“O programa de neurodiversidade começou na Critical Software porque nós precisamos de todo o talento que pudermos ter na nossa equipa e acreditamos muito no poder da diversidade”. Catarina Fonseca, Coordenadora do Programa de Neurodiversidade da Critical Software, tem muito clara a visão do projeto que começou em 2021 e que avança agora para uma nova edição, assinalando o Dia Mundial de Consciencialização do Autismo, a 2 de abril.

Em entrevista ao SAPO TEK admite que o Programa de Neurodiversidade é “muito desafiante” mas ao mesmo tempo muito recompensador para as três tecnológicas envolvidas, assim como para todas as equipas, e não apenas para os profissionais autistas que são integrados.

O arranque do projeto na Critical Software foi em 2021, com a parceria com a Specialisterne, uma organização dinamarquesa especializada na formação e integração de pessoas com autismo para o mercado de trabalho. Atualmente já conta com a Critical TechWorks e a NOS, que se juntaram à iniciativa em 2022 e 2024, respetivamente.

Neste período o programa recebeu mais de 280 candidaturas de potenciais candidatos, passaram a fases de formação 50 pessoas e já foram contratados mais de 30 profissionais neurodiversos, sendo que 15 trabalham na Critical Software e os restantes nas outras parceiras. A nova edição tem como objetivo formar 14 candidatos, mas os números não espelham a profundidade do impacto da iniciativa.

“Aquilo a que nos propusemos em 2021 foi garantir que, entre as pessoas que contratamos, algumas são neurodiversas”, explica Catarina Fonseca. Sabia que a maioria dos candidatos seria sempre neuro típica, mas a ideia era “criar um programa estruturado de forma a garantir que o nosso processo de seleção é inclusivo e remove barreiras para que as pessoas com um diagnóstico de espectro de autismo possam mostrar o seu potencial para a Critical, ser bem sucedidas nesta primeira fase de seleção, e depois se possam integrar com sucesso”.

Havia dúvidas sobre a possibilidade de conseguir logo um processo com sucesso no arranque, mas “sabíamos que queríamos fazer bem, não queríamos fazer uma experiência”. A parceria com a Specialisterne foi fundamental, com o know how de integração de pessoas autistas, num processo de seleção que é longo e envolve muitas entrevistas.

“Pretendemos emprego a longo termo, fazer a seleção de forma estruturada e garantir boas condições para manter os colaboradores conosco”, explica  Catarina Fonseca.

Isso tem sido conseguido e a coordenadora do programa diz que todos os profissionais neurodiversos que entraram em 2021 continuam na Critical Software. "São pessoas incríveis, que nos ensinam muito", sublinha.

Catarina Fonseca coordenadora do Programa de Neurodiversidade da Critical Software
Catarina Fonseca coordenadora do Programa de Neurodiversidade da Critical Software Catarina Fonseca, coordenadora do Programa de Neurodiversidade da Critical Software créditos: Critical Software

O impacto tem também sido reconhecido a nível nacional e internacional e a iniciativa já recebeu várias distinções. A mais recente é a do Zero Project Conference 2025 das Nações Unidas, com a partilha das boas práticas numa conferência que decorreu este mês em Viena, na Áustria, e onde o programa de neurodiversidade foi o único projeto português distinguido neste fórum mundial de inclusão.

Impacto em toda a empresa e nas equipas

O sucesso logo desde o início foi importante para trazer confiança à iniciativa. Para além da seleção e formação dos profissionais neurodiversos, houve também um trabalho interno, de desconstruir o estigma junto das equipas e apostar na formação dos colegas e da própria empresa. Ideias pré-concebidas de que estas pessoas são sobredotadas, ou que vão pedir sempre muito apoio, foram sendo ultrapassadas com a experiência.  Catarina Fonseca admite que isso trouxe um grande valor e “fez evoluir muito as pessoas enquanto comunidade e a própria empresa”, com impacto na forma de trabalhar.

“É uma aprendizagem para todos […] estamos mais preocupados com o que as pessoas precisam em concreto para fazer o seu trabalho”, admite a coordenadora do projeto.

