O mercado dos smartphones está a viver um fenómeno curioso: as vendas dos equipamentos novos estão com uma queda a pique, tendo registado uma quebra de 11,3% em 2022, totalizando 1,21 mil milhões de unidades, o que representa o número mais baixo desde 2013. Por outro lado, em direção oposta, os smartphones recondicionados cresceram 11,5% no ano passado, representando a venda de mais de 282 milhões de unidades, segundo números apurados pela IDC. O SAPO TEK procurou fazer um ponto de situação para o mercado português e falou com a IDC, as principais empresas vendedoras de recondicionados e com o comparador de preços KuantoKusta.

Francisco Jerónimo, vice-presidente, Data & Analytics - Devices Europe na IDC, explicou ao SAPO TEK que os números apresentados são globais, não havendo registos por mercado e dessa forma não tem a informação da realidade portuguesa. No entanto, salienta que existem os smartphones recondicionados e os vendidos em segunda-mão, que são os aparelhos colocados em marketplaces diretamente pelos utilizadores, como é o caso do OLX e esses não entram para as contas.

No que diz respeito ao mercado de recondicionados, destaca que as pessoas já perceberam o potencial da proposta de valor nos smartphones topo de gama. Ao fazer o investimento, também recebem mais quando efetuam a sua troca por outro melhor. Na sua visão, o consumidor já se questiona se vale a pena comprar o último modelo do iPhone, ou se adquire o da geração anterior recondicionado com um grande desconto. Os produtos com garantia, recondicionados por empresas parceiras certificadas, dão maior credibilidade aos negócios, “pois não são reparados pela loja da esquina”.

Só em 2022, a iServices registou 16 milhões de euros em faturação, considerando que a cadeia de lojas se restringe à oferta de produtos da Apple, dos iPhones, iPads, Macbooks e Apple Watches. Nas palavras do CEO Bruno Borges, o negócio de recondicionados da sua empresa tem estado em crescente expansão, “e presentemente, somos já o player de referência nacional”.

No balanço do seu negócio, Arnaldo Rodrigues, CEO da Forall disse ao SAPO TEK que em 2022 fundiu as operações com a Openbox, aumentando as sinergias nos processos de compra e trade-in. O ano foi encerrado com um total de vendas de cerca de 12 mil iPhones recondicionados. As suas projeções para 2023 é crescer entre 15 a 20% na venda de iPhones. “Em termos brutos esperamos crescer mais, mas o crescimento será devido à internacionalização que estamos a implementar em Angola”.

Já a Swappie não partilhou os números solicitados, mas Luísa Vasconcelos e Sousa, country manager da empresa em Portugal também reforçou que 2022 foi um ano bastante positivo para a empresa, nos 25 países onde opera e que se continuar a observar um ritmo de crescimento muito rápido.

Veja na galeria algumas lojas onde pode comprar smartphones recondicionados:

Sustentabilidade na primeira linha

O impacto ambiental é uma das preocupações dos mais jovens, afetando as suas decisões de consumo. A Swappie realizou ações de educação e sensibilização sobre a importância do consumo sustentável dos aparelhos tecnológicos. E suporta dessa forma que o caminho é a economia circular. Além deste conceito, Francisco Jerónimo realçou a importância do conceito da sustentabilidade e como a Apple há muito que vende os seus equipamentos recondicionados de forma indireta, através dos seus parceiros, tais como as empresas aqui apontadas.

Mas agora a Apple assumiu o negócio, anunciando que em alguns mercados passaria a vender o iPhone 13 recondicionado, para já em países europeus como o Reino Unido, Alemanha, Itália e Espanha. Mas para Francisco Jerónimo, o mercado só funciona com modelos de alta gama “ninguém quer comprar recondicionados de baixa gama”. Reforça que as pessoas ou não têm capacidade financeira ou consideram que não justifica comprar novo, poupando dessa forma bastante dinheiro com produtos recondicionados, por serem de boa qualidade e recentes.

Nas palavras de Francisco Jerónimo, para muitos utilizadores apenas justifica comprar novos equipamentos quando há alguma inovação significativa. E nesse sentido, os recondicionados mais baratos são apetecíveis. O facto de serem equipamentos certificados e com garantia da fabricante dá maior descanso ao consumidor, sabendo que não terá grandes problemas. E isso nota-se sobretudo num período inflacionário como o que se está a viver, que afeta a decisão de comprar equipamentos novos.

