A oferta de cloud gaming já existe há mais de uma década, quando empresas como a OnLive e a Gaikai revelaram as suas ambições de oferecer um serviço de streaming para videojogos, baseado numa subscrição mensal. Ainda não existia o Netflix e Spotify, e o gaming já pensava em dar esse salto para a cloud.
O certo é que se nos serviços de vídeo e música os utilizadores consomem os conteúdos de forma passiva, no gaming os jogadores são ativos, ou seja, a informação é interativa e tem de fluir nas duas direções. E com isso surgiu o pior inimigo de qualquer serviço de cloud gaming: o imput lag. Ou seja, as quebras de fluidez entre os controlos do momento em que se faz uma ação do lado do jogador, e o tempo que o jogo demora a responder. E este valor tem de ser o mais próximo possível a zero. E isso só se consegue fazer com ligações à internet muito rápidas.
Por isso, apesar do pioneirismo do OnLive, a empresa viria a fechar portas pouco tempo depois de ter lançado o seu serviço. As suas patentes seriam adquiridas pela Sony, decidida em apostar no conceito para o seu ecossistema PlayStation. E para isso adquiriu também o Gakai, que seria a infraestrutura do serviço PlayStation Now, que a fabricante japonesa maturou quase durante uma década, oferecendo o serviço em alguns países como teste. Apenas no início de 2019 foi expandida a oferta para outros mercados, incluindo Portugal.
O certo é que durante anos sem grande concorrência, a Sony foi maturando o seu serviço, e sobretudo, reunindo um catálogo de oferta com mais de 700 títulos na atualidade, muitos deles recentes, embora nunca as últimas novidades.
O interesse da Microsoft no cloud gaming fez “mexer as águas”, até porque a velocidade atual de internet já permite jogar em cloud com grande qualidade. Talvez não seja perfeito para jogos muito frenéticos, como o género de combate, como Mortal Kombat ou Street Fighter, ou mesmo um FIFA, cuja precisão de um golpe ou remate ficam comprometidos pelo imput lag, por muito baixo que seja. Mas para os jogos em geral já se obtém excelentes resultados. E de ter em conta que o mundo tecnológico assiste à mudança para o 5G, o aumento de velocidade de internet e qualidade da rede vai resolver este problema. Ou pelo menos é isso que se pretende.
Atualmente existem muitos serviços de cloud gaming ativos. Uns são muito limitados ou direcionados a mercados específicos. As principais ofertas resumem-se a cinco serviços, incluindo o xCloud que já está em beta em alguns países e em setembro vai expandir-se, incluindo o mercado português. Para além da Microsoft e Sony, que curiosamente estão juntas a trabalhar numa nova solução de cloud gaming baseada na computação cloud Azure, surgiram os serviços da NVidia e Google.
Conheça cada serviço com mais detalhe:
PlayStation Now
O PlayStation Now é um serviço de subscrição que permite aceder aos videojogos via streaming, sem a necessidade de uma versão física ou fazer o download do respetivo título. Atualmente conta com um catálogo com mais de 700 jogos, com um custo de subscrição de 9,99 euros por mês. A Sony introduz novidades numa base mensal e é uma forma dos fãs da PlayStation revisitarem todo o catálogo desde a PS2, sendo possível jogar tanto na PS4 como no PC Windows 10 em streaming.
Por outro lado, os cerca de 300 títulos de PS4 podem ser instalados diretamente na consola, sem a necessidade de correr em streaming, e neste caso, se tiver uma PS4 Pro pode jogar em 4K. O interessante do serviço é que não necessita de ter uma PlayStation 4 para usufruir de todo o catálogo, bastando ter uma conta PlayStation Network e um comando compatível para jogar no computador.
