As competências nas áreas da engenharia são habitualmente apontadas como um dos pontos fortes de Portugal e têm sido um dos drivers de investimento no país, para várias multinacionais que por cá têm fixado centros de competências e de desenvolvimento. Na área da inteligência artificial este é também reconhecidamente um dos pontos fortes e acredita-se que pode contribuir para fazer de Portugal um hub europeu de IA.
A opinião é partilhada por várias empresas com negócios centrados nestas tecnologias. Portugal tem hoje um “ecossistema tecnológico e de startups vibrante e inovador”, sublinha João Orvalho, head of technology da Didimo. Temos “várias empresas e líderes a retribuírem à comunidade, apoiando startups pioneiras nas áreas da IA, deep learning e tecnologia, no lançamento com sucesso das suas inovações para o mundo”.
A Didimo é um destes exemplos. Nasceu pela mão de uma investigadora no Instituto de Telecomunicações e professora na Universidade do Porto, que materializou anos de investigação num projeto empresarial focado em humanos digitais de alta fidelidade.
É das universidades que têm saído aliás muitos dos projetos que hoje mais se destacam a nível nacional e internacional no domínio da IA, como sublinha Pedro Bizarro. É também daí que têm surgido centenas de artigos publicados internacionalmente, por investigadores nacionais de referência, que nas últimas décadas se têm dedicado aos temas da IA.
Investir mais nesta área é para o co-fundador da Feedzai um dos vetores-chave para potenciar a capacidade de Portugal assumir um espaço de relevo internacional no domínio da IA.
É preciso investir para criar mais bolsas de investigação, desburocratizar regras de financiamento e criar condições para que o número de horas de investigação dos docentes aumente, defende. “Um professor português, comparado com um professor americano, passa muitas mais horas no ensino e muitas menos horas em investigação. Investir mais em inovação cria ciclos positivos que nós como país temos de procurar mais”.
Este artigo integra o Especial Inteligência Artificial em Portugal
No que se refere à formação, reconhece-se que a evolução dos últimos anos tem sido grande. “As universidades têm renovado currículos. Há muitos mestrados de data science e surgiram iniciativas paralelas, como o Lisbon Machine School, que é se calhar a melhor Machine Learning School atualmente na Europa”, nota Pedro Bizarro, iniciativas que têm ajudado a fazer a diferença.
A adaptação dos currículos a um mundo cada vez mais digital também permitiu abrir o leque, no perfil de recursos que as empresas contratam para trabalhar em IA. “Há uns anos contratávamos sobretudo engenheiros informáticos para a função (data scientist), hoje já não é assim. Contratamos em quase todas as engenharias, economia. Contratamos por exemplo muitos engenheiros biomédicos, matemáticos, engenheiros aeroespaciais”.
Para que Portugal possa ambicionar um posicionamento mais global na IA a médio/longo prazo, faz também falta investir mais e desenvolver estratégias que fomentem o interesse pelas tecnologias nas idades mais precoces, influenciando positivamente as escolhas de formação anos mais tarde, destaca Francisco Espanã, vice-presidente e diretor-geral da DefinedCrowd.
Quantidade vs Qualidade
A contrapor à qualidade dos recursos coloca-se a questão da quantidade, que é hoje um problema não apenas de Portugal mas de todo o mundo, quando falamos em áreas muito especializadas da tecnologia. Renovar currículos tem sido uma forma de ultrapassar a questão, que leva tempo mas já está a dar resultados. A outra é importar talento, algo que não tem sido difícil de fazer, mas que a pandemia limitou de diferentes formas.
A normalização do trabalho remoto facilita o recrutamento fora de portas, mas isso é tão verdade para um sueco que queira trabalhar numa empresa em Portugal, como para um português que queira colaborar com uma empresa nos Estados Unidos, ou em Inglaterra.
Portugal acabou por perder alguma vantagem num mundo de fronteiras fechadas para quem vem de fora e de oportunidades que se escancaram para quem vive em Lisboa, no Porto ou em Bragança.
“Enquanto anteriormente a localização geográfica de Portugal nos dava uma vantagem competitiva em relação às grandes empresas dos Estados Unidos da América ou do Reino Unido, pelo facto de as pessoas valorizarem as suas raízes e o estilo de vida português, atualmente, com o trabalho remoto a ser cada vez mais uma realidade, especialmente nas áreas tecnológicas, as fronteiras terrestres já não são impedimento à captação de talento”, admite Vasco Pedro, CEO e co-fundador da Unbabel.
“Com esta situação da Covid é cada vez mais normal as pessoas trabalharem em qualquer parte do mundo. Para compensar isso tem de se ajustar a compensação salarial porque é muito apelativo estar a trabalhar em Lisboa e a receber um salário de Londres”, acrescenta Pedro Bizarro.
Adicionalmente, com as fronteiras fechadas também se tornou difícil fazer valer os argumentos das capitais portuguesas, para quem vem de fora, embora esta seja vista como uma situação temporária. “Lisboa é uma cidade que está particularmente bem posicionada para atrair talento a nível global, quer seja pela sua posição geográfica, como pelo clima, pelo estilo de vida e porque é das poucas cidades no mundo com caraterísticas que a tornam perfeita tanto para famílias, como para jovens” acrescenta Vasco Pedro.
Estratégias criativas e ligação às universidades ajudam a ultrapassar limitações
Ainda assim, a escassez de talento, sobretudo em posições mais especializadas, é uma questão importante na generalidade dos países e das empresas.
Estas dificuldades exigem estratégias de recrutamento criativas e cada vez mais pensadas a médio longo prazo, como tem vindo a fazer a Didimo. A startup do Porto admite que a ligação a universidades e institutos técnicos tem sido importante para encontrar recursos escassos e valiosos. “Muitas vezes, somos capazes de identificar talentos muito antes de terminarem o curso e de proporcionar estágios ou tutoria para apoiar o seu desenvolvimento, até, eventualmente, estes se juntarem à Didimo”, explica João Orvalho.
Ainda assim, tanto a Didimo como as restantes empresas contactadas neste artigo apontam a dificuldade de encontrar em Portugal algumas posições mais específicas, não apenas nas engenharias, mas também em áreas como o marketing, que acabam por ser colmatadas com recursos contratados fora do país.
No entanto, o primeiro passo é tentar recrutar em Portugal e são várias as empresas de IA que já anunciaram planos nesse sentido, para cumprir ao longo do ano. A Didimo tem neste momento 30 pessoas e planos para contratar nas áreas de IA, computação gráfica, arte técnica, entre outras.
Numa escala já diferente, a Talkdesk planeia contratar mais 500 pessoas ao longo de 2021 e a equipa de IA é uma das que vai crescer. Contempla aqui perfis de engenharia, ciência de dados e machine learning, desenvolvimento e marketing de produto, detalha Pedro Andrade, Head of Automation.
Este artigo integra o Especial Inteligência Artificial em Portugal. Veja todos os artigos publicados sobre o tema
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