"Os smartphones chegaram a um nível de qualidade em que a diferença de comprar um novo modelo para o anterior praticamente não existe", disse Francisco Jerónimo, vice-presidente, Data & Analytics - Devices Europe na IDC

“A tendência é crescente e será expectável que nos próximos meses sofra uma aceleração adicional por consequência da quebra do poder de compra”, refere Ricardo Pereira, diretor de marketing do KuantoKusta, sobre a procura de equipamentos recondicionados. Mas não só nos smartphones, os portáteis já representam quase 50% da oferta em produtos recondicionados. “Expectamos que esta seja uma tendência e que se aplique a cada vez mais produtos, destacando-se desktops, tablets, entre outros”, disse o especialista do KuantoKusta em entrevista ao SAPO TEK.

O impacto da nova lei que prolonga a garantia dos equipamentos recondicionados

Questionando as empresas de venda de recondicionados sobre o impacto da lei da garantia dos produtos recondicionados, que entrou em vigor em janeiro de 2022, a iServices afirma que teve um impacto positivo em toda a indústria da tecnologia. “Os fabricantes estão obrigados a conceder um maior prazo de garantia, e como tal, desde logo, este aspecto pressupõe o prolongamento do ciclo de vida de todos os equipamentos eletrónicos”, destaca Bruno Borges.

Mas é a credibilização do mercado dos recondicionados que também salienta, aumentando a confiança dos consumidores, que podem ter acesso a um aparelho eletrónico usado com o mesmo grau de qualidade e período de garantia de um novo, mas a um preço mais competitivo.

Francisco Jerónimo refere que a garantia retira a preocupação das pessoas, por saberem que o recondicionado tem qualidade, “pelo menos nos primeiros seis meses”. Por essa razão diz que a Apple deixou de vender através de parceiros, para assumir as próprias vendas, acreditando que a Samsung poderá seguir os meus passos em breve. No entanto, a venda incide apenas nos modelos topo de gama, porque ao serem caros, mesmo que venham a ser vendidos recondicionados, continuam a dar uma margem de lucro. “Todos os custos logísticos associados aos produtos recondicionados matam o valor dos produtos de baixa gama”, salienta o analista da IDC.

"As fabricantes estão obrigados a conceder um maior prazo de garantia, e como tal, desde logo, este aspeto pressupõe o prolongamento do ciclo de vida de todos os equipamentos eletrónicos”, destaca Bruno Borges, CEO da iServices

Para a Forall, essa lei deu à empresa a oportunidade de reavaliar os seus processos de controlo de qualidade, introduzir melhorias nos procedimentos técnicos e adotar novas ferramentas para validar e controlar a performance dos equipamentos que vende. “Acabou por nos dar a segurança e a confiança necessárias para incrementar o tempo de garantia nos iPhones da Forall para 5 anos”, explicou Arnaldo Rodrigues.

Na Swappie, a lei ajudou a criar uma maior confiança das pessoas em produtos recondicionados, colmatando alguma desconfiança ou incerteza sobre o modelo de economia circular. Ainda sobre este ponto, a iServices diz que os seus serviços de reparação se tornam cruciais, ajudando a prolongar o tempo de vida útil dos equipamentos em mais 4 ou 5 anos, mesmo que isso signifique reparações simples como uma troca de bateria ou o vidro do ecrã do smartphone.

Nas suas estatísticas, o KuantoKusta não consegue estabelecer uma relação entre causa e consequência referente à alteração da legislação e o comportamento do consumidor. “Aquilo que conseguimos aferir com segurança, é que 2022 foi um ano atípico e houve muitos fatores que tiveram uma forte influência no consumo, nomeadamente o início da guerra que coincidiu com a entrada em vigor da legislação”, disse Ricardo Pereira, acrescentando que a escalada na inflação também afetou o orçamento disponível de muitas famílias.

A iServices acrescenta que para se fabricar um smartphone novo, é necessário retirar da natureza recursos como o lítio, o cobalto, o cobre e outros minerais raros como a platina. E a compra de um recondicionado economiza em média 30 kg de CO2, diversos quilos de matérias-primas e muitos litros de água do meio-ambiente.

A Selectra é especialista em comparar preços de produtos e serviços de telecomunicações e salienta que em Portugal, embora haja mais consciencialização da poupança económica e ambiental, “acabam muitas das vezes por optar pela versão nova e atualizada”. A especialista salienta que os smartphones recondicionados são submetidos a avaliações rigorosas para verificar se estão em bem estado, o mesmo não acontece se comprar um equipamento em segunda-mão a um particular.

