Os números mostram que muitas empresas estão a adotar modelos híbridos de trabalho, depois de terem passado para trabalho remoto durante a pandemia. A solução é valorizada pelos colaboradores, que na maioria dos casos preferem a flexibilidade do trabalho em casa, mas nem sempre se mostra a melhor opção para as empresas, que não estão organizadas para dar as melhores condições de trabalho e colaboração e implementar práticas eficientes de trabalho.
A conferência Social Now, que se realiza na próxima semana em Lisboa, quer trazer pistas relevantes para as empresas, com propostas concretas que partem da experiência aplicada numa empresa fictícia, a Cablinc, que é a base de todas as apresentações da conferência, o que permite tornar mais real a informação.
A Social Now tem um formato inovador e é organizada pela Knowman nos dias 19 e 20 de maio, no Jupiter Lisboa Hotel, sendo a 9ª edição focada no desempenho e engagement das equipas em contextos de trabalho híbrido, que se está a tornar no "novo normal".
Ana Neves, diretora-geral da Knowman e organizadora do evento partilhou com o SAPO TEK a sua experiência de consultadoria nesta área e os dados do Social Collaboration Maturity Benchmark. A especialista avisa que as empresas devem preparar novas estratégias para o trabalho híbrido para garantir o envolvimento dos colaboradores, comunicação eficaz e práticas adequadas de liderança e gestão.
Leia a entrevista com Ana Neves na integra
SAPO TEK: Qual é o impacto dos últimos dois anos na capacidade das empresas promoverem o melhor desempenho e envolvimento das suas equipas?
Ana Neves: Se olharmos de repente, os últimos dois anos foram uma experiência forçada do trabalho remoto generalizado. Organizações e colaboradores que nunca teriam admitido a possibilidade de trabalhar remotamente, viram-se obrigadas a fazê-lo de um dia para o outro.
Porém, os últimos anos não constituíram uma situação normal. Eu trabalho há 13 anos a partir de casa; antes já trabalhava em regime híbrido, e sei bem que o que vivemos não foi uma situação normal de trabalho remoto.
Os receios relacionados com a própria questão da pandemia, a presença das crianças em casa, a rotura com a todas as rotinas familiares, profissionais e sociais. Este foi um contexto atípico: não eram as condições habituais do trabalho remoto.
Apesar disso, as pessoas e as organizações conseguiram reagir, criar as condições mínimas de trabalho, e manter a roda a girar.
Mas, no momento de reagir ao imprevisto, o importante foi desenrascar: sem estratégia, sem olho no futuro, sem tempo para pensar e equacionar opções. A escolha tecnológica caiu na opção mais fácil; as práticas do dia-a-dia no escritório foram transladadas para o online.
No geral, as pessoas que já trabalhavam bem no presencial continuaram a fazê-lo; as outras, também continuaram no seu registo habitual. O desempenho, pelo menos se avaliado quantitativamente, até talvez tenha aumentado. O envolvimento das pessoas com a organização ou com outras equipas, talvez nem tanto.
(Extraído do Social Collaboration Maturity Benchmark 2021)
Legenda: Como o trabalho remoto afetou a ligação, o engagement, dos colaboradores à organização e a outros equipas. 52% das organizações não sentiram o afastamento dos dos colaboradores relativamente à organização; 54% sentiram um distanciamento entre equipas e entre partes da organização.
SAPO TEK: Qual a maturidade das empresas na utilização das plataformas digitais para colaboração e gestão de equipas?
Ana Neves: A maturidade das organizações relativamente à forma como tiram partido das plataformas digitais de comunicação e colaboração mantém-se bastante baixa.
O Social Collaboration Maturity Benchmark é um estudo global que olha para esta maturidade em 7 áreas: líderes, colaboradores, equipas, comunidades, funções de suporte, comunicação interna e inovação. A primeira edição baseou-se em dados recolhidos mesmo antes da pandemia; a segunda, publicada em 2021, assentou em dados do 2ª trimestre do ano passado.
O Benchmark considera 3 estádios de maturidade que, em forma muito sucinta, representam:
- a utilização da plataforma para realização de práticas que pouco acrescentam às formas de trabalhar habituais (estádio 1),
- a utilização das plataformas para novas formas de trabalho (estádio 2), e
- a introdução das plataformas de forma estratégica e estruturada nas rotinas de trabalho da organização (estádio 3).
O relatório de 2021 mostra que a maturidade não só não aumentou com a pandemia como até baixou ligeiramente em algumas áreas.
O Benchmark mostra que há muito mais líderes, colaboradores e equipas a utilizar as plataformas. Contudo, quando analisamos o tipo de atividades que nelas realizam, percebemos que são atividades básicas, que refletem no online as práticas do trabalho presencial, sem tirar verdadeiro partido do que o digital tem para oferecer.
