Fortnite é o jogo mais badalado dos últimos tempos, um fenómeno comparável à febre de Pokémon GO: amigos, família, pais e filhos, e provavelmente as avós reformadas jogam Fortnite (não temos a certeza, não fomos à casa delas). O título, que ainda se encontra numa fase de testes beta, tem mais de 125 milhões de jogadores registados e muitos deles ativos diariamente. Embora de acesso gratuito, já faturou mais dinheiro do que muitos outros de qualidade premium a custarem 70 euros.
A chegada às plataformas Android fecha um círculo de lançamentos que começou no PC, seguindo-se as consolas domésticas PS4 e Xbox One, depois a versão mobile em iOS e também a Switch da Nintendo. Todos querem uma fatia do negócio, e até a recente decisão da Epic não colocar a versão Android na Play Store da Google, deixou a gigante tecnológica “pendurada” em mais de 50 milhões de dólares em royalties oriundos das microtransações feitas no jogo, valor estimado por baixo, baseado no valor que a Apple arrecadou com a versão iOS.
Mudanças e reviravoltas na produção
Apesar do sucesso mediático, sabia que nem tudo correu bem a Fortnite e que este está em produção desde 2010? O jogo da Epic Games está repleto de histórias curiosas e decisões de última hora que poderiam ter resultado num final completamente oposto ao sucesso obtifo. Na verdade, Fornite: Battle Royale, que é o modo de jogo “secundário” que originou esta explosão de sucesso, foi inspirado em outros títulos meteóricos como Playerunknown’s Battlegrounds (PUBG), e antes disso H1Z1. O conceito é simples, colocar uma centena de jogadores num gigantesco mapa, com o objetivo de revistarem casas para procurar armas e equipamento e sobreviver. O último a permanecer vivo ganha a partida, daí o nome Battle Royale, inspirado no filme japonês homónimo de 2000. Talvez conheça a série de filmes/livros Hunger Games? Mais uma inspiração direta no conceito.
A Epic Games é uma produtora de videojogos com quase 30 anos de existência, sendo conhecida sobretudo pelas séries Unreal Tournament e Gears of War, mas mais ainda pela sua "tecnologia de ponta", o motor Unreal que alimenta uma grande percentagem de videojogos no mercado produzidos ao longo dos anos. O seu fundador, Tim Sweeney, é considerado uma das mentes mais brilhantes da indústria dos videojogos, a par do seu “rival” John Carmack (id Software de Quake e atualmente na Oculus).
O conceito inicial de Fortnite teve origem numa game jam realizada internamente na Epic, depois do lançamento de Gears of War 3 em 2011. O conceito de construção foi inspirado em jogos como Minecraft e Terraria, juntamente com as suas bases de ação na terceira pessoa. A produção lenta ao longo dos anos deveu-se à troca de motor, da terceira para a quarta geração do Unreal, para além de uma mudança de design estético de um tema negro (semelhante à série Unreal e Gears of War) para uma abordagem mais colorida e cartoon, com animações típicas de uma série de desenhos animados.
A versão original de Fortnite seria também um teste para a empresa experimentar o lançamento de jogos como serviços, para tal, contou com a chinesa Tencent, que é uma grande investidora na editora, contribuindo com a sua experiência em títulos online. O plano passava por lançar Fortnite em acesso antecipado pago, o que aconteceu em julho de 2017, com a promessa (ainda por cumprir) de tornar o jogo free-to-play algures em 2018. Durante este período, o feedback dos jogadores permitiria à produtora americana melhorar o jogo.
Quando Fortnite foi lançado, em julho de 2017, apresentava apenas uma experiência online cooperativa, em que os jogadores tinham de unir esforços para recolher o máximo de matérias-primas e construir a sua base durante o dia, para de noite a defender dos ataques de zombies e monstros. O lançamento foi morno, e visto ser um jogo pago, com tantas outras propostas de ação semelhantes gratuitas, previa-se um rápido "engavetamento" do projeto.
Logo após o lançamento inicial, a equipa começou a delinear a vertente multijogador competitiva (PvP), aquele que seria o Battle Royale. Foram apenas necessários dois meses para o estúdio delinear e lançar este formato, que estreou a 26 de setembro de 2017. Com PlayerUnknow’s Battlegrounds a ter um sucesso estrondoso (curiosamente assente na tecnologia Unreal da Epic), marcando a sua posição no género Battle Royale, ainda demorou algum tempo para que as pessoas dessem conta de Fortnite Battle Royale.
Aquele que seria “apenas” a componente multijogador de Fortnite explodiu, e com isto a equipa original precisou de reforços. A equipa de Unreal Tournament (que também está a ser feita uma versão moderna) foi transferida para Fortnite Battle Royale, enquanto os responsáveis pelo jogo voltaram a desenvolver a versão de experiência cooperativa, agora batizada de Save the World para distinguir os dois modos.