E além disso, as empresas especializadas apagam completamente os dados do utilizador anterior, depois de verificar que não se trata de um smartphone roubado. O serviço pós-venda é outra vantagem apontada, pelas perguntas que os clientes podem colocar sobre o funcionamento e reparações imediatas. Além disso, podem deslocar-se às redes de lojas físicas das empresas para esclarecer questões ou pedir a garantia dos equipamentos recondicionados.

Apple domina as vendas de smartphones recondicionados

O analista da IDC refere que as marcas começam a achar que também é um excelente negócio para si, porque num prazo de 3 ou 4 anos conseguem vender duas vezes o mesmo equipamento. “Trocam basicamente a bateria, verificam se está bom e voltam a vender”, refere Francisco Jerónimo.

A Swappie explicou que o seu processo de recondicionamento passa por 52 passos exigentes, onde são testadas as peças e funcionalidades dos smartphones de forma exaustiva. A bateria verificada e limpeza geral do equipamento, assim como reparações externas, verificáveis a “olho nu”, como o ecrã, moldura, botões e câmara. Mas são as verificações do hardware a parte mais extensão do processo, incluindo o microfone ou sensibilidade do ecrã. Se bateria tiver uma capacidade inferior a 80% é trocada por uma nova.

Os smartphones recondicionados são também classificados quanto ao seu estado de conservação, oferecendo aos clientes uma forma de avaliar o seu uso e dessa forma fazer contas. A iServices afirma que os seus equipamentos vendidos passam por testes de qualidade rigorosos, além de não comercializar equipamentos que recebam classificações abaixo do “Grade B”. Pretende dessa forma diferenciar-se na qualidade da oferta e com as vantagens referentes a um topo de gama novo, com a respetiva garantia dos 3 anos. “O nosso desconto associado a estes equipamentos permite democratizarmos o acesso a estes desejados produtos de luxo, a toda a população, com preços acessíveis”, disse Bruno Borges.

Os equipamentos da Apple lideram as tendências do mercado de smartphones recondicionados e da economia circular. Mas segundo dados do KuantoKusta, outros recondicionados topo de gama da Xiaomi e Samsung também são procurados.

As questões da diminuição da pegada de carbono, relativo aos resíduos elétricos e eletrónicos é uma tendência pontada pela iServices. “Estamos convictos de que há ainda um longo caminho a percorrer e que este mercado tem ainda muito por onde crescer”, disse Bruno Borges, apontando os números projetados do crescimento contínuo do mercado até 2026.

Sobre as tendências do tipo de equipamento mais adquirido, a Forall aponta que dentro dos equipamentos da Apple, estão a ser adotados os que dispõem de reconhecimento facial. Mas quanto ao público, se nos primeiros anos havia mais jovens, com a crescente maturidade do mercado, diz que vende a todas as faixas etárias. Na Swappie a procura continua a protagonizada sobretudo por jovens, por estarem mais despertos às questões do ambiente e exigentes nas suas escolhas de consumo, além da relação qualidade-preço que pesa nas suas escolhas. “Os consumidores procuram opções económicas e de grande qualidade, sendo que a garantia de um produto e o serviço de excelência são também critérios fundamentais na escolha de um telefone recondicionado”, disse Luísa Vasconcelos e Sousa.

Apesar dos preços díspares, consoante os equipamentos, a KuantoKusta prevê uma poupança de cerca de 20% para os consumidores que optam por um smartphone recondicionado. E mais uma vez, nas estatísticas do comparador de preços, os smartphones iPhone da Apple continuam a ser os mais procurados. “Nos 200 smartphones mais procurados, 147 são iPhones”, salienta Ricardo Pereira. Os diferentes modelos iPhone 11 assumem a lista dos equipamentos mais procurados, havendo ainda um Samsung Galaxy S20 Ultra em 7º lugar da tabela.

Embora não haja uma indicação concreta sobre a expansão no mercado dos recondicionados assumido por marcas, a Samsung também já faz campanhas de recolha de equipamentos usados na venda de novos. Para Francisco Jerónimo, a entrada direta da Apple no mercado de recondicionados tem dois objetivos: continuar a incentivar os utilizadores a trocar de smartphone, mesmo fazendo um preço de retoma elevado ao vender um novo. “E ao vender recondicionados está a chegar a um novo público que de outra forma não conseguiria comprar, atraindo para o seu ecossistema um novo cliente”. Estas medidas permitem uma maior taxa de adoção e a Apple tem conseguido renovar os seus smartphones mais regularmente. Arnaldo Rodrigues salienta a vitalidade do iPhone pela interligação entre software e hardware, que não existe nos equipamentos Android.