NVidia GeForce Now
O serviço de streaming GeForce Now da NVidia tem uma subscrição mensal de 5,49 euros por mês, mas também uma oferta gratuita com sessões de uma hora de acesso limitado. A versão completa permite ligar a tecnologia RTX nos jogos suportados. A plataforma GeForce Now é diferente dos seus restantes rivais ao oferecer cloud gaming para os jogos que os utilizadores têm na sua biblioteca, e não um catálogo extenso para oferta.
Na prática, o serviço funciona como um intermediário, que possibilita jogar os nossos jogos que adquirimos na Steam ou outra loja digital, em cloud, seja no PC, num tablet ou mesmo num smartphone. O serviço serve ainda para os jogadores que adquiriram novidades, mas descobrem que afinal os seus computadores não têm os requisitos necessários para os poder correr. O serviço trata do respetivo processamento em cloud.
Lançado há poucos meses, o serviço pago da NVidia foi alvo de controvérsia, levando a diversas editoras a retirar os jogos do seu catálogo. Em causa estava a acusação de que os seus utilizadores teriam acesso a conteúdo com direitos de autor, sem a permissão dos criadores. Em maio, a NVidia atualizou as suas políticas de utilização, dando às editoras a opção de disponibilizar ou não, os seus títulos no serviço, a fim de serem jogados remotamente nos seus servidores em cloud.
Nesse sentido, mais que considerar o GeForce Now como um serviço de cloud gaming com subscrição de catálogo, devemos considerar o mesmo como uma ferramenta de complemento ao serviço dos jogadores.
Google Stadia
A Google lançou-se de “pés juntos” ao serviço de cloud gaming com a revelação do Stadia, no ano passado. A gigante tecnológica formou uma divisão interna focada no gaming, liderado por Phil Harrison, um dos mais experientes líderes da indústria (Microsoft Xbox, Sony PlayStation e Atari). O certo é que o lançamento foi feito com alguma timidez, em 14 mercados, excluindo Portugal, com um preço de 9,99 dólares para a versão Pro, uma versão Founder’s Edition que conta com um Chromecast Ultra e um comando especial produzido internamente, por 130 dólares.
No seu catálogo constaram 12 jogos de início, numa oferta total de cerca de 30 títulos até ao fim de 2019. A sua oferta de “features”, os utilizadores podem jogar os títulos do seu catálogo até 4K HDR e com som surround 5.1, já no PC, num Chromecast, tablet ou smartphone. Há a possibilidade de passar de um equipamento para o outro instantaneamente, sem perder o progresso. Inicialmente apenas os dispositivos Pixel da Google suportavam o Stadia, mas a Google já alargou o serviço a outras fabricantes, como a Samsung, Asus e Razer.
No final de março a Google atualizou o seu catálogo, prometendo cerca de 120 títulos no serviço até ao fim de 2020. A falta de resposta e a falta de atualizações permanentes têm suscitado críticas dos seus utilizadores.
Microsoft xCloud
A Microsoft está muito confiante no seu serviço de cloud gaming xCloud, e nas mais recentes notícias, foi revelado que a plataforma não será autónoma, mas sim agregada ao Xbox Game Pass Ultimate, em formato beta. Ou seja, para os assinantes do serviço passam também a beneficiar das funcionalidades de jogos em streaming sem pagar mais por isso, quando este chegar a 15 de setembro, incluindo Portugal.
Através do serviço, cumpre-se uma promessa antiga de Phil Spencer, o CEO da Xbox, em colocar os jogos onde estiverem os jogadores. E isso passa não só pelas suas consolas, como também os computadores com Windows 10, tablets e smartphones. Significa ainda que sendo um “upgrade” ao Game Pass, a maioria do seu catálogo estará disponível para jogar em cloud, ou seja, mais de uma centena de títulos. O Game Pass Ultimate tem um valor de 12 euros por mês e ainda inclui o Live Gold, o serviço que permite jogar online os jogos com suporte multijogador.
