Ao longo de uma semana, a BBC acompanhou uma série de livestreams no TikTok com origem no Qúenia. Dezenas de transmissões mostravam mulheres a dançar sugestivamente, com centenas de espectadores por todo o mundo.

Em algumas das transmissões, as pessoas à frente das câmaras usavam palavras, muitas vezes com conotações sexuais, para publicitarem serviços sexuais. Os interessados mandavam depois mensagens privadas, que culminavam no envio de conteúdo sexualmente explícito através de outras plataformas.

Quem assiste aos livestream envia “presentes” sob o formato de emojis, que funcionam também como pagamento pelos serviços sexuais, podendo ser convertidos em dinheiro mais tarde.

As adolescentes e jovens mulheres com quem a BBC entrou em contacto afirmam que passam cerca de 6 a 7 horas à frente das câmaras e ganham o equivalente a cerca de 35 euros por dia.

Uma das jovens, com apenas 17 anos, começou a fazer livestreams deste tipo para o TikTok como forma de sustentar a sua família. Vinda de um bairro pobre na capital do Quénia, a adolescente afirma que o dinheiro que ganha serve para comprar comida para o seu filho e para ajudar a mãe a pagar a renda da casa.

Meta confirma falha que sugere conteúdos violentos e sexuais no Reels
Meta confirma falha que sugere conteúdos violentos e sexuais no Reels
Ver artigo

A jovem conheceu este mundo quando tinha 15 anos, quando uma amiga lhe ensinou a contornar as restrições da rede social. Uma vez que os utilizadores necessitam de ter mais de 18 anos e mais de 1.000 seguidores para fazerem livestreams, muitos recorrem a “chulos” digitais para entrarem na atividade.

Os “chulos” digitais transmitem os vídeos a partir das suas páginas. Em troca, quem faz o conteúdo dá-lhes parte do dinheiro que recebe. A jovem de 17 anos afirma que o seu “chulo” sabia que ela era menor de idade e que “ele gostava de usar raparigas mais novas”.

Outra jovem de 18 anos, que começou a fazer livestreams quando tinha apenas 15 anos, afirma que recebe pedidos de homens europeus para prestar serviços sexuais através de outras plataformas. Alguns dos vídeos que enviou acabaram por ir parar a redes sociais sem o seu consentimento.

Existem ainda casos de adolescentes e mulheres que receberam propostas vindas do TikTok para prestar serviços sexuais na vida real ou que foram pressionadas a ter relações sexuais com os seus “chulos” digitais.

TikTok nega que esteja a lucrar

De acordo com dados avançados pela BBC, o TikTok recebe uma comissão de 70% das prendas enviadas nos livestreams. Do seu lado, a empresa nega que esteja a receber tal tipo de comissão.

Depois de ser alvo de um processo nos Estados Unidos, que alegava que tinha “lucrado significativamente” com a exploração de crianças em livestreams, o TikTok respondeu que a ação judicial tinha ignorado as medidas que estava a tomar para melhorar a segurança na plataforma.

Segundo a organização ChildFund Kenya, o Quénia é um dos países onde o fenómeno tem mais expressão e, assim como outras organizações, afirma que até há crianças, com idades tão jovens quanto 9 anos, a participar em atividades nas transmissões ao vivo.

A questão torna-se ainda mais complicada quando se considera que as práticas de moderação online em países africanos não têm o mesmo rigor quando em comparação com as de países ocidentais, aponta a organização.

Pais britânicos processam TikTok pela morte dos filhos que participaram em desafios “fatais” partilhados na rede social
Pais britânicos processam TikTok pela morte dos filhos que participaram em desafios “fatais” partilhados na rede social
Ver artigo

Um antigo trabalhador da Teleperformance, contratado para trabalhar como moderador de conteúdo do TikTok, contou à BBC que os moderadores recebem uma lista de palavras e atos sexuais proibidos na plataforma.

No entanto, o guia nem sempre permite agir sobre casos que incluem calão ou gestos provocadores ou sexualmente sugestivos. Outro antigo moderador afirma que as práticas de moderação também são limitadas pelo uso de IA, que, em muitos casos, não consegue detetar estas ocorrências.

Embora o TikTok esteja ciente da escala do problema, antigos moderadores afirmam que a empresa não está a contratar pessoas suficientes para conseguir monitorizar eficientemente o conteúdo.

A Teleperformance afirma que os seus moderadores “trabalham diligentemente para detetar e identificar conteúdo gerado pelos utilizadores, seguindo as regras da comunidade e dos seus clientes”. A empresa indica também que os sistemas dos seus clientes não permitem que remova conteúdo ofensivo ou que o reporte às autoridades por si própria.

o TikTok esclarece que tem uma política de tolerância zero para casos de exploração. “Aplicamos medidas de segurança rigorosas, incluindo regras robustas para conteúdo ao vivo”, afirma, indicando que também tem “moderação em mais de 70 línguas, incluindo Swahili [uma das línguas oficiais do Quénia]”, além de parcerias com especialistas e criadores de conteúdo, contando com um Conselho de Segurança para a África Subsariana.