“Um iPhone 8, por exemplo, lançado em 2017” continua a ser suportado nas atualizações da Apple e mantém uma usabilidade escorreita na grande maioria das aplicações”, destaca Arnaldo Rodrigues da Forall

Tendências do mercado para o futuro

Desde 2021 que a Samsung oferece diferentes programas de venda dos seus modelos topo de gama. O Buy and Try permite os utilizadores comprarem um smartphone e experimentarem durante 60 dias, podendo ser devolvido e recuperado o investimento se não estiverem satisfeitos. Além de outras soluções de financiamento sem juros, a fabricante oferece soluções de renting, ou seja, os utilizadores vão pagando mensalidades do equipamento durante o tempo estabelecido e no final ficam com a possibilidade de liquidar o valor residual e ficar com o equipamento ou devolvê-lo.

Este sistema de renting, de lançar os produtos como serviços, na opinião de Francisco Jerónimo será uma tendência que a Apple poderá inserir no seu ecossistema, ditando assim uma tendência, semelhante ao que já existe na indústria automóvel: “paga-se um valor para utilizar, uma subscrição. E se não quiser utilizar mais entrega-se no final do mês”.

Com a tendência das vendas dos smartphones recondicionados, a pergunta colocada é se esta começa a ter impacto nos preços dos equipamentos novos, se vão subir ou descer no futuro. O analista da IDC diz que essa é uma grande incógnita para o futuro e os riscos que as marcas vão ter de correr. Considera que com o crescimento dos recondicionados, vai haver menos aptidão para procurar os novos e isso vai ter impacto. Mas na opinião de Francisco Jerónimo, as fabricantes vão continuar a apresentar funcionalidades que justifiquem um preço mais elevado dos novos, mas também poderá acontecer que tornem os preços mais atrativos, uma vez que depois recuperam o valor no mercado dos recondicionados. “É o mesmo pensamento que nos automóveis. Ninguém compra um carro novo se entregar o seu usado para recondicionamento”.

E no caso dos smartphones da Apple, nas suas últimas contas aos acionistas, apenas o segmento dos serviços teve um crescimento. O analista da IDC diz que a Apple tem a vantagem de apresentar uma série de serviços atrativos, procurando dessa forma atrair mais utilizadores para o ecossistema através de um iPhone ou iPad. “Nos últimos seis a sete anos a Apple duplicou a sua base de utilizadores para 2 mil milhões. Não há outra fabricante com este número”, reforçou Francisco Jerónimo. O exemplo que mais se aproxima é a HP com o seu ecossistema de impressoras, mas mesmo assim com números muito abaixo.

Sobre as consequências que a venda assumida de recondicionados pela Apple terá nas lojas especializadas, a Forall admite que poderá ter algum impacto no seu negócio. Mas a sua entrada “vem oferecer ainda mais reconhecimento de qualidade e credibilidade ao segmento”, refere Arnaldo Rodrigues, acrescentando que foi algo que a entrada dos operadores em 2021 já tinha também contribuído. A confiança da empresa nos seus produtos permite-lhe oferecer, além dos 5 anos de garantia, a garantia da recompra do equipamento ao cliente. A Swappie também vê de forma positiva a entrada da Apple no mercado, demonstrando o caminho a seguir de aliar hábitos de compra mais sustentáveis à venda de equipamentos de qualidade elevada.

“A nossa ambição é que os recondicionados se tornem a primeira opção dos portugueses e, na Swappie, vamos continuar a implementar ações que promovam a educação para o consumo sustentável”, destaca Luísa Vasconcelos e Sousa. A empresa está dedicada a contrariar as estimativas que apontam que até 2030, existam cerca de 74 milhões de toneladas de lixo eletrónico a nível global. E para isso, a necessidade de aumentar o máximo do ciclo de vida dos equipamentos. E que os 10% do mercado de smartphones que os recondicionados representam, a tendência será aumentar essa percentagem. A KuantoKusta, pelos dados que tem das procuras, refere que apesar de ter havido crescimentos acima dos dois dígitos nos últimos anos, o mercado de smartphones recondicionados ainda não chegou aos dois dígitos.

Independentemente da velocidade do crescimento e adoção, todos os players parecem estar alinhados pela direção que o mercado dos smartphones recondicionados está a ter. E o crescimento acentuado e sustentado das vendas, salientando as vantagens para os consumidores, como a poupança na aquisição de equipamentos de topo e a segurança da garantia prolongada. Só resta saber como se as marcas vão seguir as mesmas tendências de abraçar o negócio como a Apple e qual vai ser o respetivo impacto no mercado geral. Os preços dos novos vão subir ou descer neste novo paradigma?