Legenda: Sumário dos resultados do Social Collaboration Maturity Benchmark 2021
Os líderes continuam a ser uma das áreas menos maduras. Do que vejo no meu trabalho, por um misto de receio do desconhecido e da perda de controlo, por falta de tempo para parar e refletir e aprender, por falta de conhecimento do que é possível, e por falta de acompanhamento.
As equipas de comunicação que, em muitos casos são quem dá apoio às lideranças no que diz respeito à comunicação interna, elas próprias desconhecem o verdadeiro potencial destas plataformas – não do ponto de vista das funcionalidades (ainda que isso, às vezes, também), mas do ponto de vista das portas que abrem para novas formas de comunicar, de colaborar, de cocriar, de partilhar informação e conhecimento.
(Extraído do Social Collaboration Maturity Benchmark 2021)
Legenda: Percentagem média de líderes que, em cada organização, se encontra em cada um dos estádios de maturidade
Finalmente, vejo as organizações a virarem-se para os parceiros tecnológicos em busca de orientação e respostas, e vejo os parceiros muito focados na parte técnica sem que, eles próprios, pareçam ter um bom conhecimento das possibilidades e de quais e quando essas possibilidades podem e devem ser postas ao serviço dos seus clientes.
Já agora, um dado interessante, é que os dados do Social Collaboration Maturity Benchmark 2021 mostram que as organizações mais maduras em termos da utilização que fazem das plataformas digitais sentiram muito menos impacto negativo na ligação dos colaboradores à organização e das equipas entre si.
SAPO TEK: O que tem de ser corrigido/melhorado nestas áreas e como podem as empresas tirar mais partido dos modelos híbridos?
Ana Neves: O 1º é “cair na real”. As organizações precisam de assumir que as respostas encontradas, em tempo record, numa situação de urgência, podem ter desenrascado mas não são as melhores.
Precisam também de perceber que o mundo do trabalho não vai regressar ao pré-pandemia. As organizações podem puxar as pessoas de volta ao escritório mas as pessoas vão reagir: saindo da organização e levando consigo anos de experiência, ou ficando mas não deixando de dar o seu melhor a uma organização que não as ouve, não as respeita e não confia nelas.
Têm também de se consciencializar que as práticas criadas para o contexto de trabalho remoto não respondem ao contexto híbrido: as dinâmicas de colaboração e comunicação entre colaboradores em casa e outros no escritório são ainda mais desafiantes.
Depois de perceberem isto, as organizações devem refletir sobre as suas práticas de trabalho e conceber práticas mais eficientes, ágeis e eficazes.
As reuniões são um exemplo perfeito de uma oportunidade perdida. Todos se queixam de muitas reuniões. Eram muitas antes da pandemia, e com a pandemia o tempo em reuniões aumentou.
Porém, as plataformas digitais têm um conjunto de características que nos permitem reduzir o número e a duração das reuniões. As organizações devem pensar porque é que fazemos isto?, quais os objetivos? Com base na resposta, e isto será o 3º passo, podem desenhar alternativas para alcançar os mesmos objetivos.
Finalmente, para que estas alternativas possam mesmo ser adotadas, o 4º passo, passa por criar as condições necessárias:
- práticas adequadas de liderança e gestão;
- comunicação eficaz;
- competências digitais;
- plataformas digitais – as necessárias e adequadas, e só essas!
É importante não deixar isto ao acaso. Trabalho muito também com gestão de conhecimento e vejo como é fácil advogar a importância da criação, partilha e retenção de conhecimento, e depois não ter uma estratégia para garantir que estes processos são cuidados pela organização.
Legenda: Estudo Knowman de Gestão de Conhecimento em Portugal 2019
SAPO TEK: E por falar em plataformas. A Ana Neves está a organizar uma conferência onde vamos poder conhecer algumas plataformas. Que plataformas vão ser apresentadas no Social Now?
Ana Neves: Mais do que ser apresentadas, no Social Now as plataformas são postas à prova com o objetivo de percebermos se e como dão resposta aos desafios das organizações.
A conferência assenta numa empresa fictícia mas com desafios bem reais. Na verdade, as pessoas da Cablinc queixam-se de demasiadas reuniões, demasiados e-mails, informação que chega por demasiados canais, dificuldade de beneficiar do conhecimento de outros colegas, documentos que são enviados para trás e para a frente, reinvenção da roda, etc.
Na edição deste ano vamos ver live demos de Ichicraft Boards, GuruScan Knowledge App, Microsoft 365 e MangoApps, em jeito de narrativas de “um dia de trabalho” na Cablinc.
Vamos também ver como a Cablinc usaria a SWOOP Analytics para analisar os dados de utilização (data analytics) das suas plataformas digitais internas com o objetivo de melhorar a sua forma de trabalhar, comunicar e colaborar.