Mas o que importa é que o xCloud parece ser o único serviço a introduzir no seu catálogo os títulos de lançamento, logo no primeiro dia, incluindo a joia da coroa, Halo Infinite. Praticamente todos os jogos produzidos internamente pelos estúdios da Microsoft vão estrear-se simultaneamente em cloud gaming, com a equipa de Phil Spencer a prometer mudar paradigmas no que diz respeito ao consumo de jogos em cloud.
Há mais gigantes no horizonte do cloud gaming?
Estes são os quatro principais fornecedores de streaming de videojogos, mas isso não significa que no futuro a concorrência de cloud gaming não seja ainda maior. Há planos do Facebook, da Amazon e até na China, numa parceria entre a gigante Tencent e a Huawei, todas estão a apostar fichas nesta vertente da indústria dos videojogos.
A empresa de Mark Zuckerberg adquiriu a startup espanhola PlayGiga por 70 milhões de euros, que já oferece serviços de cloud gaming na Europa, América Latina e Médio Oriente, nomeadamente em Espanha, Itália, Chile, Argentina e Catar. A aquisição da empresa fundada em 2013 é a primeira feita em Espanha pelo Facebook. A PlayGiga já tem uma rede bem consolidada de editoras a publicar jogos de PC no serviço, nomeadamente a Warner Bros., Disney, Capcom, Sega, 505 Games, THQ Nordic, Codemasters, Square Enix e outras.
Já a Amazon, detentora da Twitch e que já um par de anos investiu em estúdios internos na produção de jogos, pretende expandir a sua posição na indústria de gaming através do seu sistema de computação em cloud do serviço AWS. Devido à pandemia de COVID-19, a Amazon não anunciou os seus planos nos principais eventos, mas acabou por revelar o Project Tempo. A ideia não é apenas oferecer um catálogo de jogos, mas também estabelecer uma ponte em que os utilizadores podem jogar com os streamers da Twitch em tempo real.
O responsável da Amazon para serviços de gaming e os estúdios da empresa, Mike Frazzini, revelou em entrevista ao New York Times que o objetivo é trazer muitas das funcionalidades da Amazon para dentro dos videojogos. Ainda não existe nada de oficial revelado, mas fala-se que até ao fim do ano a Amazon pode lançar uma beta do serviço.
Por fim, ainda este ano, antes da pandemia, a Tencent e a Huawei assinaram um protocolo para a criação de um laboratório para criar uma plataforma de cloud gaming. Pouco se sabe ainda desta colaboração, mas a ideia é explorar também áreas como a inteligência artificial, realidade aumentada e virtual, suportadas por essa plataforma. A Tencent já havia manifestado interesse em explorar a tecnologia em 2019, com uma plataforma de cloud gaming chamada Start, tendo feito alguns testes usando Fortnite como “cobaia”. A empresa também estabeleceu um acordo com a Razer, para lançar produtos compatíveis com a cloud, introduzir o serviço nos pacotes de software da fabricante de tecnologia, de forma à Tencent expandir-se pelos mercados ocidentais.
Ainda é cedo para afirmar se 2020 vai ser finalmente o ano do Netflix de videojogos, com um os serviços a competirem pelas melhores propostas. E o futuro é risonho para o cloud gaming, porque num estudo da Deloitte, com amostras de 2.003 consumidores americanos, 53% dos Millennials (pessoas até aos 35 anos) já têm uma subscrição de serviços relacionados com videojogos, e apenas 51% dos inqueridos pagam subscrições de televisão tradicional, que inclui cabo, fibra e satélite. E não foi por acaso que a Netflix, numa reunião de acionistas no início do ano passado, referiu que a empresa não está a competir com a HBO, Disney ou outro serviço de séries de televisão em streaming, mas sim Fortnite, ou seja, os videojogos, pelo tempo frente ao ecrã.
Além disso, a IHS Markit estimou em maio que o mercado de cloud gaming cresce de 387 milhões de dólares registados em 2018 para cerca de 2,5 mil milhões de dólares em 2023. Números que colocam a cabeça dos investidores nas "nuvens"...
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