Mais empatia, capacidade de ouvir os outros, respeito e valorização de diferentes formas de pensar e esforço para garantir boas condições para fazerem melhor as suas tarefas, são conquistas que a coordenadora do projeto reconhece ao longo destes anos. E nota que os gestores de equipa valorizam também esta oportunidade de terem equipas mais diversas.

Competências técnicas exigentes

Para a Critical Software a exigência do processo de recrutamento é um ponto de que não abdica. “A seleção do programa não é fácil. Não facilitamos a integração dos profissionais autistas”, garante Catarina Fonseca, dizendo que este é um trabalho de inclusão baseado no mérito. Os profissionais autistas têm de ter as competências técnicas de desenvolvimento de software e metodologias, uma aptidão grande para a área tecnológica e as valências adequadas, incluindo da comunicação em inglês.

Programa de Neurodiversidade da Critical Software
Programa de Neurodiversidade da Critical Software créditos: Critical Software

Uma empresa como a Critical Software tem projetos superdesafiantes, para clientes internacionais, como a Boeing, a Bombardier e grande indústrias a nível mundial, em projetos muito complexos […] é muito relevante que as nossas equipas sejam fortes, dotadas de valências técnicas e não técnicas complementares”, destaca.

A Critical TechWorks e a NOS, que se juntaram mais tarde, têm também processos de recrutamento e formação exigentes, mas que são complementares, dado que os requisitos não são os mesmos, e isso é muito positivo para o programa de neurodiversidade.

A taxa de desemprego entre pessoas neurodiversas é muito elevada, rondando os 80 a 85%, e o esforço na promoção de programas de recrutamento inclusivos tem um grande impacto. Catarina Fonseca destaca a independência e autoconfiança que as pessoas autistas conquistam com uma boa integração, o que é também benéfico para a sociedade.

A mensagem do programa é clara "procuramos pessoas com diagnóstico de autismo que queiram trabalhar em tecnologia", diz Catarina Fonseca. O perfil dos candidatos está especificado no site do programa onde se refere a maioridade legal, a motivação para a área das TI, nível médio de inglês e conhecimentos intermédios de uma linguagem de programação (Java, .net, C, C++ ou outra) ou de metodologias de desenvolvimento / segurança / testes de software.

Fazer crescer a iniciativa de inclusão de pessoas neurodiversas

O objetivo é fazer com que a iniciativa de empresas neuro-inclusivas cresça em Portugal. “Queríamos muito ter outras empresas a aderir ao programa, e fazer uma frente unida, não pelo protagonismo mas pelo impacto e alcance que pode ter”, afirma, explicando que pode vezes estão a avaliar uma pessoas que pode qualquer razão não se enquadra nas necessidades das atuais empresas envolvidas, mas que pode ser um “encaixe” perfeito para outro tipo de projetos.

“Não há concorrentes nisto, quando mais empresas aderirem melhor”, defende, admitindo que já está pensada a forma de alargar a mais edições de recrutamento por ano e até descentralizar para mais cidades.

Para já está a decorrer a edição de 2025, que conta com a realização de dias abertos em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga e Viseu. As empresas parceiras esperam formar 14 candidatos, no decorrer de cinco semanas, e empregar pelo menos oito, e todo o processo está explicado num novo website desenvolvido para o programa.

A Critical Software promove os dias abertos na região de Coimbra e Viseu, nas tardes dos dias 1 e 2 de abril, enquanto a Critical TechWorks e a NOS assumem a organização dos dias abertos em Lisboa, Porto e Braga. Na NOS está marcado para a tarde do dia 31 de março e os dias abertos da Critical TechWorks estão previstos para os dias 3 de abril, no Porto, e 4 de abril, em Braga.

Catarina Fonseca explica que esta é uma oportunidade dos potenciais candidatos, e também das famílias, conhecerem o programa e contactarem com o ambiente das empresas, ou tirarem dúvidas. “São coisas que parecem pequenas mas que são importantes para estas pessoas, como ver o local onde vão trabalhar e o tipo de ambiente”, refere como exemplo.

A participação nos dias abertos é gratuita mas é necessário fazer uma inscrição.