda, o "Agarrados à Net - Como Gerir o Tempo Online dos Teus Filhos", onde pretendem partilhar ideias, experiências e conselhos para os pais.
Para além do Instagram, outras redes como o TikTok e o Facebook consomem muito tempo dos jovens online. Cristiane Miranda sublinha que o primeiro conselho que partilham no workshop é que os pais devem ser exemplos para os seus filhos. "Hoje vemos muitos pais que “não se desligam”, quer seja da televisão, do computador, telemóvel… Ensinamos muito mais pelo exemplo do que pela palavra", afirma Cristiane Miranda, que nos últimos 20 anos fez voluntariado com jovens e criou o projeto "Teen On Top – Coaching para Jovens".
A criação de regras é outra das recomendações relevantes, e isso deve acontecer desde cedo.
"Quando vemos pais a darem de comer a bebés de 6/7 meses com estes a verem vídeos, sabemos que alguma coisa vai correr menos bem no futuro", sublinha Cristiane Miranda.
Ensinar resiliência, autocontrolo e gestão do tempo aos seus filhos, faz parte das ideias que os especialistas trazem para o Workshop, e que são uma ferramenta adicional para além das funcionalidades que a tecnologia oferece para desligar. "E porque não, criarem dias sem tecnologia para toda a família?", questiona a "coach" de jovens.
Uso excessivo, que degenera em patologia
Em entrevista ao SAPO TEK, Tito de Morais reconhece que "o uso das tecnologias pode começar por ser excessivo e depois degenerar em patológico e até em dependência". São situações com que já se deparou na sua carreira. "Ao longo dos anos, infelizmente, as pessoas têm-me procurado com algumas situações dramáticas de crianças, jovens e adultos cuja saúde física e mental, bem-estar, vida pessoal, familiar, escolar/académica, profissional e social são gravemente afetadas e que necessitam intervenção clínica especializada", afirma.
A ideia do workshop que vai ser realizado em janeiro é antecipar estas situações e prevenir o uso excessivo das redes sociais, evitando que a utilização possa degenerar em situações que afetem a saúde e o bem-estar dos utilizadores em geral, dos mais novos em particular.
Cristiane Miranda reconhece que também podem ser vistos fatores positivos nas redes sociais. "O que é bom e o que é mau? Há muitos benefícios na utilização das redes sociais e da internet por parte dos jovens. O equilíbrio faz-se na gestão dos valores familiares, aquilo que queremos transmitir aos nossos filhos", afirma, lembrando que mesmo em termos de projetos de empreendedorismo que têm surgido há questões a colocar. "A criação de um negócio por um jovem é louvável, o país precisa de gente empreendedora. No entanto, qual a missão desse negócio? Como vai ser gerido? Pode ser bom ou mau, certo?", questiona.
"Se queremos deixar um mundo melhor para os nossos filhos, é bom que pensemos em deixar filhos melhores para esse mundo. E isso faz-se estando mais presentes nas suas vidas, seja online seja offline", afirma Cristiane Miranda
O Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) veio estabelecer também algumas regras em relação ao consentimento dos jovens para utilização das tecnologias de informação, mas Tito de Morais defende que a definição da idade limite "é uma manta de retalhos". Há quatro definições diferentes na União Europeia, de 13, 14, 15 e 16 anos, e onde era suposto haver harmonização regulamentar na União Europeia e o que se criou foi uma "desarmonização".
Este é apenas o primeiro efeito prático, sendo que o especialista de segurança aponta ainda outro. "As pessoas pensavam que tal medida iria impedir o acesso das crianças com idade inferior ao estipulado e que as crianças deixariam de mentir relativamente à idade. Que ingenuidade! Não aconteceu, nem uma coisa, nem outra", afirma. Tito de Morais defende ainda que "sem um mecanismo de verificação de idade, tal nunca acontecerá. E não sei se será desejável que aconteça" e lembra que "uma base de dados de crianças torna-se um alvo muito apetecível para o roubo de identidades digitais pois não têm cadastro".
Mesmo assim admite que o RGPD fez com que algumas entidades começassem a olhar com mais respeito e cautela a obtenção do consentimento parental para uma série de situações, o que antes não acontecia. "Nesse sentido, contribuiu para uma maior responsabilização relativamente à recolha e tratamento dos dados pessoais de crianças e jovens", alertando porém que para as escolas, por exemplo, é necessário muito mais apoio e formação.
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