O mais curioso é que Battle Royale foi planeado para ser uma versão alternativa PvP de Fortnite Save the World, com o pacote a custar perto de 40 euros. A derradeira decisão de lançar a versão de Fortnite Battle Royale à parte, como uma experiência gratuita, foi tomada apenas duas semanas antes do seu lançamento.
O sucesso estrondoso
Mas o que tornou afinal Fortnite Battle Royale tão popular? Por um lado, a jogabilidade e ação refinada, fruto da experiência da Epic na produção de títulos na terceira pessoa. As mecânicas de construção, que permitem aos jogadores fazer paredes e escadas originando torres, adicionam uma componente estratégia original à ação. Ou seja, os jogadores não têm apenas de se preocupar a recolher armas e munições, como também destruir paredes e árvores para obter madeira, tijolos e ferro que são matérias-primas para as construções.
A quarta geração do motor Unreal demonstrou mais uma vez a sua versatilidade, que tanto pode ser utilizado em cenários negros, fotorealistas ou num formato de desenhos animados, que foi a escolha da Epic para Fortnite. O gigantesco mapa está repleto de detalhes, locais exóticos para descobrir, e acima de tudo, o humor está bem estampado em todos os detalhes. Tanto as armas, como as munições, personagens e elementos do cenário parecem saídos da série de animação “Papa-Léguas” em que o Coiote tenta a todo o custo apanhar a ave, caindo nas próprias armadilhas. Esse espírito divertido reina neste jogo.
Junte-se a isso centenas de objetos cosméticos e skins para enfeitar as personagens, assim como as dezenas de danças divertidas possíveis de ativar, e a fórmula da diversão está completa. As danças do jogo são tão populares que existem milhares de vídeos no YouTube com desafios de pessoas a imitar as mesmas.
Sendo a base do jogo gratuita, dando possibilidade de desbloquear algum deste conteúdo cosmético durante as partidas, os itens mais apetecíveis têm de ser pagos através das micro-transações, e essa é a principal fonte de rendimento da Epic para este jogo. Além disso, o lançamento em formato cross-play permite que jogadores do PC se defrontem com adversários a jogar nas consolas ou telemóveis, à exceção da polémica PS4, contribuindo para ter sempre companheiros para jogar.
Obviamente que as características do jogo por si não fariam sentido se as pessoas não tomassem contacto com o mesmo. Desta forma, o que catapultou Fortnite para o estrelato foi uma transmissão do popular streamer do Twitch Ninja com o rapper Drake, chegando às 600 mil pessoas a assistir durante o seu pico, superando largamente o recorde de 388 mil pessoas a assistir o Dr. DisRespect, curiosamente a jogar PUBG. E no YouTube o recorde da plataforma também tem Fortnite associado, com o espanhol ElrubiusOMG a atingir um público de 1,1 milhões de pessoas a assitir.
Há uma característica de Fortnite, e dos restantes jogos semelhantes Battle Royale, que prende os jogadores/espectadores ao ecrã: à medida que o tempo passa, um círculo vai fechando, e todos os jogadores necessitam ficar no seu interior, caso contrário perdem energia. Se o mapa é realmente gigante para os 100 jogadores que são lançados de para-quedas de um avião, vai-se tornado minúsculo até aos derradeiros confrontos, levando os sobreviventes a protegerem-se, montando armadilhas e a encontrarem os melhores locais para permanecerem vivos contra os adversários e ganharem a partida. Essa intensidade é vivida freneticamente por quem joga, mas de forma excitante por quem assiste.
Mas como se traduz Fortnite em números? Os últimos dados divulgados são de maio - logo podem estar completamente desfasados da atualidade - , mas tome como referência: desde o lançamento em setembro do ano passado até ao final de maio, o jogo tinha amealhado mais de 1,2 mil milhões de dólares, segundo a SuperData Research, com uma base de jogadores estimada em 125 milhões de pessoas no início de junho. Só no mês de abril, o jogo gerou receitas de 250 milhões de dólares.
A Bloomberg estima que Fortnite consiga chegar aos 2 mil milhões de dólares este ano, elevando o valor da Epic Games entre os 5-8 mil milhões de dólares, sendo que 40% da empresa pertence à chinesa Tencent depois da aquisição em 2012 por 825 milhões. Já o dono da empresa, Tim Sweeney amealhou cerca de 75 milhões de dólares.
O jogo tornou-se também um dos títulos na rota dos e-Sports e a própria Epic Games revelou em maio que iria disponibilizar 100 milhões para financiar prémios de competições envolvendo Fortnite.
Fortnite não é apenas o grande jogo de 2018, é já um fenómeno cultural que já não se via desde Pokémon GO e Minecraft. É uma mina de dinheiro não só para a empresa, mas para as plataformas de vídeo YouTube e Twitch, onde são colocados milhares de vídeos e transmissões diariamente. O merchandising e as publicações relacionadas ao jogo são igualmente um sucesso, e não deverá faltar muito para o chamamento de Hollywood…
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