Por Filipa Barros*
Aconteceu no princípio de Setembro de 1859. Exuberantes espetáculos de auroras boreais foram vistos muito mais a sul do que o habitual. Acompanhou-os algo menos agradável – várias estações de telégrafos ficaram danificadas por faíscas e até por incêndios. Foi a maior perturbação ao campo magnético da Terra registada até hoje. A esta tempestade geomagnética deu-se o nome de evento de Carrington.
Se um evento desta magnitude acontecesse agora, a vida quotidiana como a conhecemos seria severamente posta em risco. Telecomunicações, o fornecimento de energia elétrica, sistemas críticos ligados à navegação aérea, e as vidas dos astronautas são vulneráveis a fenómenos solares que desestabilizam o campo magnético terrestre. O que aconteceu em 1859 foi uma violenta ejeção de material do Sol e que atingiu a Terra – uma ejeção de massa coronal de energia fora do comum. Se algo idêntico nos atingir amanhã, é importante que sejamos capazes de o prever com a maior antecipação possível.
Este tipo de tempestades e eventos começam no Sol e propagam-se pelo espaço. Ao conjunto de fenómenos com impacto no meio orbital envolvente à Terra mas também na atmosfera e superfície do nosso planeta dá-se o nome de meteorologia espacial. Eventos como o de Carrington, em que um pedaço da massa do Sol é expelido (dando-se uma ejeção de massa coronal) são raros porém. Criam apenas habitualmente as belíssimas auroras boreais que se observam a maiores latitudes.
Para que consigamos compreender melhor o que se passa no Sol, os cientistas têm vindo a desenvolver modelos físicos e matemáticos de como este astro funciona. Desenvolveram-se também simuladores que utilizam estes modelos para mimetizar o que acontece no Sol, e perto dele, a 150 milhões de quilómetros, aqui na Terra. Assim se procura antecipar a evolução do seu estado com a antecedência de dias ou de horas.
Mais recentemente, alguns simuladores não só consideram a física estelar, mas também dados numéricos do passado, para tentarem aproximar-se ainda mais desta realidade que tentamos compreender e prever. Estes dados provêm de observatórios no solo, como o Swedish Solar Telescope (SST), e de observatórios no espaço, como o Solar and Heliospheric Observatory (SOHO).
No entanto, estes métodos não são determinísticos nem lineares, exigem grande poder de computação e muito tempo para se obterem resultados. Para acelerar a capacidade de previsão em tempo útil, os investigadores têm tentado aplicar aprendizagem computacional a este problema.
A aprendizagem automática ou computacional é um ramo da inteligência artificial que utiliza dados e algoritmos para imitar a maneira como os seres humanos aprendem, com a vantagem de o fazer com muito mais dados e rapidamente do que um humano é capaz. Com exposição a grande volume de informação, os modelos de aprendizagem computacional melhoram gradualmente a precisão das suas previsões.
Os algoritmos de aprendizagem automática estão a ser utilizados também com dados sobre o Sol e na previsão da meteorologia espacial. O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), em Portugal, é um dos centros de investigação científica onde está a ser desenvolvido este trabalho. As primeiras experiências indicam que estes métodos, sobretudo com algoritmos previamente treinados, e aliados às simulações físicas convencionais, conseguem de facto ser muito mais rápidos na previsão de tempestades geomagnéticas.
O grande objectivo é que, no futuro, sejamos capazes de antecipar as ejeções de massa coronal do Sol de intensidades extremas e tomar com tempo as medidas necessárias para minimizar os danos que irão ser causados por elas. Por exemplo, poderemos desligar as comunicações momentaneamente, ativar protocolos alternativos de navegação aérea, ou colocar os astronautas numa rota diferente ou num sítio mais seguro.
(*) estudante de doutoramento no Laboratório de Inteligência Artificial e Ciência de Computadores (LIACC), no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP). É também assistente convidada da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).
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