Está feito o lançamento e missão foi bem sucedida. O Ariane 6 é o mais recente foguetão de uma série que, há cinco décadas, lança a Europa em direção às estrelas no capítulo das chamadas cargas pesadas e quer marcar uma nova geração de “máquinas espaciais” mais versátil, modular e sustentável.

Hoje o momento tem mais relevância também para Portugal já que leva a bordo o primeiro satélite desenvolvido por uma universidade portuguesa, o ISTSat-1, contando com a telemetria da Critical Software e a monitorização inicial da “viagem” que vai ser feita a partir da ilha de Santa Maria, nos Açores.  O voo partiu às 20 horas, uma hora depois do previsto, mas tudo decorreu da melhor forma no lançamento e na colocação dos satélites CubeSat em órbita, incluindo o português.

O Ariane 6 vai existir em duas versões, com dois ou quatro propulsores acoplados, dependendo da força que a missão exija. Versátil, o seu estágio superior pode reacender várias vezes durante um único voo, colocando qualquer nave espacial em qualquer órbita - incluindo constelações -, da mesma forma que poupa um impulso final para regressar e queimar na atmosfera da Terra. Com caraterísticas modulares, “será continuamente adaptado às necessidades do futuro setor espacial”, escreve a ESA.

Conheça o novo foguetão da ESA num “resumo” em vídeo preparado pela ESA

Tudo estava preparado para, com as condições técnicas e meteorológicas reunidas, o voo inaugural do Ariane 6 acontecesse esta terça-feira, dia 9 de julho, com uma janela de lançamento das 16h00 às 20h00 locais, com uma atualização para a janela das 20h00 às 00h00 de Lisboa , depois do adiamento de uma hora face ao calendário avançado inicialmente.

O importante momento para o ecossistema espacial europeu pode ser acompanhado, em direto, através da ESAWebTV. A emissão começou 30 minutos antes da hora programada para o lançamento - ou seja, às "nossas" 19h30.

Acompanhe aqui o lançamento em direto com o SAPO TEK

A contagem decrescente para a partida do foguetão arrancou às 19h30, como definido depois do atraso, e enquanto se faziam as verificações, os especialistas da ESA contavam a história do foguetão e da sua preparação.

Faltavam menos de 12 minutos e todas as equipas estavam em alerta à medida que se aproximava a hora, com os níveis de concentração máximos para todas as verificações. E ainda havia espaço para o cancelamento se alguma das condições não estiver perfeita.

As condições foram cumpridas e à hora marcada, 20 horas de Portugal continental, o foguetão partiu, seguindo-se a fase de separação dos motores, já no espaço.

Ainda demorou mais de uma hora até que a "carga" de CubeSats osse colocada em órbita. Nesse pacote encontra-se o nanosatélite português, produzido por uma equipa de alunos e professores do Instituto Superior Técnico (IST).

A fase 2 da missão acabou por ser cumprida com sucesso por volta das 21 horas de Portugal continental e fez-se história

Veja as imagens da preparação e do lançamento

Uma missão com "mão" portuguesa

Na primeira vez em que voar, o Ariane 6 vai dar boleia a missões de nove países que vão ser lançadas, entre elas uma de Portugal: o nanosatélite ISTSat-1, construído por estudantes e professores do Técnico.

O cubo de 10x10x10 explora o potencial da nanotecnologia na eletrónica e leva a bordo cinco placasQuatro delas são aquilo que se designa por plataforma e que tem de existir em todos os satélites. Todas têm um processadoruma delas é a chamada carga útil do satélite - a placa responsável pela missão - e o resto faz parte da plataforma, incluindo o computador de bordo que controla tudo e o subsistema de comunicações.

“Este sistema é mais pequeno, mais simples, e consome menos energia do que as alternativas disponíveis comercialmente”, explicou ao SAPO TEK João Paulo Monteiro, investigador no IST NanosatLab e engenheiro de sistemas do ISTSat-1, numa fase em que o satélite já tinha passado por todos os testes para voar com o novo foguetão da ESA e faltava apenas a entrega de documentação técnica.

O nanosatélite entrará em órbita baixa circular, ficando a 580 km da Terra. Comparando os dados recebidos com dados de referência, a equipa do Técnico vai estar a receber as informações do satélite na estação-terra do polo de Oeiras e a verificar se o satélite cumpre a missão científica e a tecnologia desenvolvida deteta a presença de aviões em zonas remotas.

Enviará dados de vários tipos, entre eles informação relativa ao posicionamento dos aviões, que não são visíveis da Terra e só se conseguem ver a partir do espaço.

Clique nas imagens para conhecer o trabalho desenvolvido pela equipa do ISTSat-1

O ISTSat-1 deverá ser colocado em órbita cerca de uma hora após o lançamento e, passados 45 minutos, “abrirá as antenas e começará a enviar telemetria através de um sinal codificado em Morse, na frequência de 145.895 MHz”, explicou João Paulo Monteiro em novas declarações ao SAPO TEK. A primeira passagem do satélite "vísivel" de Portugal deverá acontecer quatro horas depois  de ser colocado em órbita.