A vantagem de ver estas plataformas neste contexto é beneficiar de um painel que, no final de cada apresentação vai colocar as perguntas difíceis (Augusto Fragoso da ANACOM, Eugene Victorov da Arrival, Rui Mendes Costa da Águas de Portugal), e de um ambiente aberto onde outros participantes podem partilhar as suas próprias experiências – as boas e as más - com aquelas plataformas.
Para além disso, e porque todos nos mostram a plataforma em ação para uma mesma organização, ficamos a perceber quais as que se adequam melhor a cada modelo de trabalho, e mesmo que não andemos à procura de uma nova plataforma, ficamos com muitas ideias para poder explorar melhor as plataformas de que já dispomos.
SAPO TEK: Há um problema de cultura de colaboração em Portugal? As chefias ainda desconfiam muito do modelo de trabalho em casa ou isso está a mudar?
Ana Neves: Não sei se o problema que existe em Portugal é tanto o da cultura de colaboração: acho que o grande problema está nas práticas que as pessoas associam à colaboração.
Se eu disser que quero colaborar com uma outra equipa, a primeira coisa em que se pensa é na realização de uma reunião. E no final dessa reunião fica agendada a próxima. Com alguma sorte são identificadas algumas ações para serem realizadas até essa segunda reunião, mas a grande probabilidade é que essas ações fiquem por fazer por falta de tempo porque as pessoas passaram o seu tempo em reuniões.
Há formas muito mais inteligentes de trabalhar colaborativamente, formas essas que demoram poucas horas a desenhar, poucos dias a entranhar, e que acabam por poupar muitas, muitas horas de reuniões desnecessárias e pouco produtivas.
Por outro lado, e como refere na questão que me coloca, há uma questão importante relacionada com a confiança. Não só das chefias, mas essencialmente das chefias.
Esta falta de confiança não está só relacionada com desconfiar que as pessoas possam não estar a trabalhar. Até porque, os últimos dois anos, como referi anteriormente, não revelaram baixa de produtividade.
A falta de confiança está muitas vezes relacionada com:
- a sua falta de auto-confiança para gerir num contexto muito diferente, com exigências muito distintas;
- não confiarem que a informação de que necessitam e que valorizam chegará até si – muito relacionado com o FOMO (fear of missing out) especialmente importante em contextos de trabalho híbrido.
É justamente por isto que há tantas chefias em tantas organizações a fazer uma enorme pressão para que os colaboradores regressem ao escritório a tempo inteiro.
Dito isto, há também muitas empresas que estão a querer abraçar modelos de trabalho híbrido, flexível – se não por convicção, pelo menos como fator de marketing e atração e retenção de talento.
SAPO TEK: Para além dos processos de trabalho normais, como desenvolver a inovação nestes modelos?
Ana Neves: Uma das grandes vantagens das plataformas digitais é a aproximação de colegas que podem trabalhar noutras geografias, noutras lojas, noutros turnos ou noutras equipas.
Esta aproximação pode dar origem a comunidades de prática ou interesse, ou simplesmente potenciar ricas trocas de experiência, perspetivas ou ideias.
Veja-se, por exemplo, a HEINEKEN: ao disponibilizar e dinamizar uma plataforma digital interna, aproximou colegas da área logística, criando espaço para que surgissem e fossem disseminadas ideias que se traduziram em grandes ganhos para a empresa.
Se não esquecermos que a inovação surge da interseção de ideias, experiências e conhecimento, não é difícil perceber como estas plataformas digitais podem ajudar.
Por outro lado, e o Social Collaboration Maturity Benchmark também olha para isso, estas plataformas podem ser usadas para alimentar e potenciar a fase de ideação mas também para agilizar as fases seguintes do processo de inovação.
As plataformas podem ser usadas para mobilizar todos os colaboradores para que sejam os olhos e ouvidos da organização na recolha de feedback sobre um novo produto, para o teste de um novo serviço, para darem ideias no momento de fazer o marketing desse novo serviço, etc.
SAPO TEK: As novas gerações que estão a entrar no mercado estão mais preparadas para os modelos híbridos?
Ana Neves: Sim e não. Sim, no que diz respeito ao à-vontade que têm para a utilização das plataformas digitais. Por outro lado, a utilização destas plataformas num contexto organizativo é diferente da utilização das redes sociais e diferente também da forma como estão habituadas a usá-las no contexto académico de onde saem.
Por último, falta-lhes experiência de trabalho e há práticas e conhecimento tácito que são mais difíceis de apreender em contexto remoto ou híbrido.
A agenda completa do Social Now 2022 pode ser consultada online. O SAPO TEK é parceiro de media e os nossos leitores têm acesso a 10% de desconto no momento de inscrição, usando o código TEKSAPO.
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