Por Nuno Ferro (*)
É fácil darmos por garantida a capacidade de processamento que trazemos na palma da mão. A massificação dos computadores pessoais e o surgimento dos smartphones revolucionaram o nosso dia-a-dia, mas, se pensarmos que o poder de processamento que em 1969 permitiu a viagem da Apollo 11 à Lua não superava o de uma calculadora, começamos a perceber a escala e a rapidez com que os avanços têm ocorrido.
A programação recua a 1883, ano em que a inglesa Ada Lovelace se tornou pioneira ao escrever o primeiro algoritmo a ser processado por uma máquina. Cento e quarenta anos volvidos, são mais de 500 as linguagens de programação conhecidas, na dita programação tradicional e não só. Autocode, Fortran, Basic, C, Python e, mais recentemente, Java, PHP e JavaScript são algumas das evoluções registadas. Já em 2014, foi a vez do conceito de low code surgir pela primeira vez – outro marco relevante na história da programação. Mais rápido, visual e acessível em termos de recursos, já que o low code não exige um conhecimento aprofundado de código, este tipo de programação tem registado uma adoção crescente. Segundo a consultora Gartner, em 2025, 70% das aplicações desenvolvidas pelas empresas utilizarão este tipo de programação, uma realidade que também traz consigo uma necessidade acrescida de talento especializado.
Ao mesmo tempo que o progresso na área tecnológica nos dá acesso a novas soluções, também as competências exigidas aos programadores são sujeitas a adaptações. As novas metodologias de desenvolvimento, como Agile ou Lean, tiveram, a este nível, um impacto significativo, na medida em que vieram reforçar a importância da colaboração humana na concretização dos projetos. Se olharmos para o manifesto Agile, vemos como as soft skills são um elemento indissociável da procura por melhores formas de desenvolver software: “Indivíduos e interações em vez de processos e ferramentas”, “Colaboração com o cliente em detrimento da negociação de contratos” e “Reagir à mudança em vez de seguir um plano”.
Ao aplicarmos estas metodologias no desenvolvimento de software, as competências humanas são a base que vai permitir que as equipas funcionem de forma unida, estabeleçam ligações proveitosas com clientes e consumidores finais e comuniquem eficazmente, de forma a obter os resultados pretendidos. Comunicação, adaptabilidade, capacidade para trabalho em equipa ou gestão do tempo são, por isso, competências cada vez mais relevantes e tornam o profissional mais preparado para o futuro.
Por outro lado, o futuro da programação será cada vez mais definido pelo impacto da Inteligência Artificial (IA). Representando (mais) uma evolução histórica, a IA permite acelerar tarefas como a redação de código ou a realização de testes, agilizando a entrega dos projetos. No entanto, a IA deve ser vista como um complemento (e não como um substituto) do pensamento humano, permitindo-nos aumentar as nossas próprias competências e concentrar-nos em tarefas mais complexas e desafiantes. Neste contexto, ampliar os limites da tecnologia, através do discernimento humano, passa a ser tão necessário quanto considerar as implicações éticas e sociais das soluções propostas. Competências como a resolução de problemas, a curiosidade, a comunicação ou a criatividade serão, por isso, cada vez mais necessárias para trabalhar em programação.
Apesar do elevado ritmo no progresso tecnológico, se não tivermos talento capacitado, não seremos capazes de concretizar os benefícios que a inovação promete. Por isso, é também necessário desenvolver as ferramentas para combater a escassez de talento neste setor. Não bastará que os programadores se adaptem, o mercado exige mais perfis. Segundo o Talent Shortage Survey 2023, estudo desenvolvido pelo ManpowerGroup, 87% das empresas afirmam sentir dificuldades em encontrar perfis com as competências necessárias, pelo que é também fundamental que as organizações e as próprias pessoas invistam no reskilling e upskilling da força de trabalho existente, de forma a que seja possível acompanhar a evolução em curso.
Se há uma década os aspetos mais importantes para os programadores passavam pela aprendizagem de novas linguagens e estruturas, o mundo em transformação de hoje traz consigo um conjunto de desafios acrescidos, a que nem os profissionais da área tecnológica nem os empregadores podem ser alheios.
(*) Operations Director da Experis Portugal
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