João Paulo Monteiro confessou que há vários aspectos que deixam a equipa apreensiva, "o que é normal para qualquer satélite e ainda mais para a nossa primeira tentativa", embora tudo tenha sido testado "exaustivamente ao longo de mais de dois anos", tanto em Terra como em ambiente simulado de espaço, e tudo pareceu estar a funcionar como esperado. "Se houve algo que aprendemos nesses dois anos é que há sempre situações particulares que ninguém anteviu e que, por acaso, nunca ocorreram durante os testes",

"Nesta fase, estamos de consciência tranquila: fizemos tudo o que estava ao nosso alcance", disse João Paulo Monteiro.

Além do satélite do IST, que volta a colocar Portugal no mapa espacial depois do PoSAT-1, de há 30 anos, e do Aeros MH-1, lançado no início de março, o modelo de mais de 60 metros de altura e perto de 900 toneladas leva consigo missões destinadas a medir raios gama, monitorizar a vida selvagem e testar células solares “autocurativas”,  integrando também cápsulas destinadas a reentrar na atmosfera da Terra para testar novos materiais.

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Voo dividido em três partes

O primeiro voo do Ariane 6 terá três fases, cada uma demonstrando várias capacidades do novo foguetão de cargas pesadas da Europa. Num primeiro momento depois do lançamento usando o motor Vulcain 2.1 e dois poderosos propulsores P120C, o estágio principal vai separar-se do estágio superior e o motor Vinci que o insere dará o seu primeiro impulso, colocando-o, e aos seus passageiros, numa órbita elíptica 300 por 700 km acima da Terra.

Na segunda é quando o mais novo recurso do Ariane 6 é posto à prova: há o reacendimento do estágio superior, com o motor Vinci a disparar novamente pela segunda vez, mudando a órbita do Ariane 6 de elíptica para circular a 580 km da superfície da Terra, para permitir a implementação dos satélites e a ativação das experiências a bordo, primeiro três satélites  - OOV-Cube, Curium One e Robusta-3ª - e a ativação de duas experiências - YPSat e Peregrinus - e, alguns segundos depois, o segundo lote de satélites onde se inclui o português ISTSat -além do 3Cat-4 e GRBBeta - e as ativação das duas experiências restantes - SIDLOC e Parisat. Um terceiro comando de separação implantará o CURIE e o replicador.

O último momento da “viagem” abrange um novo reacendimento do estágio superior após o seu período mais longo desligado no espaço, iniciando a saída controlada de volta através da atmosfera terrestre sobre o “ponto NEMO” no Pacífico Sul. As duas cápsulas de reentrada a bordo vão separar-se para regressar à Terra, e o estágio superior será passivado - removendo qualquer energia a bordo para evitar possíveis explosões - antes de queimar na atmosfera. O Ariane 6 foi projetado para ter essa capacidade: evitar que o estágio superior permaneça no espaço como mais um detrito.

Além do nanosatélite ISTSat-1 e da tecnologia de telemetria da Critical Software, vai ter a estação da ESA em Santa Maria, Açores, a acompanhar o período inicial da “viagem” sobre o Atlântico.

Açores de olhos postos no espaço

A estreia no espaço do Ariane 6 será monitorizada por uma rede global de estações terrestres, incluindo duas da Agência Espacial Europeia (ESA), em Santa Maria, Portugal, e New Norcia, Austrália. As duas unidades estão estrategicamente localizadas ao longo da trajetória do Ariane 6 e vão acompanhar as fases principais do voo e recolher telemetria e imagens vídeo para analisar o desempenho do foguetão, à medida que este alcança velocidades de até 28.000 km/h.

A monitorização terrestre é crucial para obter informações sobre a saúde e desempenho do lançador, especialmente durante marcos críticos como fases de impulso ativo e separação de carga útil.

Nanosatélite do IST em contagem decrescente para voar com o foguetão Ariane 6
Nanosatélite do IST em contagem decrescente para voar com o foguetão Ariane 6
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Os dados recolhidos permitirão ajustar e melhorar o desempenho do lançador, aumentando a precisão e confiabilidade dos lançamentos futuros.

Inicialmente estabelecida para comunicar com satélites, a rede de estações terrestres da ESA - Etrack - foi alargada para apoiar lançamentos de foguetões, em 2008, com a adição de uma estação e de uma antena de 5,5 m na Ilha de Santa Maria. A partir daqui, a estação tem visibilidade sobre grande parte do Oceano Atlântico.

Cerca de 50 minutos após o lançamento, o Ariane 6 aparecerá acima do horizonte na Austrália Ocidental e aqui o "testemunho" é passado à estação de New Norcia.

Percurso Ariane 6
Percurso Ariane 6 Infografia do lançamento do foguetão Ariane 6 créditos: ESA

Durante o voo, múltiplos fluxos de dados, incluindo vídeo, serão processados e enviados para análise. A partir do software desenvolvido pela Critical Software existem dois tipos de telemetria gerados: um para a monitorização do voo em tempo real e outro para o pós-processamento e análise da qualidade de voo.

Este software de telemetria agregará e processará, em apenas cinco milissegundos, a enorme quantidade de dados gerada pelos sensores “on-board”, em tempo real e de modo determinístico, garantindo que os constrangimentos e requisitos de transmissão são respeitados antes de os dados serem enviados.

Assim, as estações de controlo terrestre poderão utilizar esses dados, que são essenciais para a monitorização e controlo das várias fases do lançamento. Além disso, esses dados permitirão a análise e correção de eventuais falhas que possam comprometer o foguetão.

Nota da redação: A notícia foi atualizada com o acompanhamento da missão. Última atualização 21h27